Marco Daniel Duarte, diretor do Museu do Santuário de Fátima, dedica a sua investigação aos peregrinos do Belo
ROMA, (Zenit.org).
Marco Daniel Duarte, natural da Covilhã, é funcionário do Santuário de Fátima desde janeiro de 2008, onde é diretor do Museu do Santuário e responsável pela secção de Arte e Património. Autor de várias publicações nas áreas da História e da História da Arte, pertence à Academia Portuguesa da História, à Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa e ao Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra, sendo ainda membro da Associação Portuguesa de Historiadores da Arte e do Departamento do Património Cultural da Diocese de Leiria-Fátima.
Após a defesa da tese, em breve entrevista a LeopolDina Simões,divulgada pela assessoria de imprensa do Santuário de Fátima, o investigador fala sobre este seu trabalho.
Porquê uma tese de doutoramento relacionada com Fátima?
Marco Daniel Duarte – Ao querer especializar-me numa das áreas que me são mais caras – a arte sacra contemporânea – encontrei no Santuário de Fátima um especial lugar artístico, não só ao nível da sua evolução física, mas também ao nível da iconografia que da Mensagem de Fátima dimana. Estes dois eixos de análise vieram, passados onze anos de investigação, a ditar a estruturação da dissertação apresentada. Pareceu-me importante perceber de que modo a arte se viu convocada a servir de cenário às práticas rituais de um dos mais importantes lugares do sagrado e percebi como, para além de cenário, a arte tomou um outro papel, o de protagonista.
O que destaca como conclusão da sua investigação?
MDD – A investigação operada leva a concluir que o santuário se mostra, ao longo de 90 anos de história, como estaleiro por onde passam vários movimentos estéticos, desde os que se fazem repercutores da arte de Oitocentos, dando início à construção de um santuário de traçado revivalista coroado por uma monumental basílica riscada por Gerardus van Krieken, até aos que já podem ser entendidos como exibidores da arte do século XX. Num primeiro capítulo desta última taxonomia, encontra-se, a partir dos anos finais da década de40, a culta edificação de um deserto artificial que arrancava ao desconforto natural que era a Cova da Iria um espaço espiritual constituído por uma enorme e cenográfica esplanada traçada por Cottinelli Telmo, espaço posteriormente delimitado pela colunata de António Lino, solene equilíbrio de um cenário que vinha a ser criado desde 1928. Um outro grande período de construções foi depois preparado ao longo da década de 70, na qual se prepara uma nova imagem do Santuário, imagem essa que viria a concretizar-se na década seguinte, quando, em 1982, se inaugurou o primeiro ponto – e talvez o mais importante – desse plano: a reestruturação arquitetónica e urbanística da Capelinha das Aparições.
A renovação artística não ocorreu apenas ao nível da arquitetura assinada por José Carlos Loureiro. As plantas e alçados dos novos edifícios exigiam outrossim nova campanha de valorização artística, marca de um profícuo tempo que transformou o santuário num laborioso laboratório de arte protagonizado por nomes cimeiros da produção artística nacional, como se prova pelas obras de pintura, de estatuária e de vitral datadas dos anos 80 e 90.
A basílica da Santíssima Trindade, como última campanha artística, sem aniquilar – nem na implantação, nem no alçado, nem na volumetria – a tradição construtiva monumental erigida ao longo de nove décadas, veio ainda sublinhar mais essa importância artística do lugar.
Como avalia Fátima em termos de iconografia religiosa?
MDD – Fátima é um especial ‘topos’ iconográfico. A representação plástica de uma nova titulatura da Virgem Maria – aqui venerada como a Senhora do Rosário de Fátima – fez da Cova da Iria um terreno profícuo para o aparecimento de um dos mais interessantes episódios da iconografia católica.
Provam esta importância as diferentes estações que levaram à constituição de uma verdadeira “árvore imagética” que tem em Fátima as diferentes fases tipológicas, desde o arquétipo (a escultura de Nossa Senhora da Lapa que dá origem à maioria dos traços fisionómicos da imagem oficial), ao tipo (a escultura da Capelinha das Aparições, de José Ferreira Thedim) e aos subtipos (a imagem da Virgem Peregrina e a imagem do Imaculado Coração de Maria), para já não falar de outras representações ligadas ao ciclo angélico e à iconografia dos videntes.
Que aspetos considera que mais terão surpreendido a comunidade científica?
MDD – Penso que a investigação realizada conseguiu evidenciar que o santuário foi e é um laboratório de experimentações e concretizações artísticas que o fazem ser lido como um laborioso laboratório de arte construído através de uma tensão entre a arte popular e a arte erudita, sendo esta afinal a que mais vezes ali foi experimentada, sempre com um objetivo de servir uma específica mensagem e a ritualidade a ela associada. O próprio tema da iconografia de Fátima interessou autores das mais variadas sensibilidades e cunhos estéticos, desde os mais associados a um academismo passadista aos que se muniram de estéticas mais ousadas. Nomes cimeiros do mundo artístico nacional e internacional fazem parte do inventário dos artistas que trataram o tema da Virgem de Fátima, desde António Teixeira Lopes a José de Almada Negreiros, de Leopoldo de Almeida a Salvador Barata Feyo, de Maria Amélia Carvalheira da Silva a Raul Xavier, de Canto da Maia a Álvaro de Brée, de António Duarte a Domingos Soares Branco, de Irene Vilar a Luiz Cunha, de Clara Menéres a Nuno de Siqueira, a Benedetto Pietrogrande, Salvador Dalí, se quisermos citar um ou dois nomes estrangeiros, entre tantos que poderíamos juntar ao rol.
Por que dedica o seu trabalho “aos peregrinos do Belo”?
MDD – A dedicatória assenta na consciência que me leva a ter cada vez mais claro que arte e beleza, não obstante alguns movimentos estéticos residuais, são dois binómios que se encontram umbilicalmente associados desde as primeiras manifestações artísticas da humanidade. Ao olhar para o Santuário de Fátima, lugar de peregrinação por excelência, vejo muitos peregrinos que procuram essa beleza que é visivelmente conotada com Deus e vejo também muitos outros que são atraídos pela beleza que fala de Deus, mesmo que a não entendam como a «beleza sempre antiga e sempre nova» de que falava Santo Agostinho. A todos eles dedico este labor.
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