Pesquisador juiz-forano faz estudo para conservar seu patrimônio histórico.
Além de um simples terreno ou recinto onde se enterram e guardam cadáveres, o Cemitério Municipal de Juiz de Fora, que completa 150 anos neste 2 de novembro, Dia de Finados, é importante espaço em que se configura a memória cultural da cidade. “É possível conhecer a história do município, suas tensões, disputas de poder, transformações e genealogia”, defende o historiador Leandro Gracioso de Almeida e Silva. Mestrando em memória social e patrimônio cultural pela Universidade de Pelotas (UFPEL), no Rio Grande do Sul, ele prepara para 2015 uma pesquisa dedicada à arte dos túmulos da ala velha do local erguido em 1864. Seu foco de estudo é o papel dos imigrantes italianos na construção dos jazigos.
“O cemitério foi erguido por questões higiênicas. Até então, os corpos eram enterrados na antiga Igreja Matriz. A partir deste momento, a cidade passou por uma transformação na relação que tinha com os mortos. Foi um período em que houve uma dramatização do luto. As pessoas sentiam a morte de uma forma muito intensa”, ressalta o juiz-forano, destacando a necessidade que as famílias tinham de “ostentar” o sentimento em forma de arte. “As pessoas quando estavam doentes nunca pediam para ter um túmulo monumental. Isso era sempre um desejo dos vivos. Nesta época, chegaram muitos imigrantes por aqui, principalmente os italianos. Eles trouxeram a tradição europeia de morte romântica para o Brasil.”
Os serviços eram contratados por encomenda, a partir de um catálogo com pré-imagens. “Quem tinha menos, pagava por uma obra simples. Quem era endinheirado, mandava fazer trabalhos suntuosos. Muitos pediram para os europeus trazerem a obra pronta”, diz o mestrando, apontando para o túmulo dos Tostes, encomendado no início do século XX. “As obras são chamadas de pranteadoras. São figuras femininas inspiradas na antiguidade clássica. A mais baixa na parte central é de Bozzano, conhecido professor italiano. As outras são de Luca Arrighini, que, junto a seus irmãos, tinha uma oficina de esculturas em Pietrasanta na Itália. A obra faz sentido ao se pensar que a família, por ser co-fundadora da cidade, necessitava exaltar seu papel.”
Histórico do patrimônio
O local em que foi sepultada a menina Ilva, falecida aos 13 anos, integra o levantamento histórico realizado pelo mestrando. O pai mandou esculpir a própria filha no topo do túmulo. As laterais ganharam imagens de anjos. “O maçom e marmorista Paschoal Senatore trouxe o trabalho da Itália por não dispor de material nem artista para executar obra de tamanha qualidade artística”, conta. O caso de Palmyra Pessoa, considerada santa, sempre volta aos holofotes na data de render homenagens aos que se foram. Diz a lenda que, anos depois de Palmyra morrer em um acidente de trem, o corpo estava intacto. Desde então, sua sepultura é alvo de peregrinação de fieis. “Em qualquer cemitério do Brasil, vai ter uma história deste tipo.” Talvez um dos jazigos mais curiosos seja o popularmente conhecido como túmulo da bruxa. Do lugar sai uma escultura em forma de árvore com uma cruz no cume. “A árvore representa a vida, e a cruz é a fé de renascer com Cristo”, explica. Aos finados dos Arcuri & Spinelli, foi erguida uma minicapela.
Para Leandro, por volta de 1930, a morte foi perdendo a áurea dramática que a rodeia, o que justificou o menor investimento na arte fúnebre. “Alguns fatores contribuíram para isso. As pessoas pararam de morrer em casa, passaram a morrer nos hospitais. Houve aí um distanciamento. A arquitetura exagerada foi perdendo força no modernismo, que pregava formas mais retas, menos adornadas. Ainda encontramos um ou outro trabalho mais pomposo, como o dos sírio-libaneses, localizado na ala nova, mas é raro.”
O historiador conta que, apesar dos 150 anos transcorridos, os reflexos de um impasse dos anos iniciais do cemitério ainda hoje são sentidos. “As interferências do padre Thiago Mendes Ribeiro (responsável pela gerência do local até 1890), assim como de outros padres, eram tantas na questão dos sepultamentos que Dom Pedro II promulgou uma lei, em 1870, a fim de resolver os impasses. Os padres costumavam se negar a dar sepultara a não católicos, prostitutas, suicidas etc. Feito isso, o Cemitério Municipal (que era somente a ala velha no período) foi dividido em dois, um para católicos e outro para protestantes. Ainda é possível ver algumas marcas dessa divisão.”
Exemplo argentino
Filho de um auxiliar de necropsia, já falecido, o juiz-forano Leandro Gracioso de Almeida e Silva, desde pequeno, conviveu com a morte a seu lado. Contudo, foi em 2009, quando ainda cursava turismo, sua primeira graduação, que ele decidiu se debruçar sobre o tema. Bastou uma visita à famosa necrópole da Recoleta em Buenos Aires para perceber que o mausoléu local requer atenção. “O cemitério da Recoleta é um espaço de grande coleção de arte funerária do mundo. O de Juiz de Fora está muito esquecido tanto do ponto de vista da preservação, quanto pela população, que não conhece a sua história. Minha ideia é apresentar ao município que lá não é só um lugar de dor e sofrimento, mas um reservatório artístico.”
O estudo passa, também, pela construção da ala nova e pela última grande reforma. Pontos que, de acordo com o autor, ainda não foram abordados por outros pesquisadores. Durante o processo de levantamento de informações, Leandro conta com a ajuda de Clarissa Graci, de Curitiba, membro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (Abec). “Foi ela quem me deu as dicas para começar. Fui aos arquivos, inventariei os túmulos e observei que muitos deles estão assinados. O cemitério é a cidade dos mortos e reproduz todos os problemas e desigualdades da cidade dos vivos. Os mais ricos têm sempre a memória lembrada. A chance de os mais pobres serem esquecidos é maior.” Por Marisa Loures
Fonte: Tribuna de Minas /defender
Nenhum comentário:
Postar um comentário