Relicário da Manjedoura de Cristo |
No século IV, cresceram duas práticas que perduraram na Igreja: as peregrinações e a veneração às relíquias dos santos. São Jerônimo dava uma explicação para isso:
“Assim como compreendemos melhor os historiadores gregos depois de termos visto Atenas, e compreendemos melhor o terceiro livro de Virgílio depois de termos viajado de Trôade a Sicília, assim também compreendemos melhor a Escritura depois de termos verificado o que ainda possa existir dos lugares e das cidades antigas e de termos reconhecido os idiomas locais” (Rops, Vol. I, p. 501).
Desde o segundo século os cristãos de várias partes, como hoje, queriam ir a Roma para rezar diante dos túmulos de São Pedro e de São Paulo, os “troféus da Igreja”, como dizia o sacerdote romano Gaio. Alguns enfrentavam perigos e até eram martirizados por isso. São Paulino de Nola (†431), disse que esteve em Roma, quase todos os anos. E as catacumbas, então cuidadas pelo Papa Dâmaso, eram visitadas por muitos peregrinos.
Muitos desses visitavam a Terra Santa, os lugares sagrados purificados de toda idolatria por Santa Helena, especialmente as grandes basílicas. Os historiadores da época, Melânio, Rufino, Cassiano, Paládio… confirmam tudo isso. E a jovem, nobre e fervorosa peregrina Etéria, partiu da Espanha e visitou todos os lugares sagrados (da Bíblia), e deixou escritas suas belas experiências.
A devoção às relíquias estava ligada às peregrinações; todos queriam levar dos lugares sagrados uma recordação. A Cruz de Cristo encontrada por Santa Helena foi transformada em pequenos pedaços incrustrados de ouro e trazidos no pescoço, como disse São João Crisóstomo. São Gregório de Nissa usava um anel com uma relíquia da Cruz. E o imperador Constantino mandou colocar na sua coroa um dos cravos da crucificação.
Nisso tudo estava o forte sentimento religioso de que “o povo da terra tem necessidade da proteção do céu”. A Igreja soube valorizar esta piedade popular. Santo Agostinho dizia: “os corpos dos santos são instrumentos dos quais se serve o Espírito Santo para realizar suas obras”. Por isso os seus restos mortais são honrados desde o início da Igreja.
Temos como exemplo, as Atas do Martírio de São Policarpo (†155) de Esmirna, como já vimos, dizem que após a morte do mártir, entregue ao fogo, “os fiéis foram recolher as suas cinzas”. No martírio de Santo Cipriano, de Cartago, em 258, decapitado, vimos que os fiéis “estenderam panos para colher o sangue a ser derramado do mártir”.
A certeza de que os homens e as mulheres ressuscitarão no fim dos tempos, incutiu nos cristãos, desde os primeiros séculos, o grande apreço aos despojos mortais dos santos. Tinham aprendido com São Paulo (1Cor 6,15-20).
Afinal, a mulher hemorroísa ficou curada ao tocar o manto de Cristo (Mt 9,20s). No livro dos Atos dos Apóstolos São Lucas narra milagres e exorcismos ocorridos com relíquias de São Paulo ainda em vida. “Deus realizava milagres extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e outros panos que haviam tocado o seu corpo, eram aplicados aos doentes; então afastavam-se destes as moléstias e eram expulsos os espíritos malignos” (At 19,11s).
Nas comunidades visitadas ou catequizadas por São Pedro, São Paulo, São João, os fiéis guardavam tudo que lhes pudesse lembrá-los [suas cartas e os seus despojos mortais, os objetos de uso]. Os cristãos eram estimulados a este costume ao lerem o elogio do Senhor a Maria de Betânia, quando ela ungiu o Seu corpo pouco antes de Sua morte: “Ela me fez uma obra […] embalsamou antecipadamente o Meu corpo para a sepultura” (Mc 14,6-9; Mt 26,9-12; Jo 12,7).
E logo a Igreja providenciou os devidos cuidados com os desvios. São Jerônimo já alertava os fiéis de que “as relíquias dos santos não devem ser “adoradas”, mas simplesmente honradas como testemunhos Daquele que é o único que deve ser adorado”.
Em 1587 o Papa Sixto V (1585-1590) confiou o controle do culto das relíquias à Congregação dos Ritos, que em 1969 passou a ser a Congregação para as Causas dos Santos. Depois que um servo de Deus é beatificado, é lícito expor suas relíquias à veneração dos fiéis.
Prof. Felipe Aquino
Retirado do livro: História da Igreja, Ed. Cléofas.
Fonte: Cléofas
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