Por Alessandro Lo-Bianco
Fonte: O Globo/Rio
É possível viver sem a arte e a arquitetura de uma época, mas não se
pode recordá-la sem a sua presença. A máxima reflete um pensamento comum
entre quatro niteroienses que ganharam o mercado no segmento de
conservação e restauração. Além de ampla visão humanista e capacidade
técnica específica, Leandro Barboza, Cláudio Teixeira, Fernanda Lemos e
Pilar Poze possuem vasto conhecimento sobre crítica artística, estética e
história da arte. Para eles, o principal é assegurar a herança cultural
das comunidades e da Humanidade.
Leandro Barboza, morador de São Francisco, não imaginava enveredar nesse ramo quando começou a graduação em Pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Logo após a formatura, em 2004, ele foi dar aulas, até que surgiu a oportunidade de trabalhar com restauração em um ateliê.
— Busquei uma nova experiência, aplicando meus conhecimentos de pintura, pois não estava exercendo em sala de aula — lembra o artista, que começou restaurando quadros.
Do ateliê às principais edificações do Rio
O primeiro trabalho de repercussão ocorreu em 2008, na Igreja do Carmo, no Centro do Rio. Ao longo de oito meses, o niteroiense restaurou as imagens dos apóstolos e revitalizou a pintura do teto, que abriga a principal imagem de Nossa Senhora do Carmo.
— Pelo fato de o Centro do Rio ser uma área de intensa movimentação de veículos, a poluição é grande, e a sujeira já não permitia mais identificar a cena do teto. Limpei, removi a fuligem e apliquei os retoques, que depois foram protegidos por uma camada de verniz — conta.
A partir daí, Barboza teve seu trabalho reconhecido, sendo chamado para restaurar, também no Centro carioca, os painéis de madeira do Mosteiro de São Bento, e, em São Cristóvão, os aposentos do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista. Entre os últimos trabalhos realizados, ele guarda com carinho a restauração do Teatro Municipal do Rio, em que tratou imagens de Eliseu Visconti, e de parte do acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Barboza também acaba de concluir a restauração da fachada do edifício onde funcionava o Departamento da Ordem Política e Social, o Dops, na Lapa.
Sobre os ossos do ofício, destaca:
— A profissão carrega em si um certo anonimato. Quando você termina um trabalho, os elogios estão sempre em cima da obra e do autor original, quase ninguém quer saber sobre o trabalho de restauração.
Referência em conservação
No início dos anos 80, um escritor endividado procurou o restaurador Cláudio Valério Teixeira para que ele salvasse o único bem que lhe restava: uma tela do pintor José Pancetti que, em bom estado, poderia lhe render um dinheiro considerável. Quando iniciou o trabalho, descobriu, por trás daquela tela, uma outra, e o escritor pôde vender os dois quadros e refazer sua vida. Este é um dos exemplos que confirmam a influência profissional do atual secretário de Cultura de Niterói, que é considerado hoje um dos melhores restauradores da América Latina. A vocação está no sangue. O artista é filho do pintor Osvaldo Teixeira, que dirigiu a Escola de Belas Artes da UFRJ por 25 anos, além de ser um dos fundadores do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio.
— Comecei criança, pintando no ateliê do meu pai. Em 1969, ingressei na Escola Nacional de Belas Artes, onde tive a oportunidade de estudar com Edson Motta, considerado o introdutor da restauração de cunho científico no Brasil. Em 1974, eu me formei e comecei a estudar restauração de bens culturais. No início, eu me dedicava mais à pintura; depois, resolvi focar na restauração de arquitetura de monumentos públicos. Foram muitos trabalhos em Niterói, todos guardados na lembrança com muito carinho — conta.
Em 1995, o artista plástico, que possui um ateliê em São Francisco, comandou a restauração do Teatro Municipal de Niterói. O projeto foi premiado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
— O teatro estava parado há 15 anos. Restauramos os principais espaços e também uma área que foi dedicada aos novos camarins — lembra.
O artista também foi responsável pela restauração do Solar do Jambeiro, em São Domingos, considerado um dos imóveis mais importantes do século XIX, além do retábulo do século XVII da Igreja de São Lourenço dos Índios, marco da fundação de Niterói.
— Foi a restauração mais delicada para mim. O local estava muito destruído, além de o retábulo ser um marco na arte brasileira, pois é um dos poucos exemplares renascentistas ibéricos que sobraram — diz ele, que também cuidou da restauração do Palácio Araribóia, antiga sede do governo niteroiense.
Fora de Niterói, é ele quem restaura as telas das coleções de Roberto Marinho, Walter Moreira Salles e Paulo Gayer, além de ter cuidado da “Batalha do Avaí”, de Pedro Américo, e da “Batalha dos Guararapes”, de Victor Meirelles, ambas do acervo do Museu de Belas Artes.
Com uma média de 200 trabalhos por ano, Teixeira tem especial orgulho de ter restaurado os painéis da obra “Guerra e paz”, de Candido Portinari, em posse da ONU.
