Por Daniel Camargos
O fotógrafo de Congonhas Sandoval Souza Pinto Filho é frequentador contumaz do adro da basílica e busca, quase diariamente, luzes e ângulos distintos para registrar os profetas. Em uma foto inusitada, com a ajuda de uma escada, fotografou o leão ao pé do profeta Daniel, como se o bicho fizesse uma selfie. “Quando olhei a foto fiquei impressionado, pois o rosto do leão parecia com o de uma pessoa e a mão do profeta também poderia ser a mão dessa pessoa”, explica Sandoval, que além de fotógrafo é diretor de Meio Ambiente da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unacon) e membro da Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas (Aclac).
O que instigou a imaginação de Sandoval foi a leitura do romance histórico que ele encontrou em um sebo: E eles verão a Deus – O drama do Aleijadinho, de Kurt Pahlen. “Mestre Antônio tinha feito S. Jorge com os traços do governador... Era uma vergonha; em todo o caso quase escondia seus traços... Mas o dragão... O dragão! A cabeça do monstro tinha os traços grosseiros do secretário! Quá, quá, quá! Romão, o dragão! Romão, o dragão...”, escreveu Pahlen no livro sobre uma passagem em que Aleijadinho teria representado o rosto de um secretário da então Vila Rica no dragão que acompanha São Jorge.
Especialista na obra de Aleijadinho, o escultor Luciomar Sebastião de Jesus é enfático ao afirmar que Aleijadinho não teve a intenção de transformar o leão em uma pessoa quando visto por outro ângulo. “No Renascimento, isso era muito comum, mas no Barroco não tinha isso”, afirma, comparando os dois estilos, sendo o último o da época de Aleijadinho. Porém, o escultor, que atualmente ocupa o cargo de diretor de Patrimônio da Prefeitura de Congonhas, entende que interpretações que buscam mensagens subliminares são comuns. “O bacana da arte é isso. O artista não é o dono da obra dele”, relativiza Luciomar.
“São esses mistérios que valorizam o mundo”, destaca o artista plástico José Efigênio Pinto Coelho, que também é escritor e pesquisador do Barroco Mineiro. Para José Efigênio, é importante trabalhar outras percepções e não se ligar apenas aos estudos acadêmicos. “Para eles (acadêmicos), é tudo pedra sobre pedra, mas a arte tem momentos poéticos”, afirma. O artista plástico, que vive em Ouro Preto, cita o exemplo da Santa Cecília, que fica na Igreja do Rosário (a da paróquia do Pilar), que, quando vista de um lado, é um soldado romano, e de outro é a imagem da santa.
Na mesma basílica de Congonhas onde Sandoval vislumbrou o leão há uma ilusão de ótica conhecida e que, inclusive, alguns guias contam para os turistas. Ao observar a portada da igreja de um determinado quadrado no chão é possível – focando a visão na coroa de espinhos sobressaltada – ver uma imagem sombreada do rosto de Jesus Cristo. O topete do anjo forma o que seria o nariz do Cristo, e o restante do rosto do anjo, dependendo de como a luz incide, a boca e barba.
Ao ver a equipe de reportagem tentando fotografar a ilusão do mestre do barroco, a professora de português Carmen Gomez, de Porto Alegre (RS), tentou enxergar e ficou encantada com o que vislumbrou. “Nada é por acaso. Com certeza ele (Aleijadinho) deve ter pensado nisso”, afirma a turista gaúcha, que diz ter conseguido ver a imagem de Cristo somente quando cerrou um pouco os olhos. Ficou mais satisfeita ainda ao saber que, segundo reza a lenda, somente aqueles que enxergam Cristo na portada da igreja irão para o céu.
TEORIAS Há mais de 30 anos, a pesquisadora Isolde Helena Brans publicou o livro Profetas ou conjurados?, que defende a tese de que os 12 profetas no adro da basílica, em Congonhas, seriam uma representação dos conjurados da Inconfidência Mineira. A tese de Isolde entende que, como Aleijadinho era reprimido pela Coroa, ele se valeu de subterfúgios para imortalizar os que tentaram a independência do Brasil.
O escultor Luciomar, assim como vários estudiosos da obra de Aleijadinho, não concorda com a teoria de que os profetas seriam inconfidentes. Luciomar também não acredita nas teses de que Aleijadinho seria maçom e fez os dedos de alguns profetas aludindo à letra M. Porém, o escultor tem sua própria teoria para explicar por que três das seis capelas com os Passos da Paixão, que integram o conjunto da Basílica do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, têm passagens do evangelista João.
“São seis capelas, sendo que os outros três evangelistas (Mateus, Lucas e Marcos) têm as inscrições em apenas uma e João ficou com três”, detalha Luciomar. O artesão já detalhou sua teoria para um padre, que, segundo ele, viu muito sentido. Luciomar fez uma relação complexa entre os trechos dos evangelistas no alto de cada capela, as imagens representadas e os animais com que cada um dos evangelistas eram representados.
Fonte: EM
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