A tradição beneditina sempre esteve atenta à construção do espaço monástico, seja no seu aspecto físico, seja no seu «clima» espiritual. A Regra de São Bento, em diversas passagens, manifesta essa preocupação. Ela dá orientações seguras aos monges sobre o comportamento devido em certos ambientes extra-monásticos e insiste sobre a «gravidade» do comportamento em locais específicos. São Gregório Magno, no seu Segundo Livro dos Diálogos (cf. capítulo XXII), narra que, numa ocasião, o próprio São Bento apareceu em sonho a dois monges, determinando como deveria ser a planta de certo mosteiro.
Quando refletimos sobre o papel e a função do claustro na arte de construir um mosteiro, temos que fazer algumas considerações sobre a história da arquitetura dos mosteiros e sobre alguns aspectos da espiritualidade medieval, concernente ao que chamamos de «claustro».
A palavra «claustro» vem do latim clássico do século XIII: claustra, claustrorum e, no neutro, claustrum, que quer dizer «local fechado». Na RB a palavra «claustra» significava a clausura, de forma geral, e não especificamente o lugar do mosteiro que atualmente denominamos «claustro». Sua origem está na antiga casa romana. Era o pátio central quadrado, às vezes ajardinado, e o centro para onde convergiam as demais dependências da casa.
A partir do século VII, quando surgiram os primeiros mosteiros cristãos, esse pátio central, começou a ser usado nas edificações dos prédios religiosos. Era ao seu redor que se localizavam a igreja, a sacristia, a cozinha e os dormitórios.
Não devemos esquecer que em seguida à primeira destruição de Monte Cassino pelos lombardos, em 580, apenas 33 anos após a morte de São Bento, os monges fugiram para Roma, indo morar ao lado da Basílica de São João do Latrão. Foi nesse momento que o monaquismo beneditino fez sua primeira experiência urbana. Além disso, ao longo da Idade Média, muitas basílicas foram atendidas por monges beneditinos.
Essa mudança para a cidade de Roma e a variação do próprio trabalho dos monges – pois começaram com o serviço litúrgico nas basílicas, residindo ao lado das mesmas – levou os mosteiros a serem influenciados pela arquitetura romana.
A partir do século VII, essa arquitetura romana passou a ser acolhida pelos «arquitetos beneditinos» e foi levada a toda Europa, começando pela Inglaterra, através de São Wilfrido e São Bento Biscop.
É a partir deste momento que o claustro se torna um local importante na vida de uma comunidade monástica. Era localizado, segundo a tradição, ao lado da igreja, tendo outras importantes dependências ao seu redor: refeitório, capítulo, biblioteca e sacristia.
Após o período românico apareceram os claustros góticos, sobretudo no norte da Europa e nos mosteiros de tradição cisterciense. Nesse segundo momento, além dos claustros góticos, encontramos também mosteiros e catedrais góticas.
Mais tarde, no período barroco, veremos mosteiros e claustros «barrocos», assim como claustros fechados com vidraças, nos países de clima rigorosamente frio. No início do século XX, houve uma nova tentativa de construir claustros, mosteiros e igrejas românicos ou neo-românicos. Nas últimas décadas, porém, muitos fizeram a opção pela arquitetura moderna.
Os claustros, entretanto, não foram de uso exclusivo dos monges. Foram também foram construídos ao lado de muitas catedrais europeias, onde eram utilizados por aqueles sacerdotes que levavam vida em comum, como os cônegos e, mais tarde, pelos frades das ordens mendicantes.
No início, algumas atividades eram realizadas nos claustros, pois ele era uma síntese da vida cotidiana dos monges: ler, rezar, buscar água (aí encontrava-se o lavatorium), fazer a tonsura e a barba, lavar e secar roupas, dentre outras atividades.