Mãos que devolvem às obras expressão e identidade
Natural de São Gonçalo, a restauradora Fernanda Lemos começou a estagiar logo depois de entrar para a Escola de Belas Artes da UFRJ. Fazia pequenos reparos até que ganhou uma bolsa para estudar na Universidade do Porto, em Portugal, onde ficou por um ano e meio.
— Lá, consegui um estágio na Universidade Católica Portuguesa, na área de restauração. Aprendi muita coisa lá fora e trouxe esse aprendizado para o Brasil. Foi uma experiência e tanto — conta ela, que atualmente trabalha cuidando da conservação e restauro do Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Diferentemente de alguns profissionais, Fernanda trabalha apenas com restauração de pintura mural (paredes) e esculturas policromadas. Entre os seus trabalhos de destaque, ela cita a antiga Igreja da Sé, no Centro do Rio.
— Dividimos a restauração do local em dois momentos. Comecei pela higienização da igreja, em 2006, junto com a reposição volumétrica, que é a restauração das partes faltantes na obra. A segunda fase terminou este ano, com a parte da capela que estava deteriorada — conta ela, que também teve participação nos processos de revitalização do Palácio Guanabara, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, sede do governo do estado, e da Igreja da Imaculada da Conceição, em Botafogo.
Perguntada sobre o trabalho de maior projeção, a artista cita o Teatro Municipal do Rio, onde restaurou o teto do espaço Assírios, o douramento das bancadas da plateia, algumas esculturas e detalhes da estrutura.
— Acho sensacional você pegar uma obra deteriorada e respeitar a sua história, a sua memória. A recompensa em ver o trabalho concluído, sendo contemplado pelas pessoas, dá muita satisfação — diz a profissional.
respeito à originalidade
Para Pilar Poze, moradora do Fonseca, a busca pela perfeição artística sempre esteve no seu caminho. Restauradora, artista plástica e professora de artes da Secretaria municipal do Rio, ela acumula grande experiência com os projetos realizados.
Pilar também participou da restauração interna do Palácio Guanabara, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, incluindo o nivelamento do seu piso hidráulico. Outro trabalho foi no Teatro Municipal do Rio, onde cuidou da confecção de formas e da fixação de douramento. Já em Niterói, Pilar trabalhou na restauração da balaustrada na entrada da Câmara Municipal da cidade.
A jovem também realiza trabalhos em outras regiões, a exemplo da restauração do Sesc Quitandinha, em Petrópolis, e da reintegração de pintura mural na antiga Câmara Municipal de Campos.
— Quem deseja se tornar um restaurador deve ter um olhar diferente em relação ao bem que será recuperado. É um olhar que vai além da estrutura, da estética. É um olhar sensível e que deve respeitar a originalidade e autenticidade da obra. Há muitas frentes de trabalho no mercado e uma busca por profissionais especializados e qualificados em diversos segmentos. Costumo dizer que nosso trabalho é uma busca constante para manter na obra o máximo da expressão artística retratada pelo autor — finaliza Pilar.
Leandro Barboza, morador de São Francisco, não imaginava enveredar nesse ramo quando começou a graduação em Pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Logo após a formatura, em 2004, ele foi dar aulas, até que surgiu a oportunidade de trabalhar com restauração em um ateliê.
— Busquei uma nova experiência, aplicando meus conhecimentos de pintura, pois não estava exercendo em sala de aula — lembra o artista, que começou restaurando quadros.
Do ateliê às principais edificações do Rio
O primeiro trabalho de repercussão ocorreu em 2008, na Igreja do Carmo, no Centro do Rio. Ao longo de oito meses, o niteroiense restaurou as imagens dos apóstolos e revitalizou a pintura do teto, que abriga a principal imagem de Nossa Senhora do Carmo.
— Pelo fato de o Centro do Rio ser uma área de intensa movimentação de veículos, a poluição é grande, e a sujeira já não permitia mais identificar a cena do teto. Limpei, removi a fuligem e apliquei os retoques, que depois foram protegidos por uma camada de verniz — conta.
A partir daí, Barboza teve seu trabalho reconhecido, sendo chamado para restaurar, também no Centro carioca, os painéis de madeira do Mosteiro de São Bento, e, em São Cristóvão, os aposentos do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista. Entre os últimos trabalhos realizados, ele guarda com carinho a restauração do Teatro Municipal do Rio, em que tratou imagens de Eliseu Visconti, e de parte do acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Barboza também acaba de concluir a restauração da fachada do edifício onde funcionava o Departamento da Ordem Política e Social, o Dops, na Lapa.
Sobre os ossos do ofício, destaca:
— A profissão carrega em si um certo anonimato. Quando você termina um trabalho, os elogios estão sempre em cima da obra e do autor original, quase ninguém quer saber sobre o trabalho de restauração.
Referência em conservação
No início dos anos 80, um escritor endividado procurou o restaurador Cláudio Valério Teixeira para que ele salvasse o único bem que lhe restava: uma tela do pintor José Pancetti que, em bom estado, poderia lhe render um dinheiro considerável. Quando iniciou o trabalho, descobriu, por trás daquela tela, uma outra, e o escritor pôde vender os dois quadros e refazer sua vida. Este é um dos exemplos que confirmam a influência profissional do atual secretário de Cultura de Niterói, que é considerado hoje um dos melhores restauradores da América Latina. A vocação está no sangue. O artista é filho do pintor Osvaldo Teixeira, que dirigiu a Escola de Belas Artes da UFRJ por 25 anos, além de ser um dos fundadores do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio.
