sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Um silencioso mas potente sinal e meio de evangelização

Entrevista com Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Karaganda Cazaquistão

Por Paul De Maeyer - ROMA, (ZENIT.org)

 Domingo, 09 de setembro 2012 será consagrada a Catedral da Diocese de Karaganda no Cazaquistão, em uma solene celebração presidida pelo Cardeal Angelo Sodano, decano do Colegio Cardinalicio e Legado Pontificio para a consagração.

O programa prevê:
Sábado (8):
15:00 Santa Missa com o Cardeal Angelo Sodano e peregrinos na antiga Catedral.
18:00 Concerto Requiem de Mozart em memória das vitimas do Karlag (“Karaganda-Lager”, campo de concentração de Karaganda).

Domingo (09):
11:00 Santa Missa de dedicação da nova Catedral celebrada pelo Cardeal Angelo Sodano.
18:00 Concerto de música no órgão da nova Catedral.

Segunda (10): Visita ao Karlag.
A Catedral foi pensada e desejada pelo atual bispo de Karaganda, dom Jan Pawel Lenga, e o auxiliar, dom Athanasius Scneider, que encomendou ao artista prof. Rodolfo Papa um ciclo pictórico de 14 pinturas dedicados à Eucaristia, para a cripta.

Dom Schneider dedicou à Eucaristia o livro Dominus est. Reflexões de um bispo da Ásia Central sobre a Sagrada Comunhão, Libreria Editrice Vaticana 2008 (prefácio de Malcom Ranjith).

Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Karaganda Cazaquistão

Na entrevista a seguir, Dom Schneider explica as razões históricas e espirituais subjacentes à construção da Catedral e ao Cíclo pictórico.

Qual é o significado histórico e espiritual da construção desta catedral em Karaganda?
A primeira razão é esta: termos uma catedral num local mais digno e visível. Na verdade, a diocese de Karaganda utilizava até aos dias de hoje um edifício que tinha sido construído ainda durante os tempos da perseguição, encontrando-se este edifício nos arredores da cidade, além de não se reconhecer exteriormente que é uma igreja.

Um catedral situada num local mais central e construída num estilo de tradição inconfundivelmente católica, isto é, o estilo neogótico, vai ser um sinal silencioso mas poderoso, e um meio de evangelização, num mundo em que os católicos são cerca de 1 ou 2% da população, e em que a maioria da população é muçulmana, com uma minoria forte de ortodoxos. Quanto ao resto, uma parte considerável da população não pertence a qualquer religião, são pessoas em busca de Deus.

A arquitectura da catedral, e o mesmo se diga dos objectos no seu interior, tudo foi feito com o maior cuidado possível, para que expressem uma verdadeira beleza artística, e ao mesmo tempo a sacralidade e o sentido do sobrenatural. Tudo isto é adequado, tanto para incitar o sentimento religioso e da fé nos fiéis e em todos quantos a visitem, como para exprimir o acto de adoração da Santíssima Trindade. E, por conseguinte, tudo se torna assim adequado para vir facilitar a execução do primeiro mandamento, que é a finalidade última da criação: a adoração e glorificação de Deus.

Mas o significado histórico e espiritual tem ainda esta outra dimensão: a nova catedral é um lugar sagrado em memória das inúmeras vítimas do regime comunista, já que perto de Karaganda existia um dos maiores e mais terríveis campos de concentração – chamados Gulag –, no qual sofreram pessoas pertencentes a mais de 100 etnias diferentes. Assim, a nova catedral será ao mesmo tempo um santuário para orações de expiação pelos crimes do regime ateísta e comunista.
A beleza arquitectónica, as obras de arte, o órgão desta nova catedral são também um meio de promoção cultural.



Como foi acolhida esta iniciativa católica por parte das autoridades políticas da comunidade islâmica?
Foi acolhida com um sentimento de respeito para com a Igreja Católica. As autoridades civis e a população sentem-se honradas por poderem ter na sua cidade uma tal construção, de extraordinária beleza arquitectónica e de alto significado cultural. As autoridades civis consideram a nova catedral como um gesto da Igreja Católica em favor da promoção da cultura.

