quinta-feira, 24 de julho de 2014

O chão no Rito Romano


Por Kairo Rosa Neves de Oliveira

A antífona da festa de Santo Agostinho traz o seguinte texto, retirado de sua obra Confissões:


"De vós mesmo nos provém essa atração, que louvar-vos, ó Senhor, nos dê prazer, pois Senhor vós nos fizestes para vós e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em vós, Senhor"


Essa antífona reflete a intelectualidade do mundo em que Santo Agostinho vivia. Segundo o pensamento da época os elementos (terra, água, ar, fogo) se organizavam em camadas segundo suas densidades. O mais denso ocupava a camada inferior e o menos denso a superior. A pedra atirada para cima desce pois seu lugar próprio é junto ao elemento terra e não junto ao elemento ar. No texto acima vemos uma necessidade da subida, pois o santo interpreta a alma humana como um elemento que pertencente a Deus, que dele saiu e a ele deva voltar e enquanto não o faz permanece inquieta. Mas, vejamos a história pelo outro lado. Ao expulsar Adão do Éden, Deus lança sobre ele uma terrível maldição:





"[Tu] és pó, e pó te hás de tornar" Gn 3,19


Essa pequena sentença, inicia-se lembrando da natureza terrena no homem e conclui retirando da natureza humana o dom preternatural da imortalidade. Ora, usando da mesma analogia de Santo Agostinho, o homem enquanto pó tende a voltar à camada mais baixa da criação por que dela foi tirado e a ela pertence. Neste ponto, faz-se presente a natureza simbólica da liturgia. O chão não é outro lugar se não a camada à qual nosso corpo mortal pertence. Assim, o piso da igreja é também símbolo litúrgico e está associado pela tradição católica à morte.


Vemos que antes da reforma litúrgica, os corpos dos defuntos eram todos mantidos sobre os catafalcos, permanecendo inclusive este objeto na liturgia mesmo na ausência do falecido. Após a reforma houve uma recuperação de um símbolo até então esquecido: o chão. Mantendo-se o falecido suspenso para o velório por uma questão de praticidade, mas depositando o caixão no chão para as exéquias.





Fazendo as vezes do Cristo Cabeça, o sacerdote quando celebra a liturgia da Sexta-feira Santa inicia os ritos com a prostração em memória da morte do nosso Divino Mestre.





Mas essa relação com a morte não é simplesmente em relação à morte física, mas também no que diz respeito à morte espiritual. Todos aqueles que são chamados a professar os votos perpétuos, as virgens em sua consagração, todos os clérigos em sua ordenação, bem como abade e abadessa quando da respectiva bênção se prostram durante a ladainha em sinal de sua morte espiritual, do abandono das próprias vontades para melhor servir ao ministério ou ao estado de vida que abraçam.





Tendo em vista tais ritos e o respectivo significado que se confere ao "estar no chão" vemos com estranheza alguns costumes que se tem inserido na liturgia nos últimos tempos. O primeiro deles é de se dizer que os castiçais e a cruz não devem estar sobre o altar, mas sobre o chão próximo ao altar. O Missal Romano propõem ambas as possibilidades, sendo as duas lícitas portanto. Todavia, os castiçais e as velas se não foram muito grandes em relação ao altar de tal forma que fique pouco proporcional, devem ser colocado sobre o altar que é um local muito mais digno que o chão.


O segundo são os "arranjos" que se criam para serem postos no chão. E aí se coloca de tudo, sem nenhum pudor: o círio pascal, que deveria estar em esplendoroso castiçal; as sagradas escrituras, que deveriam estar no ambão ou outro local tão digno quanto; água benta, que deveria estar nas pias de água benta; imagens de Nossa Senhora e dos santos, que deveriam estar nos respectivos nichos e retábulos; e flores que podem ocupar muitos lugares na igreja, mas não devem ficar jogadas ao solo.




Saibamos valorizar também o chão como parte do espaço sagrado, evitando que nele se disponham objetos sagrados cujo lugar não é ali e também objetos profanos que não devem ter lugar dentro do espaço sagrado que é a igreja.

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