Nos últimos dias, a internet foi invadida por incontáveis piadas
alusivas a uma restauração desastrosa feita na Espanha por Cecília
Jimenez, de 80 anos, no Ecce Homo do Santuário Nossa Senhora da
Misericórdia de Borja, próximo a Zaragoza.
Quase três décadas antes de dona Cecília se aventurar no universo da
restauração de obras de arte, um conterrâneo seu assombrou não o mundo,
mas pelo menos os fieis frequentadores da igreja da Consolação, no
centro de São Paulo. Seu nome: Carlos M. Ferreirós Díaz, um legítimo
restaurador. Mesmo assim, em 1984 ele foi apontado como o responsável
por danos em parte da obra Nascimento de Cristo, de Oscar Pereira da
Silva, pintada numa das paredes do templo. E não foi só isso. O
restaurador espanhol teria assinado seu nome na obra alheia.
Poluição - O Nascimento de Cristo faz parte de um
conjunto de seis quadros do artista brasileiro, expostos na igreja da
Consolação, que também guarda obras de Benedito Calixto. A necessidade
de restaurar as pinturas do templo, em especial as de Pereira da Silva,
surgiu no início dos anos 1980 em razão dos estragos produzidos pelos
poluentes dos carros que passam pela rua da Consolação.
Concerto - Em 1984, veio a decisão de restaurar as
obras de Pereira da Silva. Para tanto, parte do dinheiro necessário foi
obtida por meio de um concerto realizado no interior da igreja, no dia
29 de agosto daquele ano. Cada ingresso custou três mil cruzeiros, a
moeda da época. O jornal O Estado de S. Paulo noticiou a apresentação.
Com os recursos arrecadados, a igreja deu início aos trabalhos e trouxe
da Espanha o restaurador Ferreirós Díaz para realizar a limpeza da obra
(retirar fuligem e outras impurezas) e, finalmente, protegê-la com
verniz.
Não se sabe ao certo quanto tempo durou a restauração, mas ela foi
concluída ainda em 1984. Após o trabalho, o restaurador espanhol voltou
para sua terra natal. Assinatura - Em São Paulo, uma paróquia inteira
ficou indignada. E não era para menos: em vez de criar uma capa
protetora para a obra de Pereira da Silva, o verniz usado pelo
restaurador fez surgirem várias manchas acinzentadas na parte inferior
da pintura. Mais: do lado oposto ao da assinatura do artista, na parte
inferior da imagem, à direita, foi escrito em tinta preta, em espanhol, a
data e o nome do restaurador.
Há quem credite a ousadia da assinatura ao próprio Figueirós Díaz.
Outros, porém, dizem que a assinatura teria sido feita por um padre
inconformado com a péssima qualidade da restauração. Para esclarecer os
fatos, ontem a reportagem do DC entrou em contato com o setor de
imprensa da Arquidiocese de São Paulo, que não respondeu a um pedido de
entrevista até o fechamento desta edição.
Cautela - O restaurador carioca Mauro Bandeira está há
20 anos no ramo e já recuperou obras de Di Cavalcanti, Cândido Portinari
e Aldemir Martins, entre outras. Cauteloso, ele afirma que somente uma
investigação in loco poderá apontar a verdadeira causa das manchas na
obra de Oscar Pereira da Silva.
"É preciso verificar a umidade do ar, a tinta usada, a fuligem e outras
coisas. Há várias hipóteses para explicar as manchas na pintura. Agora,
sobre a assinatura, se ela realmente ocorreu, é um absurdo completo.
Isso vai de encontro a tudo que eu aprendi no ramo da restauração. Pelo
menos no Brasil, isso não é aceito", disse Bandeira. "Nunca ouvi uma
história de um restaurador que tenha se sobreposto ao artista. No
máximo, alguns restauradores colocam uma placa no verso da obra. Nunca
na própria tela", disse.
Novo restauro - Seja como for, a boa notícia é que o Nascimento de
Cristo será submetido a uma nova restauração, a exemplo do que vem
ocorrendo em todo o interior da igreja. O altar lateral, à direita, já
está pronto. O próximo passo será o restauro do teto da igreja. No ano
passado estimava-se que todo o trabalho de recuperação do templo deve
durar dez anos.
Por Ivan Ventura
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