O trabalho no silêncio e na oração
do site Mosteiros de Belém
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"A mediocridade é pior que o piolho",
repetiu vezes sem conta Maria Ulrich. Vem isto da circunstância de o
Natal estar à porta, de eu ter passado por algumas lojas onde são
vendidos, a todos os preços, "objectos religiosos". Tanta "coisa"eu vi.
Tudo tem o seu valor. Mas nem tudo vale o mesmo. Ou seja, se a arte e a
Beleza são para todos, não significa que todos tenhamos vocação
artística. Agora para "olhar" sim, todos temos vocação. E nisso eu sou
educada. Cada dia. Não quero ser pior que o piolho!
Até que "parei" numa loja diferente, comprei o que
pude. Menos mas melhor. Mas sobretudo estou cheia da alegria de estar
diante duma boa inovação: a Beleza. A crónica de hoje relecte então a
arte sacra e os trabalhos das monjas e os monges da Ordem Mosteiros de Belém da Assumpção da Virgem e de S. Bruno
(fundada em 1950). Estes homens e mulheres extraordinários
pediram à também extraordinária Joana Queiroz que trouxesse para
Portugal as Artes dos seus Mosteiros. Falamos com ela, e ficamos a saber
tudo. Melhor: quase tudo.Porque só quem está no Convento é que sabe o
que lá vai dentro.
O Cardel Lustiger não é o único a reconhecer como
medíocres tantas representações religiosas, como lembra Joana: " Arte
Sacra e as imagens no culto Cristão são a celebração dos sacramentos da
Igreja e o testemunho de santidade. Não podem ser confundidas com ídolos
e não podem ser concebidos como quaisquer outras peças de adorno ou
decoração. O fim a que se destinam, obriga o artista a um singular
aprofundamento da sua obra. Trata-se de uma aventura estética mas,
sobretudo, de uma grande aventura e empenhamento espiritual. A
sacramentalidade da Igreja, vivida em seriedade, exige e obriga ao
surgimento e à afirmação da estética."
É o caso dos Mosteiros de Belém, onde a dureza da
Clausura influi determinantemente na beleza. Em isolamento e
contemplação, recolhidos em 33 mosteiros femininos e 4 masculinos, em
celas exíguas de tamanho, mas transbordantes da grandeza da Fé, vivem as
monjas e os monges daquela Ordem.
Joana Queiroz recebeu o pedido por eles feito, há 7
anos, para abrir lojas no nosso país. Sendo seu, todo o esforço
económico que permite a existência desta empresa, é gerente da mesma mas
não é esta a sua actividade principal:"tenho um emprego em full time,
como qualquer outra pessoa e faço, para além disso, a gestão das lojas,
dos seus funcionários e todo o trabalho que implica o seu funcionamento,
praticamente, em regime de voluntariado. Muitos dos 37 mosteiros
existentes por todo o mundo, produzem artesanato. Tento ter nas lojas um
pouco de tudo o que se produz. No entanto, as comunicações com os
mosteiros são difíceis, uma vez que não têm e-mails, telemóveis ou
outras tecnologias e grande parte deles, têm o fax juntamente com o
telefone."
Mulher despachada, continua: "como também, pelo meu lado, passo todo o dia a trabalhar no meu emprego, muito do trabalho das Artes do Mosteiro
é feito pela noite dentro, nas horas de almoço e antes das 9h da manhã. Tenho dias de trabalho que são verdadeiras maratonas!"
E conclui:"Apesar das dificuldades práticas de manter
uma actividade comercial assente em parâmetros completamente contrários
ao mundo dos negócios do século XXI, a satisfação de ver crescer no
tempo o interesse e o espanto do público quando se confronta com a rara
beleza destas peças, enche-me de orgulho por ter sido chamada a esta
missão. Os monges e monjas por todo o mundo, rezam por mim, pela minha
família e pela manutenção das lojas que existem para a glória de Deus e,
como dizem, são para Ele. Para que possamos rezar melhor. Há proveito
maior na vida?"
Os elementos desta ordem são chamados a seguir o
caminho percorrido por Maria, Mãe do Salvador. Querem assim, com ela,
escutar a palavra de Deus, meditá-la sem cessar nos seus corações e
segui-Lo por toda a sua vida. Rege-os a regra de S. Bruno que trouxe
para o Ocidente a tradição monástica criada por S. Macário no Séc. IV,
no Oriente e que se caracterizada por formar comunidades que vivem em
Comunhão com Deus, em pequenos espaços individuais que, embora
separados, são equidistantes de uma pequena Igreja e dos outros lugares
onde se desenrola uma vida de união fraterna e de trabalho.
O trabalho artesanal dos monges e das monjas de belém
não são só um meio de ganhar o pão de cada dia. São um serviço à Igreja
prestado pelos que Deus chama a deixar tudo e a guardar silêncio para
adorá-Lo dia e noite na solidão.
E termino com as palavras de Lustiger: "numa sociedade
em que a arte deixou de ser funcional (deixou de ter um propósito
concreto), onde mais do que nunca se evidenciam as contradições humanas,
a causa daquela mediocridade não estará relacionada com uma profunda
crise de Fé e de ausência de espiritualidade que põe à prova, de forma
indelével, os artistas e as suas obras?". Mais: "a santidade revela a
beleza. Se nos falta beleza é porque a sociedade ou as comunidades
cristãs não souberam deixar resplandecer nelas a Luz Verdadeira."
As peças que agora podem ser vistas e compradas em
Portugal não são mais do que o remeter para o maior Ícone que é Cristo,
presente nos sacramentos. São imagens vivas e concretas da sua acção,
aqui e agora, desde que estabeleceu a Sua morada entre nós.
Fonte: Expresso XL
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