Igreja de Nossa Senhora do Rosário, datada de 1842, foi
parcialmente destruída por um incêndio supostamente criminoso, 13 anos
depois de a matriz ser consumida pelo fogo.
Patrimônio cultural dominado pelas chamas. Depois de um casarão do
século 19 totalmente destruído, em abril, Itamarandiba, no Vale do
Jequitinhonha, volta a sofrer com a ação do fogo no núcleo histórico. No
início da tarde de sábado, véspera da tradicional Festa de Nossa
Senhora do Rosário, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos, construída em 1845 e localizada no Centro da cidade, teve parte
do forro e telhados queimados, estando interditada. Não houve feridos. A
celebração que remonta ao tempo dos escravos foi transferida para a
Matriz de São João Batista, reerguida após se tornar cinzas e ser
varrida do mapa há 13 anos. Também no sábado, conforme testemunhas,
houve um princípio de incêndio no prédio da Secretaria de Ação Social,
no Bairro Fazendinha, próximo ao Centro.
“O incêndio começou por volta de meio-dia e não havia ninguém na
igreja. A sorte é que, na hora, veio gente de todo lado para ajudar a
apagar o fogo, do contrário, ela seria destruída”, informou, ontem, o
padre Ricardo César da Costa, titular da Paróquia de São João Batista.
Ele explicou que o laudo feito pela polícia ficará pronto em 10 dias,
mas, de início, há suspeita que tenha origem criminosa. “Foram dois
focos de incêndio, não há indícios de que tenha sido causado por
problemas na fiação ou velas”, disse o padre, destacando que as
labaredas consumiram um altar lateral, que representa a sacristia e
moradores chamam de Capela do Santíssimo, atingiram o forro e provocaram
rachaduras nas paredes. Há dois anos na paróquia, padre Ricardo disse
ontem, durante a missa das 19h, que a igreja será reformada. “Vamos
deixá-la do jeito que era antes do incêndio”, afirmou sobre o templo
tombado pelo patrimônio municipal desde 2003.
Itamarandiba não tem unidade do Corpo de Bombeiros e o pelotão mais
próximo fica em Diamantina, distante 178 quilômetros. Para combater o
fogo, empresas particulares do município e a Copasa enviaram
caminhões-pipa, o que impediu a propagação para outras áreas do templo
católico mais antigo da cidade. De acordo com os bombeiros, não há
planos de implantação de uma unidade na cidade, assim como em outros
municípios de conjunto arquitetônico de relevância. A iniciativa mais
recente foi o treinamento de brigadistas em quatro cidades coloniais:
Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, Ouro Preto e Mariana, na Região
Central, e São João del-Rei, no Campo das Vertentes.
A situação de vulnerabilidade do patrimônio cultural de Itamarandiba,
de 33 mil habitantes, deixa em alerta moradores e defensores dos bens
culturais. Amanhã, às 12h, o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e
Cultural faz reunião extraordinária para avaliar a situação e, a partir
daí, pedir providências ao Ministério Público, prefeitura e outras
autoridades, informou o presidente do colegiado, José da Conceição
Meira. Residente na capital, a bacharel em direito e servidora do
Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Edelfina Aparecida Guimarães
considera um descaso a atual situação, já que muitos imóveis foram
perdidos e outros se encontram ameaçados. “Fiquei muito preocupada com o
acervo da igreja, pois todos os móveis e demais ornamentos foram
colocados do lado de fora. Os jatos de água foram lançados no forro, o
que acabou encharcando a madeira”, afirmou a servidora do MPMG.
Uma mulher residente em área nos fundos da igreja disse que incêndio
teria começado na Capela do Santíssimo, estando o templo fechado naquele
momento. Apenas a janela da capela estava aberta, tanto que foi preciso
arrombar a porta lateral. Chamada no momento do incêndio, a diretora de
Patrimônio Histórico da prefeitura, Creuza Pereira Reis, contou que
havia muitas vestes, panos e ornamentos na sacristia.
Tradição A Igreja de Nossa Senhora do Rosário começou a ser
construída em 1845 e foram necessários sete anos para sua conclusão.
Segundo estudiosos, o templo é símbolo de fé e página da história da
resistência negra na cidade, abrigando neste mês, dedicado à Nossa
Senhora do Rosário, as tradicionais marujadas. Em estilo barroco, o
templo abriga missas, encontros de grupos de oração e, anualmente, é
palco da festa da padroeira, que começou na sexta-feira e terminou no
domingo. Itamarandiba foi imortalizada de mesmo nome, de autoria de
Milton Nascimento, que diz: “Itamarandiba, pedra corrida, pedra miúda
rolando sem vida…”
Memória
Série de casos
Moradores de Itamarandiba não se esquecem da destruição da Igreja Matriz
de São João Batista, alvo de um incêndio em abril de 1999. A causa foi
atribuída a um curto circuito na rede elétrica. Ele teria começado no
altar-mor da construção em estilo barroco que contava, então, com 234
anos e era a mais imponente edificação da cidade, além de templo
católico mais antigo. A nova matriz foi construída no mesmo local. Treze
anos depois, foi a vez de um casarão da Rua Tiradentes, também no
Centro, virar cinzas, deixando saudade e a sensação de que o patrimônio
precisa de proteção e equipamentos públicos, como hidrantes na
imediações do casario, vigilância eletrônica nas igrejas e prédios
tombados e, claro, uma unidade do Corpo de Bombeiros.
Por Gustavo Werneck / Defender
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