quarta-feira, 13 de julho de 2016

Padre autoriza ‘reboco’ em cima de obra sacra




Reboco atingiu parte da obra sacra. (Foto: Edson Martins)

José Benedicto da Cruz foi um caboclo singular, genial, artista sacro por pura intuição, conforme descreveu um dos maiores conhecedores da arte sacra do Brasil, Eduardo Etzel. As obras de J.B.C. – ao menos as que não foram furtadas – ainda estão estampadas em igrejas de Mogi das Cruzes, Biritiba Mirim e Guararema. Em uma delas, na Capela de São Sebastião, em Taiaçupeba, o padre responsável, Alberto Gomes da Silva, mandou passar uma camada de reboco por cima de um arco decorado com padrões e imagens feitas por um dos principais artistas sacros populares do Brasil.

O episódio pode ser comparado à desastrosa restauração do afresco “Ecce Homo”, feita por uma artista amadora espanhola. A diferença é que, no caso da igreja de Taiaçupeba, só o que sobrou foi o cinza da argamassa e a indignação de quem viu uma peça importante da cultura popular ser destruída com tanta indiferença.

Conforme ressalta o estudante de Jornalismo Dorival Martins Junior, bisneto de um dos fundadores da Capela de São Sebastião, será muito difícil recuperar as pinturas que ficaram embaixo do reboco.

À reportagem de O Diário, o padre Alberto disse que a intervenção foi necessária porque o arco estava com muitas rachaduras. Um trabalho de restauração chegou a ser orçado, mas o preço – R$ 55 mil – inviabilizou o serviço. A Diocese diz que vai restaurar o arco.

O reboco foi jogado diretamente em cima de um papel de parede pintado por José Benedicto da Cruz com a imagem de Jesus Cristo. Segundo conta Dorival, o papel de parede foi instalado pelo artista no ano de 1919, em cima de uma pintura feita 10 anos antes, também por Cruz. “Era tudo original”, lamenta. Na capela, ainda estão intactas as pinturas do teto e do altar.

“JBC. foi um artista único, também pelo aspecto cultural, de identidade do povo. O sentimento que ele colocou nas obras não poderá ser reproduzido, porque ele não deixou nenhum registro da técnica utilizada. Nunca haverá outro igual”, pondera Dorival, que é vizinho da capela e desde criança admira as pinturas do artista. “Quando vi a parede rebocada fiquei sem reação. Só consegui fazer uma foto e ir para casa”, completa.

O roteirista e cineasta Pedro Gandolla está há sete anos trabalhando no documentário “A História que Ninguém vai Contar”, sobre perdas do patrimônio cultural e artístico da região. Um dos capítulos trata das obras de JBC., as quais, diz Gandolla, pelo menos 40% se perderam, por furto ou pelo desprezo ao valor histórico. O arco rebocado também fará parte do documentário, que deve ser lançado até o final deste ano.

Gandolla afirma que a perda de tantas obras importantes se dá pela falta de uma política séria de proteção ao patrimônio histórico. “A educação patrimonial é uma parte importante do processo, que é muito mais amplo do que isso”, avalia. Ele diz ainda que vai entrar em contato com o bisco diocesano de Mogi das Cruzes, dom Pedro Luiz Stringhini, para tentar evitar que outros trabalhos de JBC sejam perdidos em Taiaçupeba.

O comerciante José Roberto Martins, de 52 anos, afirma que os moradores da pequena comunidade de São Sebastião, construída no entorno da capela, conhecem a importância das pinturas que ornam as paredes da igreja. “Sabemos que a pintura é histórica, tanto que vem gente de fora só para visitar a igreja”, comenta.

Conforme descreve Eduardo Etzel, João Benedicto Cruz foi um homem de múltiplas atividades, que aprendeu o ofício por si mesmo, com uma sensibilidade fora do comum. JBC nasceu em 1877, na cidade de Paraibuna, e morreu em 1934, em Mogi das Cruzes.

O padre Alberto Gomes da Silva, pároco da Paróquia Santa Cruz – Capela do Ribeirão, em Taiaçupeba, à qual pertence a Comunidade São Sebastião, disse que a obra do artista José Benedicto da Cruz que recebeu a camada de reboco será “restaurada”.

Refazer a obra
O religioso explica que uma pessoa da própria comunidade já se dispôs a “refazer” os desenhos, que serão pintados por cima da camada de reboco. Ainda assim, só a arte que estava diretamente sobre a parede será refeita, segundo o padre. O papel de parede com a imagem de Jesus Cristo, também pintado por JBC pode ser descartado.

“Não faço as coisas de qualquer jeito. O problema é aquele povo que acha que sabe de alguma coisa. Será tudo pintado de novo. O importante era tirar a rachadura, que estava feia demais. Não tinha como fazer isso sem mexer na pintura”, afirma o padre, que está há um mês na Comunidade de São Sebastião, mas já foi pároco em Taiaçupeba.

Em nota, a Diocese de Mogi das Cruzes afirma que as paredes da capela estão passando “por uma pequena reforma” por conta de rachaduras que podem ocasionar um desequilíbrio estrutural. “As pinturas danificadas serão restauradas”, completa.

Por DANILO SANS

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Ainda em tempo: foi criada uma petição popular para barrar a "destruição do Patrimônio Histórico de Mogi"

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