Texto de Ian Farias / Ecclesia Una
Mentes vazias não se contentam com o silêncio. Uma sociedade esvaziada da cultura perde todo o seu valor. O ponto a que chegou a nossa cultura musical, hoje, é simplesmente reflexo de uma sociedade sem cultura, ou melhor, com os valores culturais às avessas. Não que a música tenha perdido o seu valor, mas foram as pessoas que denegriram o valor da música, ou melhor: que denegriram-se a si próprias e acabaram por afetar todas as suas outras ações culturais, sentimentais e também religiosas. Recordo-me que desde muito pequeno já fora sido eu formado, de forma aprazível, por minha mãe para apreciar a música erudita ou as boas músicas, que deixam alguma mensagem ou nos fazem contemplar o transcendente.
A música que sempre serviu para o engrandecimento de Deus ou para a expressão de um sincero sentimento, agora tornou-se um viés de violência e depravação humana. O que antes cultuava o espírito e procurava engrandecer e enaltecer a poderosa manifestação divina, agora rebaixa o homem a condição de um mero animal ávido de realizar seus prazeres. A partir do momento que a música deixa de transparecer as belezas presentes no mundo e além dele; a partir do momento que ela já não mais é instrumento do amor e da expressão da pureza sentimental; quando ela deixa de ser uma expressão da alma e passa a ser expressão de uma realidade ignominiosa; em resumo: a partir do momento que ela é desvirtuada destas suas funções, ela deixa de ser manifestação de um sobrenatural divino, transcendente, para ser instrumento diabólico.
A música (do grego μουσική τέχνη – a arte das musas), como o próprio termo já sugere, é arte. Não é apenas uma prática cultural e humana, mas vejo-a como uma expressão da própria alma; aliás, as obras de arte, a pintura, a música, a arquitetura têm alma. A alma neste caso não é a conhecida por nós, que vivifica o homem, mas é um conjunto de capacidades ou possibilidades que cada homem ou cada coisa possuem em particular, em maior ou menor participam.
Na tentativa de definir-se a música dão-se muitos conceitos, nenhum deles, porém, definitivos e satisfatórios. É vista como “arte do efêmero”, mas eu prefiro vê-la como “expressão do inexpressível”, sabendo que ela não pode ser enquadrada em um conceito. O que é inexpressível menos ainda há de ser definível. Tão complexo quanto definir o tempo é definir a música. O que, no entanto, faz com que a música seja música? Certamente não será outra coisa senão a sua essência. Para a Filosofia a essência é aquilo que define a coisa; que faz com que ela seja esta coisa e não outra.
Santo Agostinho dirá que todas as coisas são belas pois trazem intrínsecas em si uma harmonia musical. No seu De Musica ele pergunta – ao mesmo tempo instigando-nos a descobrir na música as maravilhas do existir: “Podemos amar outra coisa senão a beleza? Mas é a harmonia que agrada na beleza; ora, nós já vimos, a harmonia é o resultado da igualdade nas proporções. Esta proporção igual não se acha apenas nas belezas que são do domínio do ouvido ou que resultam do movimento dos corpos, mas ela existe ainda nessas formas visíveis, às quais damos mais comumente o nome de beleza” (S. Agostinho, De Musica, VI, 13, 38).
A beleza musical consiste sobretudo na interiorização do que escuta-se. Não se deve – ao menos em meu ponto de vista – escutar a música, no sentido mais restrito da palavra. Esse método vazio tem feito com que qualquer combinação de sons, com letras vazias e depreciativas dos valores humanos e da dignidade da pessoa, fosse chamada de música.
“Se, para compor música, só fosse necessário obedecer às leis da harmonia e aos princípios formais de desenvolvimento, todos seríamos grandes compositores; mas é a ausência do sentido melódico que nos impede de atingir excelência musical simplesmente comprando um manual de música” (N. R. CAMPBELL, Physics; TheElements, 1920, p. 130).
É preciso sentir a música, deixar-se invadir pelos bons sentimentos que ela permite passar. Que a música não seja apenas agradável aos ouvidos, mas também a alma. O contexto da hodierna sociedade vê-se tomado, de forma avassaladora, pelas mais macabras letras musicais e melodias – se é que podemos chamá-las de músicas. Dos grandes compositores – dentre os quais os meus preferidos: Chopin, Mozart, Beethoven e Bach – tínhamos expressões vivazes de uma cultura salutar, fundamentada não apenas nos valores que os homens têm em sua cultura como também nos valores evangélicos.
