Trabalho de restauração deve ter cuidados especiais, conforme termo de ajustamento de conduta (TAC).
Igreja exibe marcas da lama em Paracatu de Baixo: preocupação do MP é que patrimônio não sofra ainda mais no trabalho de resgate. Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press
Todo cuidado é pouco para não danificar ainda mais o patrimônio sacro de Bento Rodrigues, Paracatu e outras localidades de Mariana, na Região Central, atingidas pela lama de minério de ferro que vazou da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco. Conforme termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais e a empresa controlada pela Vale e BHP Billiton, todas as pessoas que estão trabalhando na área, com exceção dos arqueólogos, devem passar por um treinamento.
“A capacitação é fundamental para que operários, motoristas e outras pessoas não pisem em um local sem a devida atenção e tenham muita informação sobre o trabalho. O material das capelas dos séculos 18 e 19, sob a lama, é muito frágil e pode se danificar mais ainda”, afirma o coordenador das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda.
A medida segue normas da instituição internacional de proteção dos bens culturais Escudo Azul (em inglês, Blue Shield), que, em seu setor, faz um trabalho semelhante ao da Cruz Vermelha Internacional em ajuda humanitária. Em Mariana, o TAC põe em prática o protocolo internacional de procedimentos para enfrentar desastres com prejuízos para o patrimônio histórico, que trata do resgate e proteção da herança cultural dos países.
Aos poucos, parte da história de Bento Rodrigues, o subdistrito soterrado e mais atingido há um mês, começa a emergir da lama. Na quinta-feira, quatro peças pertencentes à antiga Igreja de São Bento foram resgatadas pela equipe de arqueólogos que atua na área onde existiu o templo colonial, marco do antigo arraial fundado por um bandeirante. Segundo Souza Miranda, fazem parte do acervo duas almofadas da porta principal, o fragmento de um banco, possivelmente da sacristia, e o anjo de madeira de um altar.
Confiança
O trabalho, com acompanhamento do Corpo de Bombeiros, é o primeiro resultado do TAC assinado segunda-feira. Pelo documento, a mineradora assume o compromisso de adotar medidas emergenciais para preservar o patrimônio cultural e sacro de Bento Rodrigues e das comunidades igualmente afetadas de Paracatu, também em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa, na Zona da Mata. De acordo com o promotor, há ainda uma pia batismal enterrada no terreno, que deverá ser resgatada.
“Estamos confiantes em encontrar mais peças no meio da lama, pois essas foram localizadas apenas três dias após a assinatura do TAC”, disse o promotor. Souza Miranda explicou que os objetos do século 18 estão sujos e com algumas partes danificadas, devendo passar por um processo de restauração. O serviço dos arqueólogos e o treinamento, de acordo com o documento, estão sendo custeados pela mineradora, que é alvo de inquérito instaurado pelo MPMG para apurar responsabilidades e causas da tragédia. O acervo foi levado para a reserva técnica do Museu de Arte Sacra de Mariana, no Centro Histórico, onde já estão 310 peças retiradas de outras igrejas no início da Operação SOS Mariana, por medida de segurança.
Tapumes
“O que não for encontrado pelos arqueólogos terá que ser indenizado pela mineradora à sociedade mineira”, avisa Souza Miranda, mantendo a esperança de que seja localizada a imagem de São Bento, padroeiro do vilarejo que tinha cerca de 600 moradores. Ele acrescenta que o termo de ajustamento de conduta inclui outras localidades, como Paracatu de Baixo, onde o patrimônio cultural foi danificado. “Todas as igrejas estão sendo cercadas de tapumes, com exceção de Gesteira, em Barra Longa, que está sem acesso”, afirma. Souza Miranda destaca que, antes do prazo de 30 dias dado à empresa para tomar providências, já estão sendo colhidos frutos.
Riqueza cultural resgatada em Mariana
Em 19 de novembro, duas semanas após a “maior tragédia para o patrimônio cultural do estado em toda a história”, como define o promotor de Justiça e titular da Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, o MP informou sobre o resgate, por medida de segurança, de 310 peças (imagens, cálices, instrumentos litúrgicos e outros objetos de fé) da Igreja de Nossa Senhora das Mercês (260 peças), na parte mais alta de Bento Rodrigues, da Matriz de Santo Antônio (39), no distrito de Paracatu de Baixo, e da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (11 peças), no distrito de Gesteira, em Barra Longa, na Zona da Mata. Nesse trabalho, o MP tem a parceria do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/EBA/UFMG).
Por Gustavo Werneck
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