O que começou como brincadeira na infância
ajudou Benedito Eduardo de Carvalho a vencer dificuldades na juventude e
o transformou em um dos mais celebrados santeiros do mundo.
Por Arnaldo Viana
'A arte me deu um meio para viver, o pão de cada dia. Agradeço a Deus pelo talento e pela graça' |
O
que pensar de um menino que, aos 6, 7 anos, pegava o canivete do pai
para fazer, em madeira, miniaturas de fachadas de casarões, igrejas,
carrinhos de bois e outros pequenos objetos? Para um olhar comum, na
quietude de Conceição da Barra de Minas, então distrito de São João
del-Rei, na primeira metade dos anos 1950, aquilo não passava de
brincadeira de criança. Mas, para quem tinha sabedoria também nos olhos,
as mãos de Benedito Eduardo de Carvalho faziam arte. Foi o que viu o
padre Heitor Augusto da Trindade, na ocasião pároco da cidade de
Nazareno, na Região Central de Minas, que morreu em 1955 como cônego e a
quem se atribui a conquista de muitas graças.
O menino aprimorou a
arte, tornou-se santeiro e seu trabalho ganhou o mundo. Benedito tem
hoje 65 anos e não tem dúvida de que o padre Heitor é santo. O pároco
viajava léguas a cavalo e enfrentava as intempéries para levar ajuda e
conforto a quem precisava. Não é sem motivo que seu túmulo recebe
caravanas de visitantes. E necessidade é algo que Benedito, o Dito
Santeiro, sentiu na pele. Perdeu o pai aos 8 anos, logo depois da morte
do padre. Aos 15, ficou sem a mãe. Passou dificuldade com os três irmãos
mais velhos em Conceição da Barra de Minas e decidiu buscar vida melhor
na vizinha Nazareno. Foi quando o padre Heitor cruzou novamente a sua
vida.
Em Nazareno, Dito Santeiro passou a produzir pequenas
peças em madeira e pedra-sabão para sobreviver. Era pouco. Para
ajudá-lo, o farmacêutico Ozar Nestor de Carvalho encomendou ao então
adolescente uma imagem do pároco, a partir de uma antiga fotografia.
“Tinha vaga lembrança do padre Heitor. Eu tinha 7 anos na única vez em
que o vi. Ele usava batina preta e barrete na cabeça. E o trabalho não
agradou, ficou desproporcional”, recorda Dito Santeiro com certo humor. E
ele fez outra, que ficou melhor, mas não com a perfeição exigida. O
farmacêutico, mesmo não totalmente satisfeito, aceitou o trabalho, pagou
e incentivou o jovem a também entrar na escola e fazer o curso
primário.
Não há dúvida para Dito Santeiro de que o artista se
revelou por meio da imagem que fez do padre Heitor. “Continuei
produzindo trabalhos pequenos, foi aparecendo gente interessada em
encomendar imagens e crucifixos de madeira.” As obras passaram a ser
admiradas além de Nazareno, não apenas em outras cidades brasileiras,
mas também fora do país. “Havia na região uma indústria de fundição de
estanho e os diretores, franceses, compravam peças e as levavam para o
exterior.” O mundo descobria o talento revelado aos olhos do padre
Heitor quando ele observou aquele menino de 7 anos manipulando um
canivete com maestria.
Tanta devoção ao padre e o mesmo desejo que
incomodava o pároco, o de ajudar os necessitados, levaram Dito Santeiro
até a sonhar em se ordenar, mas desistiu, em 1970. Cursar o seminário
estava além de sua condição financeira e resolveu se casar. Conversar
com ele é conversar com a própria arte. Ele parece esculpir, com os
dedos compridos e finos, quando fala do ofício que desenvolve no ateliê
nos fundos da casa onde mora, em Nazareno. “Hoje, trabalho mais com
madeira que pedra-sabão. A arte me deu um meio para viver, o pão de cada
dia. Agradeço a Deus pelo talento e pela graça”, diz, olhando para o
retrato do padre Heitor, feito pelo artista plástico Joel Mansur,
pendurado na parede da sala.
É mesmo para dar graças a quem
tem o talento presente até no Vaticano. É dele a escultura em madeira
de frei Galvão, primeiro santo brasileiro. “Sílvio Florêncio, que foi
prefeito de Guaratinguetá (SP), cidade natal de frei Galvão, a
encomendou para doá-la ao papa Bento XVI em nome do povo brasileiro. Foi
quando o pontífice visitou o país, em 2007.”A obra do artista não
passou despercebida também de grandes políticos mineiros: Tancredo Neves
tinha uma Nossa Senhora da Conceição; Francelino Pereira, uma Nossa
Senhora da Assunção; e Rondon Pacheco uma Nossa Senhora do Rosário.
Todos ex-governadores.
Dito Santeiro, que já formou tantos
seguidores de sua arte, inspirada em Aleijadinho, está agora finalizando
mais uma obra, com a ajuda de mais um discípulo, Francisco Altieres, de
30 anos: a imagem de Santo Inácio de Loyola, em cedro, encomenda da
cidade de Abadiânia (GO). Atenta ao trabalho, a cadela Pitutinha,
companheira de todas as horas e que gosta de tomar a frente quando
alguém aponta uma câmera para mestre Dito Santeiro. “É vaidosa, gosta de
aparecer primeiro nas fotografias”, revela o artista, sem tirar os
olhos da imensidão de detalhes do manto do santo. E é verdade. Se o
fotógrafo desvia a lente, Pitutinha rosna de insatisfação.
Fonte: EM. com.br
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