terça-feira, 3 de setembro de 2013

Fé quase em ruínas

Fechada há dois anos e sem previsão de reforma, Igreja de Sarandira, tombada pelo município, sofre com ação do tempo

Por Bárbara Riolino

"A situação em que se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Livramento representa para a comunidade de Sarandira a mesma coisa que representa para nós: um desejo de que as coisas sejam resolvidas o mais depressa possível e a constatação de que isso não acontece de uma hora para outra. Não acontece porque não temos dinheiro, não acontece porque precisamos obedecer a uma série de leis que abrangem um bem tombado", define o arcebispo metropolitano dom Gil Antônio Moreira sobre a atual situação do templo, fechado há dois anos.

Erguido em 1842 em Sarandira, um dos mais antigos distritos de Juiz de Fora, o imóvel apresenta estágio de deterioração, que se agravou, segundo moradores, após o decreto de tombamento feito pelo município, em dezembro de 2004, impossibilitando qualquer tipo de intervenção. Desde o começo deste ano, uma comissão foi formada no distrito para viabilizar a reabertura da igreja. "Como aqui venta muito, aliado a proximidade do período de chuvas, nosso medo é que o telhado e outros objetos caiam. É uma comunidade carente onde o recurso é irrisório, por isso precisamos de empenho e vontade, principalmente da Arquidiocese de Juiz de Fora, para poder abri-la novamente", destaca o líder comunitário de Sarandira, Eustáquio Rezende Tostes.

As paredes externas estão repletas de rachaduras, e a pintura, longe da original. Boa parte das janelas está com os vidros quebrados. Fotos do interior do templo enviadas à Tribuna por moradores - uma vez que a arquidiocese não autorizou a entrada da imprensa no local por motivos de segurança - mostram piso, forro e altar (em madeiras nobres como pinho-de-riga e cedro) destruídos por cupins. Além disso, algumas colunas precisaram ser retiradas, assim como imagens de santos, sobretudo a da padroeira de Sarandira, Nossa Senhora do Livramento, com características de criação do final do século XVIII.

Intimamente ligado à história do distrito, o arcebispo emérito de Juiz de Fora dom Eurico dos Santos Veloso, nascido e criado em Sarandira, conta que a igreja sempre foi muito bem cuidada pelos moradores e fazendeiros da região. "Nunca faltou nada, nem para igreja e nem para o padre. Minha mãe, por exemplo, cuidou da limpeza praticamente sua vida inteira. Desde quando me ordenei padre, em 1962, sempre ia para lá nas minhas férias para ajudar na organização de festas e eventos." Ainda segundo dom Eurico, o problema começou quando surgiu uma goteira no forro do telhado, e a comunidade quis consertar, e foi impedida. "Descobriu-se, então, que a igreja havia sido tombada. Por isso sou contra tombamentos de igreja, pois tombar não garante a manutenção de um bem. Desde esta data, nenhuma obra pode ser realizada na igreja."

'A igreja foi aberta para rezar e não para virar museu'

Por outro lado, o atual arcebispo afirma que, quando assumiu a arquidiocese, deu continuidade aos projetos de restauro e reforma do templo em Sarandira. "Em julho de 2009, solicitei à Funalfa a autorização para fazer a vistoria e a avaliação técnica do local, que nos enviou um dossiê para nos auxiliar. Para mexer em um bem tombado, são necessárias licenças, e isso atrasa qualquer processo. Conseguimos iniciar a descupinização e agora aguardamos o retorno do projeto de restauro, que está sendo orçado com a empresa responsável pela recuperação da igreja de Rio Preto (MG)."

Dom Gil ainda ressalta que é favorável ao tombamento, no sentido de valorizar e proteger o bem material. Entretanto, reconhece que as leis de tombamento não podem ser tão excessivas e rigorosas, impedindo o desenvolvimento das obras. "É um bem que, juridicamente, pertence à Mitra, mas, historicamente e afetivamente, pertence à comunidade, que por sua vez não tem recursos, por mais que sejam feitas festas e recolhidos os dízimos. Uma coisa é trabalhar com uma comunidade que tem dinheiro, outra, com uma que não tem. Tenho interesse para que aquilo seja aberto o mais rápido possível. A igreja foi aberta para rezar e não para virar museu."

Em nota à imprensa, a Funalfa informou que o processo de tombamento é um ato administrativo voltado para a preservação de características e memória de um determinado bem. De acordo com o documento, um imóvel tombado permanece com o seu proprietário, e a conservação e manutenção desse bem continua sob sua responsabilidade. "A Dipac (Divisão de Patrimônio Cultural) visitou o local e deu orientações. O Comppac (Conselho Municipal de Preservação de Patrimônio Cultural), até o momento, não recebeu nenhum projeto por parte do proprietário (no caso a Diocese) para a realização de alguma intervenção no local (seja para manutenção, conservação ou restauração)", diz parte da nota.

Lembranças

Ao andar pelas ruas de terra do distrito, as poucas pessoas que lá ainda vivem lamentam por ver parte de sua história, vivida na igreja, trancada e deteriorada pelo tempo. "Quando vim de Mar de Espanha para Sarandira, ainda criança, brinquei muito ao redor da igreja. A gente sente falta de vê-la aberta para visitar e fazer orações", comenta o morador Pedro Nilo da Cruz, 55 anos. Batizada no templo, Lúcia Maria Prudêncio, 61, empresta hoje sua casa para a realização das missas. "Desde pequena vivi dentro da igreja. Sempre ajudava muito nas festas e na manutenção. Era uma igreja muito bonita, cheia de imagens e pinturas de anjos." Todas as fases da vida de Geni Santana, 74, estiveram ligadas à igreja, desde o batizado, dela e dos filhos, até o casamento. "Vê-la fechada tira a proximidade das pessoas da igreja. É triste ver que tudo pode cair. Mas tenho fé que a verei aberta novamente. A fé é algo que nunca perdi."

Os relatos dos moradores conseguem reconstituir como era a igreja. Embora as pinturas não tenham autoria de artistas de renome, o prédio e sua importância histórica fazem toda a diferença para aproximadamente 500 pessoas que ainda vivem em Sarandira. No passado, segundo o "Álbum do Município de Juiz de Fora", escrito em 1915 por Albino Esteves, o distrito chegou a ter 6.500 habitantes, que viviam da cultura da cana-de-açúcar e do café.

Além da imagem de mais de 1m de altura de Nossa Senhora do Livramento, uma das peças expostas na I Exposição de Arte Sacra e História, promovida pela arquidiocese em 2012, imagens de São Sebastião, Santo Antônio, Nossa Senhora das Dores e Sagrado Coração de Jesus também tinham o seu lugar. Hoje, as peças estão guardadas para segurança e conservação. Segundo dom Gil, são imagens centenárias, assim como outras com vestimentas em tecido. "Algumas estruturas internas e a fachada estão descaracterizadas. Queremos retornar ao original. Merece ser reformada", finaliza dom Gil.

Fonte: Tribuna de Minas

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