Temos uma pequena comunidade católica que se mostra capaz de construir uma catedral em terra de missão: poderemos dizer que se trata de um modelo capaz de instigar o renascimento da fé na velha Europa?
A pequena comunidade católica estava em condições de dar um contributo sobretudo espiritual para a construção. Já o maior contributo material veio dos nossos irmãos e irmãs da velha Europa. E isto é algo de muito belo, pois manifesta a solidariedade fraterna, manifesta um intercâmbio fraterno de dons, semelhante ao que acontecia nos primeiros tempos da Igreja, quando as comunidades mais ricas ajudavam as comunidades mais necessitadas.
A fé há-de renascer também na velha Europa, quando, cada vez mais e em todas as coisas, o primeiro lugar for dado a Jesus, quando a vida de fé se tornar cada vez mais concreta, visível e mais “encarnada”.

Quais são os problemas que a comunidade católica enfrenta quotidianamente no Cazaquistão?
Os problemas quotidianos são a falta de sacerdotes, as enormes distâncias entre as comunidades paroquiais, a insuficiência dos meios materiais para as obras de construção de igrejas e para as obras sociais e educativas, a emigração dos jovens para o estrangeiro, além de alguns impedimentos de carácter burocrático.

Como são as relações com as outras confissões cristãs?
As relações com as outras confissões cristãs são boas. De quando em vez há encontros com bispos e sacerdotes da Igreja Russa Ortodoxa e com representantes das comunidades protestantes. Temos, por assim dizer, um ecumenismo de vida, em que as relações humanas são mais importantes do que as discussões teóricas e doutrinais. E há actividades comuns com os irmãos ortodoxos e protestantes no âmbito da defesa da vida.

Quais os desenvolvimentos e que perspectivas?
Queremos conservar estas relações de respeito recíproco, as relações pessoais de amizade, e continuar a realizar obras comuns para a defesa da vida e dos valores morais.

A arte é seguramente um instrumento de evangelização eficaz, como nos recorda o Magistério, e o Santo Padre insta-nos e encoraja-nos para que a usemos. Pode contar-nos a sua experiência de promotor de obras, que tanta arte e tanta beleza quis na sua diocese como sinal do testemunho da fé católica?
A construção de uma nova catedral com uma estética verdadeiramente sacra e recheada com obras de arte é também uma proclamação daquele que é o primeiro dever da Igreja: dar a Deus, a Deus encarnado, o primeiro lugar, um lugar visível, pois Deus fez-se visível com a Encarnação e na Eucaristia; dar a Deus o primeiro lugar também no sentido de oferecer a beleza artística em sua honra, pois é Deus o autor de toda a beleza e merece receber em sua honra, da parte dos fiéis, obras verdadeiramente belas.

Além disso, uma catedral como esta pode ser uma concreta manifestação do terno amor de uma comunidade fiel, a esposa de Cristo, para com o Corpo de Cristo, que, em certo sentido, oferece em honra deste mesmo Corpo de Cristo a prodigalidade da mulher pecadora, que em honra de Cristo ofereceu aquele vaso de perfume precioso cujo preço era extraordinariamente grande («mais de trezentos denários», cf. Mc 14, 4). A fim de ungir o corpo de Cristo, a mulher pecadora gastou uma soma de dinheiro com a qual poderia sustentar uma família ao longo de um ano inteiro. As pessoas presentes indignaram-se diante de tamanho desperdício. Jesus, porém, louvou este santo desperdício dizendo: «Fez para comigo uma obra boa» (Mc 14, 6). Também hoje se deve continuar a fazer o “santo desperdício” para com Jesus.
Já visitaram a nova catedral muitas pessoas. Na maioria foram pessoas não católicas, e até mesmo não cristãs. Foram atraídas pela beleza e exprimiram de modo claro a sua admiração. Houve mesmo algumas mulheres não cristãs que até choraram de comoção à minha frente. Uma vez, durante meia hora, mostrei e expliquei a catedral a um jovem casal não cristão, com todos os pormenores da arte e das coisas sacras.

