Por Leonardo Ladeira
Os
transeuntes que trafegam diariamente pelo Largo da Carioca muitas vezes
desconhecem ali se encontra um verdadeiro tesouro: a Igreja da
Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, considerada a
expressão máxima do barroco brasileiro.
Segundo o historiador Mário Barata, a Igreja da Ordem Terceira é um
“monumento insigne da cidade do Rio de Janeiro e do país”. Para ele,
“poucas igrejas no Brasil têm a beleza e a importância daquela jóia”.
O templo localiza-se ao lado esquerdo da Igreja do Convento de Santo
Antonio, sobre uma pequena elevação, na verdade o último resquício do já
demolido Morro de Santo Antônio.
Largo da Carioca, 1870
“Entre arranha-céus e avenidas, a massa branca e horizontal daquelas
obras do século XVIII situa-se como um apelo à calma e à tranqüilidade,
parcialmente isolada da mistura urbana (...)” , descreveu Mário Barata.
A CONSTRUÇÃO
A Ordem Terceira de São Francisco da Penitência foi instituída em 1619,
sendo a primeira ordem deste tipo a surgir na cidade. A Ordem nasceu na
antiga Capela da Conceição, contígua à Igreja de Santo Antonio, e foi
fundada por Luís de Figueiredo e sua mulher. Muitos devotos aderiram à
ordem e resolveram adquirir o terreno na qual se encontra o templo. Por
meio de doações e quermesses, foram obtidos os recursos para a
construção da igreja.
Morro de Santo Antônio
Os trabalhos de construção da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco
da Penitência tiveram início na segunda metade do século XVIII e foram
concluídos em 1773.
A FACHADA
A fachada da Igreja se manteve desprovida de exageros ornamentais e tem
caráter horizontal, fato pouco comum no Brasil e único na cidade.
Segundo a historiadora de arte Sandra Alvim, o “frontispício é
compartimentado por quatro pilastras em cantaria arrematadas por pesados
pináculos.
As pilastras são interligadas por cimalha interrompida pelo frontão de
linhas curvas, com pequeno óculo. O corpo central é realçado pela
portada principal, encimada por medalhão oval.
As sobrevergas das portas laterais são mais simples que as das janelas
do segundo pavimento”. A portada foi concebida em pedra de lioz. O
frontão, apesar de alterado, manteve seu perfil recortado em curvas e
contracurvas.
As três portas principais possuem portadas em mármore de lioz e as seis janelas apresentam grades antigas.
Segundo Mário Barata, a igreja não possui torre “devido à inicial
interdição dos religiosos vizinhos e posterior acordo com eles”. Ainda
segundo Barata, a igreja “sai do tipo habitual de Igreja no Brasil,
inclusive por ser bem mais larga do que alta”.
A DECORAÇÃO
Em contraste com o despojamento da Igreja do Convento de Santo Antonio, e
até mesmo com a singeleza de seu próprio frontispício, a Igreja da
Ordem Terceira de São Francisco apresenta uma decoração barroca,
inteiramente coberta por talha dourada. Trata-se de uma das mais
importantes obras de decoração religiosa no país. Apesar de suas
pequenas dimensões, o trabalho de decoração provoca um efeito
arrebatador.
A decoração foi realizada entre 1726 e 1743. A talha é de autoria de
Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito, que introduziram no Rio o
Barroco de Lisboa da época de D.João V. Portugal. A douração e a pintura
são de Manuel da Costa Coelho.
A decoração foi feita em talha contínua. Os painéis pictóricos, a
pintura em perspectiva (a primeira do país) e os fingidos de embutidos
de mármore nas laterais da nave fazem contrapeso ao dourado da
composição.
O PATRIMÔNIO ARTÍSTICO
Quando visitar a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, não deixe de ver:
- Pintura do teto da nave (1737 / 40) - representando a apoteose de São
Francisco (aut: Caetano da Costa Coelho. Considerada a primeira pintura
em perspectiva do Brasil
- Talha (estilo barroco) - projeto de Manoel de Brito e execução de Xavier de Brito.