O Papa Bento XVI, também profundo amante da música erudita, afirmou em seu discurso após um concerto que lhe fora oferecido em ocasião do seu 60º aniversário de ordenação sacerdotal, onde foram entoadas peças de Vivaldi e de Bach:
De Vivaldi, diz ele: “Era um sacerdote católico, fiel ao seu Breviário e às suas práticas de piedade. A escuta da sua produção de música sacra revela o seu espírito profundamente religioso”.De Bach: “Tinha uma concepção profundamente religiosa da arte: honrar a Deus e voltar a criar o espírito do homem. A escuta da sua música evoca quase o correr de um regato, ou então uma grandiosa construção arquitetônica, em que tudo está harmoniosamente amalgamado, como se procurasse reproduzir aquela sintonia perfeita que Deus gravou na sua criação. Bach é um maravilhoso «arquiteto da música», com um uso sem igual do contraponto, um arquiteto norteado por um tenaz ésprit de géometrie, símbolo de ordem e de sabedoria, reflexo de Deus, e assim a racionalidade genuína torna-se música no sentido mais elevado e puro, beleza resplandecente.”
Sobre Mozart, diz o Santo Padre a respeito de suas músicas: “é uma alta expressão de fé, que conhece bem a tragicidade da existência humana e que não cala sobre seus aspectos dramáticos, e por isto é uma expressão de fé propriamente cristã, consciente que toda a vida do homem é iluminada pelo amor de Deus”
O Sumo Pontífice reconhece e aponta os aspectos destes grandes compositores: pessoas que tinham uma relação íntima com Deus e que compunham mais com o espírito do que com a razão. Agora, ao contemplar a músicas que hoje se-nos apresentam, fico perplexo com a formação que estamos atribuindo às gerações futuras. Amar a beleza é imprescindível na existência humana. Esta beleza, no entanto, não é adjetiva, não deve ser tomada aqui como algo que parte do exterior, um culto hedonista, entretanto é algo que brota do coração, que dá sentido a vida do homem e nos torna perceptíveis de uma realidade: Tudo o que vem de Deus é belo, desta forma só na beleza se pode encontrar Deus.
O ser humano não pode reconhecer Deus enquanto vive à sobra do que não lhe apraz, do que não o edifica, do que o torna meramente um objeto; mas só poderá encontrar Deus e fazer a “experiência” de Deus no que é aprazível aos olhos do coração e da fé. Na dinâmica da vida paradoxos são necessários. O que parece contrário, no entanto, para nada mais serve a não ser para a nossa edificação, para a nossa solidificação em Deus. Na experiência do mundo nós experimentamos o que ele nos oferece, mas na dinâmica de Deus nós oferecemos o que experimentamos.
Reclamamos o governo de distribuir camisinhas nas escolas, de mostrar a devassidão na TV, de propagar a imoralidade em novelas e reality shows, mas esquecemos de criticar mais uma coisa: As músicas que são permitidas e que muitas vezes ganham verbas das autoridades para serem propagadas pelo Brasil a fora. Do outro lado o governo critica a prostituição. Hipócritas! Imorais! Vocês querem acabar com a prostituição permitindo que as mulheres sejam denegridas e ofendidas, sendo rebaixadas a meros objetos? Vocês querem ser chamados “representantes do povo” para destruírem as famílias? Quem busca destruir as famílias e os valores não são “representantes do povo”, mas legítimos representantes de Satanás.
Às famílias, primeiras educadoras, cabem seguir claramente os conselhos de São Paulo: “Examinai tudo: guardai o que é bom” (1 Ts 5, 21). Cabe aos país educarem seus filhos para que não se deixem levar por esse redemoinho de imoralidades. Que a educação dos filhos e a formação dos valores éticos e dos valores da moral cristã sejam prioridades no berço familiar. Não esperemos que o governo eduque; nem que somente a Igreja eduque, mas que também vós possais, desde já, formar vossos filhos como verdadeiros cidadãos e verdadeiros cristãos.
Não irei entrar mais em detalhes e muito menos irei avaliar letras de músicas, apenas desejei fazer uma reflexão geral entre a música que as crianças, jovens e adultos estão habituados a escutarem hoje e a música que verdadeiramente podemos denominar como música, arte, obra. Se quisermos ter um país melhor, se queremos edificar cidadãos melhores, creio que precisaríamos reformular também a nossa cultura, pois uma só é a causa de tamanha lástima: A perda de valores.
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