Quando terminei e depois de sairmos da catedral, esta mulher não cristã disse-me: «Nesta meia hora purifiquei a minha ama. Posso vir cá outra vez sozinha? É que quero admirar no silêncio estas coisas belas?» Ao que eu respondi: «Certamente. Pode voltar todas as vezes que quiser.» Nessa meia hora, com a minha explicação de uma arte que é sacra e bela, consegui dar uma lição sobre a verdade da fé católica. A reacção de quase todas as pessoas que até agora visitaram a catedral, e especialmente das pessoas não cristãs, foi espontânea e neste sentido: admiração, silêncio, abertura ao sobrenatural. Constatei em todos estes casos que a verdade da alma humana é naturalmente cristã, como disse Tertuliano, isto é, Deus inscreveu na alma humana a capacidade para o conhecer e para o venerar. O dever dos católicos é o de conduzir estas almas, assim abertas em relação à fé e à adoração sobrenatural, para a adoração de Cristo, da Santíssima Trindade, é o de conduzir as almas para o céu. Nas grandes portas de bronze à entrada da catedral estão escritas estas palavras da Sagrada Escritura: «Esta é a casa de Deus, esta é a porta do céu» (Domus Dei-porta coeli). Estas palavras sagradas são, por isso, um mote muito adequado para esta catedral, isto é, para esta obra visível de evangelização, como o são também para toda a obra da evangelização.



Poderia indicar-nos o significado espiritual e teológico das pinturas que mandou fazer na cripta?
Queria expressar na Catedral de modo particularmente profundo o mistério da Santíssima Trindade, uma vez que a Eucaristia constrói espiritualmente a Igreja, a Eucaristia faz a Igreja viver continuamente até ao fim dos tempos. O verdadeiro fundamento da Igreja é a Eucaristia. Por isso, pus na cripta, quase mesmo nos alicerces da Catedral, um ciclo de 14 imagens sobre a Eucaristia, numa analogia com as 14 estações da via sacra da nave principal. Toda a Sagrada Escritura nos anuncia Cristo feito carne, Cristo feito homem. Mas Cristo fez-se Eucaristia, deixou-nos a sua carne real, verdadeira e substancialmente presente no mistério eucarístico. Num certo sentido, podemos dizer: toda a Sagrada Escritura nos anuncia o mistério da Eucaristia. Escolhi imagens eucarísticas da Sagrada Eucaristia mais conhecidas, ou seja, a simbologia eucarística mais conhecida: o sacrifício de Abel, o sacrifício de Melquisedec, o sacrifício de Abraão, o cordeiro pascal, o maná do deserto, o alimento do profeta Elias no caminho para o monte de Deus, o templo de Jerusalém, Belém como “casa do pão”, o milagre das bodas de Canã, a multiplicação dos pães, o discurso eucarístico do Evangelho de São João, a última ceia, Emaús, o Cordeiro da Jerusalém Celeste.

O tipo de relação entre um bispo e um artista é talvez o segredo do êxito de uma obra tão importante, Poderia contar-nos a sua experiência na qualidade do promotor da obra que encomendou estas 14 telas ao artista e teórico da arte Rodolfo Papa? Como nasceu a vossa colaboração e como se foi desenvolvendo a relação de confiança necessária para o nascimento de qualquer obra-prima?
O “ciclo eucarístico” foi o meu último sonho para a catedral. Sabia bem que ficaria a faltar alguma coisa se não houvesse aí este “ciclo eucarístico”. Pedi ao Senhor que me mandasse um artista que, antes de mais, fosse profundamente crente, um artista que amasse a Eucaristia, que soubesse pintar de modo verdadeiramente sacro e edificante para os fiéis. Através de um conhecido, encontrei o Prof. Rodolfo Papa. Quando vi algumas das suas obras religiosas, e depois de falar com ele sobre a fé e sobre a Eucaristia, compreendi que este era o artista que o Senhor me queria mandar. E a minha convicção foi depois consolidada ao ler o seu livro sobre a teologia da arte sacra: Discorsi sull’arte sacra (com introdução do Cardeal Cañizares, Cantagalli, Siena, 2012).

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