quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Incêndios comprometem patrimônio histórico de Minas em Itamarandiba

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, datada de 1842, foi parcialmente destruída por um incêndio supostamente criminoso, 13 anos depois de a matriz ser consumida pelo fogo.

Bombeiros sediados em Diamantina estiveram na cidade para fazer o trabalho de rescaldo no templo católico.

Patrimônio cultural dominado pelas chamas. Depois de um casarão do século 19 totalmente destruído, em abril, Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, volta a sofrer com a ação do fogo no núcleo histórico. No início da tarde de sábado, véspera da tradicional Festa de Nossa Senhora do Rosário, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, construída em 1845 e localizada no Centro da cidade, teve parte do forro e telhados queimados, estando interditada. Não houve feridos. A celebração que remonta ao tempo dos escravos foi transferida para a Matriz de São João Batista, reerguida após se tornar cinzas e ser varrida do mapa há 13 anos. Também no sábado, conforme testemunhas, houve um princípio de incêndio no prédio da Secretaria de Ação Social, no Bairro Fazendinha, próximo ao Centro.

“O incêndio começou por volta de meio-dia e não havia ninguém na igreja. A sorte é que, na hora, veio gente de todo lado para ajudar a apagar o fogo, do contrário, ela seria destruída”, informou, ontem, o padre Ricardo César da Costa, titular da Paróquia de São João Batista. Ele explicou que o laudo feito pela polícia ficará pronto em 10 dias, mas, de início, há suspeita que tenha origem criminosa. “Foram dois focos de incêndio, não há indícios de que tenha sido causado por problemas na fiação ou velas”, disse o padre, destacando que as labaredas consumiram um altar lateral, que representa a sacristia e moradores chamam de Capela do Santíssimo, atingiram o forro e provocaram rachaduras nas paredes. Há dois anos na paróquia, padre Ricardo disse ontem, durante a missa das 19h, que a igreja será reformada. “Vamos deixá-la do jeito que era antes do incêndio”, afirmou sobre o templo tombado pelo patrimônio municipal desde 2003.

Itamarandiba não tem unidade do Corpo de Bombeiros e o pelotão mais próximo fica em Diamantina, distante 178 quilômetros. Para combater o fogo, empresas particulares do município e a Copasa enviaram caminhões-pipa, o que impediu a propagação para outras áreas do templo católico mais antigo da cidade. De acordo com os bombeiros, não há planos de implantação de uma unidade na cidade, assim como em outros municípios de conjunto arquitetônico de relevância. A iniciativa mais recente foi o treinamento de brigadistas em quatro cidades coloniais: Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, Ouro Preto e Mariana, na Região Central, e São João del-Rei, no Campo das Vertentes.

A situação de vulnerabilidade do patrimônio cultural de Itamarandiba, de 33 mil habitantes, deixa em alerta moradores e defensores dos bens culturais. Amanhã, às 12h, o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural faz reunião extraordinária para avaliar a situação e, a partir daí, pedir providências ao Ministério Público, prefeitura e outras autoridades, informou o presidente do colegiado, José da Conceição Meira. Residente na capital, a bacharel em direito e servidora do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Edelfina Aparecida Guimarães considera um descaso a atual situação, já que muitos imóveis foram perdidos e outros se encontram ameaçados. “Fiquei muito preocupada com o acervo da igreja, pois todos os móveis e demais ornamentos foram colocados do lado de fora. Os jatos de água foram lançados no forro, o que acabou encharcando a madeira”, afirmou a servidora do MPMG.

Uma mulher residente em área nos fundos da igreja disse que incêndio teria começado na Capela do Santíssimo, estando o templo fechado naquele momento. Apenas a janela da capela estava aberta, tanto que foi preciso arrombar a porta lateral. Chamada no momento do incêndio, a diretora de Patrimônio Histórico da prefeitura, Creuza Pereira Reis, contou que havia muitas vestes, panos e ornamentos na sacristia.
Tradição A Igreja de Nossa Senhora do Rosário começou a ser construída em 1845 e foram necessários sete anos para sua conclusão. Segundo estudiosos, o templo é símbolo de fé e página da história da resistência negra na cidade, abrigando neste mês, dedicado à Nossa Senhora do Rosário, as tradicionais marujadas. Em estilo barroco, o templo abriga missas, encontros de grupos de oração e, anualmente, é palco da festa da padroeira, que começou na sexta-feira e terminou no domingo. Itamarandiba foi imortalizada de mesmo nome, de autoria de Milton Nascimento, que diz: “Itamarandiba, pedra corrida, pedra miúda rolando sem vida…”

Memória
Série de casos

Moradores de Itamarandiba não se esquecem da destruição da Igreja Matriz de São João Batista, alvo de um incêndio em abril de 1999. A causa foi atribuída a um curto circuito na rede elétrica. Ele teria começado no altar-mor da construção em estilo barroco que contava, então, com 234 anos e era a mais imponente edificação da cidade, além de templo católico mais antigo. A nova matriz foi construída no mesmo local. Treze anos depois, foi a vez de um casarão da Rua Tiradentes, também no Centro, virar cinzas, deixando saudade e a sensação de que o patrimônio precisa de proteção e equipamentos públicos, como hidrantes na imediações do casario, vigilância eletrônica nas igrejas e prédios tombados e, claro, uma unidade do Corpo de Bombeiros.  

Por Gustavo Werneck / Defender

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