A cidade de Redenção da Serra, SP, que teve a maior parte de seu território dizimada para a criação de uma hidrelétrica, anuncia o restauro de seus bens mais preciosos: a igreja e o casarão centenários. Além do resgate da memória, a obra da Kruchin Arquitetura requalificará o espaço urbano.
Situada na região do Vale do Paraíba, no leste do estado de São Paulo, Redenção da Serra completa, em 2014, ao mesmo tempo 154 e 40 anos de existência. Ter duas idades soa confuso? No caso de Redenção, existe uma justificativa. As datas, ambas celebradas pelos moradores, remetem a passagens distintas: à fundação da vila antiga e à data da mudança involuntária para o novo centro, respectivamente. Na foto, é possível enxergar o panorama desses períodos. Em primeiro plano, estão as construções centenárias – as únicas evidências arquitetônicas do passado –, enquanto, ao fundo, numa fração mais alta do terreno, vê-se o núcleo atual, onde vive a maioria dos redencenses. A migração foi consequência das obras da usina hidrelétrica de Paraibuna, durante a década de 70, projetada para abastecer o Rio de Janeiro. De acordo com a decisão pública, as edificações no caminho das águas deveriam ser desapropriadas e demolidas. Em meio aos 210 km de extensão do reservatório, estavam os municípios de Natividade da Serra e de Redenção da Serra, instalados ali desde a época áurea do café, acompanhando diversas fases do processo de desenvolvimento do estado paulista. Dos imóveis de Natividade nada foi poupado. Já em Redenção, apenas dois resistiram, mas mal conservados, como mostram os registros a seguir.
Após o anúncio da chegada da represa, as várias reivindicações populares realizadas durante a década de 70 resultaram no tombamento de dois bens emblemáticos da cidade: a Igreja Matriz de Redenção da Serra e o casarão vizinho, ambos erguidos por escravos na praça central ao longo de 20 anos, a partir de 1882. Os então patrimônios intocáveis resistiram e assistiram a todas as outras construções das ruas circundantes desaparecerem. Ao mesmo tempo, os habitantes se mudavam para um terreno próximo, doado por um fazendeiro e loteado pela prefeitura. Ilhadas, as obras históricas perderam pouco a pouco sua função no contexto urbano. Nem mesmo o muro erguido ao redor do lote deu conta de proteger as edificações das águas da represa, que invadiram o espaço diversas vezes. “Hoje, estamos passando por um período de seca, mas o volume já subiu a 1,50 m da altura do muro e chegou a infiltrá-lo. Tivemos de bombear lama dos pátios”, revela Benedito Manoel de Morais, atual prefeito de Redenção. Somam-se a isso a ação do tempo e a falta de conservação, e o resultado se vê na vulnerável condição das estruturas.
Antes da demolição da cidade antiga, articulada em torno da praça, a população de Redenção da Serra somava cerca de 9 mil habitantes. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, existem ali, hoje, apenas 3 873 moradores, e o número segue caindo. “As águas invadiram nossas melhores terras, e a agropecuária é a principal atividade aqui”, conta o prefeito. Agora, o município apresenta o segundo pior resultado do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região do Vale do Paraíba. “O sentido de nossa ação não é só criar um núcleo em nome da história. Acreditamos que essa matriz cultural que restou seja uma espécie de semente estruturadora de outro projeto urbano, capaz de alavancar um novo patamar de desenvolvimento”, diz Samuel Kruchin. O início das obras está previsto para o primeiro semestre de 2015, e o escritório calcula dois anos até concretizar todas as mudanças. A igreja e o casarão voltarão a funcionar – esse último abrigando um centro de memória. Por Luisa Cella
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