Porém, aos poucos os monges começaram a «espiritualizar» esse local eliminando dele qualquer outra atividade. É nesse momento que o claustro se torna um local de passagem para a igreja, e de passagem espiritual. É o local procurado pelos monges para «uma preparação», antes de ingressarem no oratório para o ofício divino e onde permaneciam após o mesmo, continuando, por meio do silêncio, a saborear a Palavra celebrada em comum. Assim, escritores monásticos começaram a dar um sentido espiritual a esse local: para alguns, ele «é uma prefiguração do céu» (Honorius Augustodunensis, 1,149). Para o eremita Honório (1095-1135), em sua obra Gemma Animæ, o claustro, por estar próximo à igreja, poderia ser comparado ao Pórtico de Salomão, que ficava contíguo ao Templo (Ibidem, 1,48) e as árvores frutíferas de seu jardim poderiam ser comparadas aos livros das Escrituras (Ibidem, 1,49).
Assim pensando, construir mosteiros sempre foi uma «arte». Em nossos dias, construí-los também é um grande desafio. Como unir, portanto, a «tradição da arquitetura beneditina» com a «arquitetura moderna»?
Nossos antepassados nunca se fecharam diante do novo proposto pela arquitetura. Assim passaram do românico para o gótico; deste para o barroco, assim como outros estilos arquitetônicos. Porém, conservaram, através dos séculos, as tradições que podiam ajudar na vida espiritual e comunitária. A construção de um mosteiro beneditino ou cisterciense deve levar em conta, sobretudo, o uso que dele se fará, prevendo, principalmente, uma vida comunitária baseada no voto de estabilidade.
Por conseguinte, é importante que os monges estejam abertos às novas formas da arquitetura contemporânea, e é ainda mais importante que os arquitetos que projetam os novos mosteiros conheçam a vida beneditina, assim como a história da arte de construir dos filhos de São Bento, devendo se realizar um «feliz encontro» entre tradição e modernidade.
Com certeza, em meio a um mundo barulhento, estressado e ativista, os claustros beneditinos expressam a necessidade de se voltar para o equilíbrio dos movimentos, tornando-se verdadeiros oásis de paz e espiritualidade. Eles continuarão sendo locais de passagem, isto é, ambientes privilegiados de repouso espiritual e de contemplação, criando harmonia entre os diversos estilos de construção, tais como igreja, capítulo, biblioteca e refeitório. O claustro, com seus elementos simbólicos, tende a harmonizar o homem com o seu interior, com seus irmãos de comunidade e com todos os homens e mulheres.
As novas formas da arquitetura contemporânea podem e devem ser fiéis aos princípios básicos da tradição beneditina, no momento da construção de novos mosteiros. Daí encontrarmos belos exemplares, construídos nos últimos anos. Ademais, nunca devemos esquecer que os monges habitam durante toda a vida num mesmo mosteiro e, por essa razão, as construções monásticas devem ser pensadas como local de agradável convívio, harmonia e de significação vigorosa.
Os claustros, nas novas construções, deverão ser preservados dos barulhos exteriores e do próprio mosteiro, gerando uma privacidade de escuta e oração. Ele só terá sua real função se a própria comunidade perceber o seu valor. É necessário, portanto, deixar-se abraçar pelo claustro e contemplar a natureza que ali existe, por mais que ela seja micro. Nada ali é por acaso. Tudo tem um significado implícito e tocante. O claustro é, por excelência, o local da lectio, meditatio, ruminatio e contemplatio.
Em meio às diversas atividades monásticas, precisamos redescobrir o valor dos espaços sagrados e tranquilizadores dos nossos mosteiros. Nunca poderemos esquecer, que um mosteiro sempre será a Domus Dei (Casa de Deus).
Sugiro, finalmente, que as comunidades, ao pretenderem construir novos mosteiros, sempre o façam constituindo uma equipe responsável para desenvolver, sob o alicerce da tradição e da história da arquitetura beneditina, espaços verdadeiramente sagrados, que antecipem, pela espiritualidade e beleza, o que desejamos viver na morada celeste.
Dom Emanuel d’Able do Amaral é Arquiabade do Mosteiro de São Bento da Bahia
Fonte: Patrimônio Sacro
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