“Tudo vem do amor; tudo está ordenado para a salvação do homem; Deus não faz nada sem um objetivo em mente”. (Santa Catarina de Siena)
Nos últimos anos a arte tornou-se um
caminho fundamental para o meu encontro com Deus. Uma bela obra de arte,
assim como uma poesia bem elaborada chamam atenção porque refletem três
dons bem aproveitados: esforço, criatividade e talento. Quando a
técnica envolve esses três dons temos uma verdadeira obra-prima diante
de nós.
Há, no entanto, um tipo de arte que
transcende as demais: a arte sacra. Ela transcende porque
está impulsionada pelo amor. Não qualquer amor, mas um amor infinito em
intensidade, profundidade e completude. Quando alguém ama uma bela
mulher e resolve fazer uma poesia em sua honra, é possível que, caso
sejam empenhadas as três qualidades ditas acima, aquela poesia se torne
um clássico mundial. Isso acontece porque todo o seu amor e devoção
transpiram e escorrem naquelas três qualidades, impulsionando-as. Por
outro lado, quando o amor do artista por Deus o leva a realizar uma obra
em honra do seu amado, acontece uma coisa estranha. Depois que a obra é
terminada, aquele objeto de louvor se como que fica envolvido por um
poder especial e contagioso. É como se esse poder fosse um copo a
transmitir para outros copos uma porção daquele amor que liga Deus ao
artista e artista à Deus. Isso não acontece com uma obra-prima como a
“Mona Lisa”. Sim, é maravilhosa. Talvez a mais maravilhosa do mundo, mas
não passamos a amar La Gioconda histórica só por ver o quadro.
Nesse mesmo contexto de coisas especiais e
estranhas que a arte sacra inspira, pensemos na construções das grandes
catedrais europeias. Gerações e gerações de artistas, trabalhadores
braçais e doadores passam sem que uma catedral seja enfim concluída.
Alguns só têm a sorte de ver as fundações – nada mais. Como é possível
que artistas diferentes, trabalhadores diferentes, técnicas diferentes,
estilos diferentes, épocas diferentes, autoridades religiosas
diferentes, resultassem numa catedral harmônica e coesa? Com tanta
diversidade assim não seria difícil que dali não saísse mais que uma
Torre de Babel.
Vejamos um exemplo prático: a catedral de
Colônia na Alemanha. No decorrer dos 600 anos que foi construída tanta
coisa mudou…até mesmo a religião que impulsionou sua edificação. No
entanto, à época que fora finalizada, tornou-se o edifício mais alto do
mundo. Outra pergunta que cabe aqui é: como aqueles humildes
carregadores de pedras poderiam prever que o seu trabalho seria um dia
concluído? Não sabia. É um jogo no escuro. Depende da fé. Outra pergunta
ainda mais instigante: como os arquitetos poderiam prever que as
fundações seriam fortes o suficiente para suportar as atuais duas torres
de 157 metros de altura cada? Não poderiam. De novo depende da fé.
Hoje em dia os homens pós-modernos
possuem grande dificuldade em acreditar – ainda que sejam formados para
transmitir a fé – nominalmente o clero em geral. Nossas igrejas atuais
são quase sempre feitas como obras públicas de governos quadrianuais:
baratas, simples, lisas, rápidas, de má qualidade. A justificativa que
se dá é não raro que “o povo não tem dinheiro”, chegando a ser
incrivelmente absurda se pensarmos nas condições precárias das
comunidades medievais que erigiram as primeiras grandes catedrais. O
problema de hoje não está na arte, mas no amor. Se é verdade, como
dissemos, que o amor depositado numa obra sacra é capaz de fazer
irradiar e transmitir amor aos outros, por que vemos tão pouca obra
sacra dentro das igrejas? Eu digo pouca porque não consigo considerar
uma imagem de gesso, made in Taiwan, de Maria com o olho torto e os
cabelos de azul, por causa de uma tinta escorrida do manto uma obra
sacra. Ali há uma alusão ao sagrado que certamente nos leva a rezar, mas
falta aquela característica que nos faz amar ainda mais Aquele que se
esconde por trás na imagem.
Outra coisa interessante, ainda a
respeito da catedral de Colônia é que durante a Segunda Guerra Mundial a
catedral recém concluída (1880) sofreu um ataque de 14 bombas aéreas,
permanecendo firme, rígida, forte como uma testemunha do poder de Deus
sobre a maldade e o ódio. Lembrando ainda que aquela catedral não fora
feita para inglês ver, mas para Deus ver. E para Deus nós damos o
melhor. Tudo é dotado de amor e transcendência ainda que o tijolinho que
eu ajudei a pagar hoje só resulte num produto digno de nota daqui a mil
anos. Tudo que pensei sobre a arte sacra não é fruto de um sentimento
nostálgico que comumente faz com que as coisas de outras épocas sejam
melhores que as atuais. O fato é que poucas paróquias aqui de Brasília,
para dar um exemplo de cidade moderna, vão durar cem anos para
testemunhar fé ou qualquer coisa se é que pensaram em testemunhar algo
ao construí-las. Penso nesse assunto com toda a humildade e
predisposição para aprender que nós, como seres humanos, já fomos
capazes de fazer mais e de ir mais além na arte devotada a Deus. Tudo
isso me ensina sobretudo que a sociedade da informação com sua
velocidade e ansiedade características não trouxe sempre resultados
positivos, especialmente no âmbito da religião.
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