- Arco-Cruzeiro - aut: Xavier de Brito
- Capela do Santíssimo (séc.XVIII) - aut: Antonio de Pádua e Castro (lado esquerdo da nave)
- Retratos de d.Pedro II e d.Teresa Cristina (ante-sala que dá acesso à sacristia)
- Douração e pintura - aut: Manuel da Costa Coelho
- Tocheiros (dois) - de 1776
- Dragões (dois) - inspiração chinesa para sustentação dos lampadários
- Imagens (interior da nave) - Santa Rosa Viterbo, São Gonçalo do
Amarante, São Vicente Ferrer (dir.); São Ivo, São Roque e Santa Isabel
de Portugal (esq)
- Altares-laterais (de Xavier de Brito) - São Luís dos Franceses, Santa
Delfina e São Gualter; São Lúcio, Santa Bona e São Elisário
- Pintura do forro do coro - atribuída a Caetano da Costa Coelho
- Arco de talha (à entrada da antiga capela) - atribuído a Manuel de Brito Portada (1748)
- Embutidos de mármore nos degraus da capela-mor
- Altar-mor - talha: Manuel de Brito. Figura de Deus-Padre ladeado por
serafins e anjos; Imagem de N.S.da Conceição (sobre o altar); Imagem de
São Francisco de Assis (trono); Imagem do Cristo seráfico (trono)
- Sacristia - Pintura do teto (séc.XVIII) - autor desconhecido; Lavabo
em mármore de lioz; Arcaz de jacarandá com puxadores de prata (1780)
- Capela de N.S.da Conceição (1622) - talha de Manuel de Brito e Xavier
de Brito - Mausoléu de mármore branco de d.Pedro Carlos de Bourbon;
Dossel ladeado por figuras da Fé e Esperança (atribuídas a Xavier de
Brito); Vulto dos quatro evangelistas (volutas inferiores); Pintura de
teto - imagem de N.S.da Conceição; Pinturas sobre madeira - episódios
da vida da Virgem.
A RESTAURAÇÃO
Restaurada em 2002, com recursos do BNDES, a Igreja voltou a ser uns dos cartões postais do Rio de Janeiro.
Um investimento da ordem de 3,5 milhões de reais feito pelo BNDES,
através da Lei Rouanet possibilitou o trabalho de recuperação da igreja,
que foi executado em 28 meses por 120 profissionais, de arquitetos a
pintores.
Munidos de bisturis cirúrgicos, espátulas de dentistas, lixas e
solventes, os restauradores retiraram crostas de sujeira, camadas
recentes de tinta, além de executar projetos de instalação de
iluminação, segurança, pesquisa e museografia.
Para que a igreja fosse preservada, o tratamento de descupinização
abrangeu não só a área do morro de Santo Antônio, mas boa parte do Largo
da Carioca. As imagens foram submetidas à análise por tomografia
computadorizada visando sua preservação, a verificação de seu estado
interior e a descoberta de sua pintura original escondida sob inúmeras
camadas de tinta. Na Nossa Senhora da Conceição que fica no altar-mor,
por exemplo, descobriu-se, sob um inexpressivo manto azul, um precioso
brocado esculpido, com detalhes em ouro.
Por Leo Ladeira
-------------------------------------------
>> SERVIÇO <<
Largo da Carioca, 5 - Centro
Tel. 21 2262-0197.
Horário de visitação: de segunda à sexta-feira, das nove ao meio-dia e de uma às quatro da tarde.
-------------------------------------------
Fontes de Referência:
- Igreja da Ordem 3ª da Penitência do Rio de Janeiro. Mário Barata. Livraria Agir Editora. 1975.
- Arquitetura religiosa colonial no Rio de Janeiro. Sandra Alvim. UFRJ-IPHAN, 1996.
- Arte no Brasil. Nova Cultural. 1982.
- Guia dos Bens Tombados. Coordenação: Maria Elisa Carrazzoni.
- Expressão & Cultura. 1987.
- Guia Michelin – Rio de Janeiro. 1997.
- Veja-Rio.
- Site do BNDES.
Fotos:
- Blog Foi um Rio que Passou
- Blog Casamento Prático
- Fotos recentes do interior da Igreja: Leo Ladeira e Alexandre Siqueira
Fonte: Rio e Cultura
Nenhum comentário:
Postar um comentário