quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Artes de Mosteiros: "a mediocridade é pior que o piolho"



Por Fátima Pinheiro

O trabalho no silêncio e na oração
O trabalho no silêncio e na oração
do site Mosteiros de Belém
"A mediocridade é pior que o piolho", repetiu vezes sem conta Maria Ulrich. Vem isto da circunstância de o Natal estar à porta, de eu ter passado por algumas lojas onde são vendidos, a todos os preços, "objectos religiosos". Tanta "coisa"eu vi. Tudo tem o seu valor. Mas nem tudo vale o mesmo. Ou seja, se a arte e a Beleza são para todos, não significa que todos tenhamos vocação artística. Agora para "olhar" sim, todos temos vocação. E nisso eu sou educada. Cada dia. Não quero ser pior que o piolho!

Até que "parei" numa loja diferente, comprei o que pude. Menos mas melhor. Mas sobretudo estou cheia da alegria de estar diante duma boa inovação: a Beleza. A crónica de hoje relecte então a arte sacra e os trabalhos das monjas e os monges da Ordem Mosteiros de Belém da Assumpção da Virgem e de S. Bruno  (fundada em 1950). Estes homens e mulheres extraordinários pediram à também extraordinária Joana Queiroz que trouxesse para Portugal as Artes dos seus Mosteiros. Falamos com ela, e ficamos a saber tudo. Melhor: quase tudo.Porque só quem está no Convento é que sabe o que lá vai dentro.

O Cardel Lustiger não é o único a reconhecer como medíocres tantas representações religiosas, como lembra Joana: " Arte Sacra e as imagens no culto Cristão são a celebração dos sacramentos da Igreja e o testemunho de santidade. Não podem ser confundidas com ídolos e não podem ser concebidos como quaisquer outras peças de adorno ou decoração. O fim a que se destinam, obriga o artista a um singular aprofundamento da sua obra. Trata-se de uma aventura estética mas, sobretudo, de uma grande aventura e empenhamento espiritual. A sacramentalidade da Igreja, vivida em seriedade, exige e obriga ao surgimento e à afirmação da estética."

É o caso dos Mosteiros de Belém, onde a dureza da Clausura influi determinantemente na beleza. Em isolamento e contemplação, recolhidos em 33 mosteiros femininos e 4 masculinos, em celas exíguas de tamanho, mas transbordantes da grandeza da Fé, vivem as monjas e os monges daquela Ordem.
Joana Queiroz recebeu o pedido por eles feito, há 7 anos, para abrir lojas no nosso país. Sendo seu, todo o esforço económico que permite a existência desta empresa, é gerente da mesma mas não é esta a sua actividade principal:"tenho um emprego em full time, como qualquer outra pessoa e faço, para além disso, a gestão das lojas, dos seus funcionários e todo o trabalho que implica o seu funcionamento, praticamente, em regime de voluntariado. Muitos dos 37 mosteiros existentes por todo o mundo, produzem artesanato. Tento ter nas lojas um pouco de tudo o que se produz. No entanto, as comunicações com os mosteiros são difíceis, uma vez que não têm e-mails, telemóveis ou outras tecnologias e grande parte deles, têm o fax juntamente com o telefone."

Mulher despachada, continua: "como também, pelo meu lado, passo todo o dia a trabalhar no meu emprego, muito do trabalho das Artes do Mosteiro  é feito pela noite dentro, nas horas de almoço e antes das 9h da manhã. Tenho dias de trabalho que são verdadeiras maratonas!"

E conclui:"Apesar das dificuldades práticas de manter uma actividade comercial assente em parâmetros completamente contrários ao mundo dos negócios do século XXI, a satisfação de ver crescer no tempo o interesse e o espanto do público quando se confronta com a rara beleza destas peças, enche-me de orgulho por ter sido chamada a esta missão. Os monges e monjas por todo o mundo, rezam por mim, pela minha família e pela manutenção das lojas que existem para a glória de Deus e, como dizem, são para Ele. Para que possamos rezar melhor. Há proveito maior na vida?"

Os elementos desta ordem são chamados a seguir o caminho percorrido por Maria, Mãe do Salvador. Querem assim, com ela, escutar a palavra de Deus, meditá-la sem cessar nos seus corações e segui-Lo por toda a sua vida. Rege-os a regra de S. Bruno que trouxe para o Ocidente a tradição monástica criada por S. Macário no Séc. IV, no Oriente e que se caracterizada por formar comunidades que vivem em Comunhão com Deus, em pequenos espaços individuais que, embora separados, são equidistantes de uma pequena Igreja e dos outros lugares onde se desenrola uma vida de união fraterna e de trabalho.

O trabalho artesanal dos monges e das monjas de belém não são só um meio de ganhar o pão de cada dia. São um serviço à Igreja prestado pelos que Deus chama a deixar tudo e a guardar silêncio para adorá-Lo dia e noite na solidão.

E termino com as palavras de Lustiger: "numa sociedade em que a arte deixou de ser funcional (deixou de ter um propósito concreto), onde mais do que nunca se evidenciam as contradições humanas, a causa daquela mediocridade não estará relacionada com uma profunda crise de Fé e de ausência de espiritualidade que põe à prova, de forma indelével, os artistas e as suas obras?". Mais: "a santidade revela a beleza. Se nos falta beleza é porque a sociedade ou as comunidades cristãs não souberam deixar resplandecer nelas a Luz Verdadeira."

As peças que agora podem ser vistas e compradas em Portugal não são mais do que o remeter para o maior Ícone que é Cristo, presente nos sacramentos. São imagens vivas e concretas da sua acção, aqui e agora, desde que estabeleceu a Sua morada entre nós.

Fonte: Expresso XL

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