POR BRUNO AMORIM
RIO — Uma campanha recém-lançada pela prefeitura de Duque de Caxias e apoiada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) chama a atenção para um tipo de crime frequente e, ao mesmo tempo, difícil de ser investigado: o roubo de peças de arte sacra. Ao iniciar a reforma de um templo histórico, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, o município percebeu a falta de uma imagem que leva o nome da santa, esculpida há cerca de 400 anos e com 1,80m de altura. Depois de muita procura, autoridades descobriram um registro policial de furto da estátua feito em 2001. Trata-se de uma das 539 obras que desapareceram no Rio de Janeiro, estado brasileiro com maior número de bens culturais roubados, de acordo com um levantamento do Iphan.
A quantidade de peças roubadas em território fluminense impressiona, ainda mais se for comparada com os números de outros estados: é mais que o triplo dos registros policiais feitos na Bahia (168) e em Minas Gerais (153), conhecidos pela grande quantidade de igrejas que abrigam. E as estatísticas podem ser ainda piores, já que apenas pouco mais da metade dos templos históricos do Rio teve bens inventariados pelo Iphan.
PREFEITO ACREDITA EM DEVOLUÇÃO
Ao tomar conhecimento do furto da imagem de Nossa Senhora do Pilar, uma obra cujo autor é desconhecido, a prefeitura de Duque de Caxias publicou anúncios e divulgou números para o recebimento de informações: 3552-9903, da diocese da cidade, e 2233-7462, do Iphan. Mas, por enquanto, os telefones pouco tocaram.
— Temos algumas pistas, acreditamos que um colecionador comprou a imagem. É comum obras roubadas serem vendidas e, geralmente, quem as adquire devolve. Um colecionador não quer ter em seu acervo uma peça furtada de uma igreja, pois isso põe em xeque a procedência de todas as suas obras. Especialistas me disseram que é provável que a imagem de Nossa Senhora do Pilar esteja no Brasil, porque seria muito difícil enviar uma estátua de 1,80m para o exterior — disse o prefeito Alexandre Cardoso.
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar é o templo fluminense que foi mais vezes atacado por ladrões, de acordo com o historiador Raphael Fabrino. Segundo ele, além do furto da imagem de sua padroeira, a igreja teve peças de arte sacra levadas por bandidos em sete invasões, entre 1962 e 1978. Em seguida, vem a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Mambucaba, Angra dos Reis, onde houve sete assaltos entre 1978 e 1993. Já a Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no Centro do Rio, atacada quatro vezes entre 1987 e 1995, teve 264 obras roubadas. A preferência dos ladrões é por estátuas e castiçais. Apesar de ser difícil apurar quanto uma obra dessas vale no mercado negro, Fabrino acredita que bandidos podem vendê-las por milhões de reais.
— Obras que levam assinaturas de gênios do barroco como Aleijadinho e Viera Servas, ambos de Minas Gerais; Mestre Valentim, do Rio de Janeiro; e Francisco das Chagas, da Bahia, não têm preço. É importante frisar que uma peça de arte sacra em um altar de igreja representa um elo entre os moradores de uma comunidade e seus antepassados. É comum, no Brasil, que a organização de procissões e festejos em torno de uma imagem seja uma tarefa desempenhada por várias gerações de uma mesma família — destacou o historiador.
Dois cálices em prata dourada, do século XX, foram furtados em 2008 da Igreja do Mosteiro de São Bento. O paradeiro das peças é desconhecido. - Divulgação / Iphan
Como existem muitas obras de arte sacra parecidas entre si e faltam informações sobre a origem de cada uma, é preciso tomar muito cuidado na hora de comprar uma peça. Importante instrumento para pesquisas de leiloeiros e antiquários, o Banco de Dados de Bens Culturais do Iphan, criado em 1997, tem milhares de obras cadastradas. No entanto, nem todas as peças roubadas constam de seu sistema. O furto da imagem de Nossa Senhora do Pilar, por exemplo, não havia sido comunicado ao Iphan.
Segundo o superintendente do instituto no Rio, Ivo Barreto, medidas vêm sendo tomadas para reprimir a venda de peças de arte sacra no mercado negro.
— Estamos fazendo um cadastro de leiloeiros e antiquários para ter um controle mais rígido do trabalho desses profissionais. E quem quiser sair do país com peças do período pré-republicano deve pedir autorização ao Iphan para a viagem — informa Barreto.
Os esforços para conter os crimes aumentam, mas o acaso ainda é um forte aliado de quem procura obras roubadas. Um exemplo disso é a recuperação de uma imagem de São Francisco, do século XVII, que estava desaparecida desde 1955. Ela foi encontrada em 2009, quando o frei Roger Brunório foi ao cinema e a reconheceu no cenário do filme ‘‘A guerra dos Rocha’’. A Polícia Federal achou a peça em um antiquário do shopping Cassino Atlântico, em Copacabana, e a devolveu ao Convento de Santo Antônio.
Fonte: O GLOBO
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