— Comecei criança, pintando no ateliê do meu pai. Em 1969, ingressei na Escola Nacional de Belas Artes, onde tive a oportunidade de estudar com Edson Motta, considerado o introdutor da restauração de cunho científico no Brasil. Em 1974, eu me formei e comecei a estudar restauração de bens culturais. No início, eu me dedicava mais à pintura; depois, resolvi focar na restauração de arquitetura de monumentos públicos. Foram muitos trabalhos em Niterói, todos guardados na lembrança com muito carinho — conta.
Em 1995, o artista plástico, que possui um ateliê em São Francisco, comandou a restauração do Teatro Municipal de Niterói. O projeto foi premiado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
— O teatro estava parado há 15 anos. Restauramos os principais espaços e também uma área que foi dedicada aos novos camarins — lembra.
O artista também foi responsável pela restauração do Solar do Jambeiro, em São Domingos, considerado um dos imóveis mais importantes do século XIX, além do retábulo do século XVII da Igreja de São Lourenço dos Índios, marco da fundação de Niterói.
— Foi a restauração mais delicada para mim. O local estava muito destruído, além de o retábulo ser um marco na arte brasileira, pois é um dos poucos exemplares renascentistas ibéricos que sobraram — diz ele, que também cuidou da restauração do Palácio Araribóia, antiga sede do governo niteroiense.
Fora de Niterói, é ele quem restaura as telas das coleções de Roberto Marinho, Walter Moreira Salles e Paulo Gayer, além de ter cuidado da “Batalha do Avaí”, de Pedro Américo, e da “Batalha dos Guararapes”, de Victor Meirelles, ambas do acervo do Museu de Belas Artes.
Com uma média de 200 trabalhos por ano, Teixeira tem especial orgulho de ter restaurado os painéis da obra “Guerra e paz”, de Candido Portinari, em posse da ONU.
Mãos que devolvem às obras expressão e identidade
Natural de São Gonçalo, a restauradora Fernanda Lemos começou a estagiar logo depois de entrar para a Escola de Belas Artes da UFRJ. Fazia pequenos reparos até que ganhou uma bolsa para estudar na Universidade do Porto, em Portugal, onde ficou por um ano e meio.
— Lá, consegui um estágio na Universidade Católica Portuguesa, na área de restauração. Aprendi muita coisa lá fora e trouxe esse aprendizado para o Brasil. Foi uma experiência e tanto — conta ela, que atualmente trabalha cuidando da conservação e restauro do Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Diferentemente de alguns profissionais, Fernanda trabalha apenas com restauração de pintura mural (paredes) e esculturas policromadas. Entre os seus trabalhos de destaque, ela cita a antiga Igreja da Sé, no Centro do Rio.
— Dividimos a restauração do local em dois momentos. Comecei pela higienização da igreja, em 2006, junto com a reposição volumétrica, que é a restauração das partes faltantes na obra. A segunda fase terminou este ano, com a parte da capela que estava deteriorada — conta ela, que também teve participação nos processos de revitalização do Palácio Guanabara, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, sede do governo do estado, e da Igreja da Imaculada da Conceição, em Botafogo.
Perguntada sobre o trabalho de maior projeção, a artista cita o Teatro Municipal do Rio, onde restaurou o teto do espaço Assírios, o douramento das bancadas da plateia, algumas esculturas e detalhes da estrutura.
— Acho sensacional você pegar uma obra deteriorada e respeitar a sua história, a sua memória. A recompensa em ver o trabalho concluído, sendo contemplado pelas pessoas, dá muita satisfação — diz a profissional.
respeito à originalidade
Para Pilar Poze, moradora do Fonseca, a busca pela perfeição artística sempre esteve no seu caminho. Restauradora, artista plástica e professora de artes da Secretaria municipal do Rio, ela acumula grande experiência com os projetos realizados.
Pilar também participou da restauração interna do Palácio Guanabara, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, incluindo o nivelamento do seu piso hidráulico. Outro trabalho foi no Teatro Municipal do Rio, onde cuidou da confecção de formas e da fixação de douramento. Já em Niterói, Pilar trabalhou na restauração da balaustrada na entrada da Câmara Municipal da cidade.
A jovem também realiza trabalhos em outras regiões, a exemplo da restauração do Sesc Quitandinha, em Petrópolis, e da reintegração de pintura mural na antiga Câmara Municipal de Campos.
— Quem deseja se tornar um restaurador deve ter um olhar diferente em relação ao bem que será recuperado. É um olhar que vai além da estrutura, da estética. É um olhar sensível e que deve respeitar a originalidade e autenticidade da obra. Há muitas frentes de trabalho no mercado e uma busca por profissionais especializados e qualificados em diversos segmentos. Costumo dizer que nosso trabalho é uma busca constante para manter na obra o máximo da expressão artística retratada pelo autor — finaliza Pilar.
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