segunda-feira, 5 de maio de 2014

USP cria acervo digital em 3D das obras de Aleijadinho

Trabalho coordenado pela USP produz site com imagens tridimensionais e em alta resolução de obras do mestre barroco

Por Roberta Machado



Os profetas, expostos no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, são algumas das obras que podem ser vistas em detalhes no site

Brasília – O bicentenário da morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, inspirou uma equipe de brasileiros a criar um acervo digital do mestre barroco. O Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC/USP), em São Carlos, digitalizou algumas das mais importantes obras do escultor e reuniu o trabalho em um site que funciona como uma verdadeira galeria virtual. Na página, qualquer um pode ter acesso gratuito a uma reprodução 3D dos adornos feitos pelo artista e interagir com elas de uma forma que seria impossível em um museu de verdade.

A equipe selecionou obras que estão à disposição da população ao ar livre. Como essas peças estão sujeitas à ação do tempo de forma mais acelerada que as esculturas de coleções particulares, o registro detalhado ajuda a preservar a aparência original dos trabalhos. Os pesquisadores foram a duas cidades mineiras e colheram as imagens no Adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, e em três igrejas de Outro Preto: a da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, a da Nossa Senhora do Carmo, e a de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia.

A missão artístico-tecnológica teve início em junho do ano passado. Armados de um escâner tridimensional de alta precisão, os especialistas foram capazes de digitalizar estátuas e adornos dos templos sem removê-los do lugar nem isolar a área de trabalho. O serviço foi feito assim mesmo, em meio aos turistas, que também estavam interessados em fotografar as obras e procuravam vê-las de perto. “A luminosidade era um problema porque o céu nublado, com sol ou escurecendo, resultava em muitas variações no escaneamento. Tivemos de repetir muita das fotos”, lembra o coordenador do projeto e professor do ICMC, José Fernando Rodrigues Júnior.

O equipamento de última geração foi colocado em frente às obras, de onde emitia um laser que varria toda a área em volta (veja infografia acima). Cada saliência e cada curva das peças barrocas foram traduzidas em uma nuvem de pontos que servia como um enorme mapa volumétrico. “Para adquirir toda a informação, é necessário instalar a máquina em posições diferentes”, explica Rômulo Assis, especialista cedido gratuitamente para esse projeto pela Leica Geosystems, a mesma empresa que também emprestou o escâner de alta resolução. “Para uma estátua, umas três posições são o suficiente”, estima Assis.



O trabalho resultou em um grande volume de dados brutos. Cada uma das obras escaneadas chegou a gerar mais de 2Gb de informações, que, apesar de detalhadas, pouco lembravam os modelos originais. A maior parte do serviço veio depois, quando esses dados foram tratados, remodelando os objetos de acordo com os guias fornecidos pelo escâner. Com a ajuda de um computador, a equipe fez um detalhado jogo de ligue os pontos chamado triangulação, criando as minúsculas superfícies que mais tarde deram forma às peças virtuais.

Durante essa etapa, Rodrigues Júnior e seus colegas também se encarregaram de fechar verdadeiros buracos deixados pela digitalização. A iluminação ruim e a posição estática das peças esconderam alguns pontos. “O mais difícil foram os profetas”, conta o professor, referindo-se aos 12 profetas de Aleijadinho, que ficam no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. “Pode não parecer, mas algumas estátuas são muito altas, então tivemos de escaneá-las 12 vezes, de diferentes ângulos, para completar a informação. E, ainda assim, algumas partes ficaram faltando.”

Fidelidade Depois dessa etapa, o resultado era uma série de representações muito parecidas às obras originais, mas ainda de aspecto artificial. Quando dá volume aos objetos, o software de computador cria texturas de metal ou de plástico – que nada têm a ver com o trabalho artístico de Aleijadinho. Para deixar os adornos com aparência mais realista, os pesquisadores do ICMC contaram com o apoio de uma empresa especializada em coloração de imagens em três dimensões. Os peritos usaram fotografias das obras como referência e aplicaram os tons de pedra e de madeira na superfície virtual.

Por fim, a equipe precisou reduzir o tamanho dos arquivos sem sacrificar a resolução da imagem para tornar o resultado acessível a qualquer internauta. Essa fase, chamada decimação, foi feita com um software livre. Os arquivos foram processados com um plugin especial que permite a interação 3D com os objetos virtuais.

Os modelos tridimensionais foram colocados no ar há duas semanas, com vídeos que ajudam a ver a rotação das peças. Os usuários também podem clicar nos objetos e girá-los para vê-los de outros ângulos, nem sempre visíveis até mesmo para quem interage com as obras reais. Embora não seja perfeita, a qualidade da reprodução é suficiente para agradar aos interessados pelo trabalho de Aleijadinho, e até mesmo especialistas. “Obviamente, trata-se de montagem fotográfica. Nem o mais moderno sistema será a mesma coisa que ver a obra in loco”, diz Marcelo Coimbra, curador da exposição Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho, atualmente em cartaz em Brasília. “Mas acho que acrescenta mais do que se perde. Em relação a passear em 3D, achei formidáve”, elogia Coimbra.

Para a equipe do ICMC e para o curador, o projeto tem grande potencial educativo. O ambiente virtual pode gerar mais interesse nos jovens pela arte barroca do que uma simples ilustração em um livro didático. “É importante dar essa oportunidade como um primeiro acesso. Principalmente ao estudante, que será estimulado a conhecer melhor a obra”, ressalta. A qualidade da reprodução tridimensional seria suficiente também para outros projetos, como a produção de cópias dos adornos feitas em uma impressora 3D.

A iniciativa é apoiada pela Comissão de Cultura e Extensão do ICMC, pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP e pelo Museu de Ciências da universidade, que já manifestou o desejo de desenvolver uma exposição virtual a partir desse trabalho. O ICMC também deve continuar a realizar o trabalho de digitalização do patrimônio histórico brasileiro, embora ainda não tenha revelado que outras obras ganharão modelos virtuais.


SAIBA MAIS
Um artista misterioso

Antonio Francisco Lisboa (1738-1814), mais conhecido como Aleijadinho, tem uma biografia marcada por lacunas e dúvidas. Muito não se sabe sobre esse artista e arquiteto brasileiro, mas a versão mais conhecida de sua história dá conta de que ele era um mestiço, filho do arquiteto e mestre de obras português Manuel Francisco Lisboa e de uma de suas escravas. Estima-se que ele tenha sido acometido, por volta dos 40 anos, por uma doença degenerativa (hanseníase, porfiria e poliomelite são algumas das possíveis condições), o que teria rendido a ele o famoso apelido. Qualquer que fosse a condição de saúde do mestre escultor, é sabido que a limitação o obrigava a trabalhar com ferramentas amarradas às mãos. Seu estilo inovador tornou-se um expoente da arte colonial no Brasil e até hoje é admirado pelo conjunto de belas obras sacras em madeira e pedra-sabão.

Acesse e visite

» As obras digitalizadas de Aleijadinho podem ser vistas no site www.aleijadinho3d.icmc.usp.br.

» Para quem for à capital federal, uma dica é visitar a exposição Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho, em cartaz na Caixa Cultural Brasília até dia 11. Visitações de terça-feira a domingo, das 9h às 21h.

Fonte: EM

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