quarta-feira, 7 de maio de 2014

MG – Falsificações de esculturas de Aleijadinho são frequentes e aparecem até em catálogos

No ano do bicentenário da morte do mestre, especialistas denunciam falsificações até em mostras oficiais. comitê liderado pelo Iphan estabelecerá com testes paternidade de obras.
Elias Layon e o catálogo com peças cuja autoria ele reivindica, mas que são atribuídas ao gênio do barroco.
Elias Layon e o catálogo com peças cuja autoria ele reivindica, mas que são atribuídas ao gênio do barroco.

Mariana – O ano de 2014 marca o bicentenário da morte de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), e acende o sinal vermelho para falsificações de obras do mestre do barroco nascido em Ouro Preto. Segundo denúncias, há imagens em exposição que não passam de cópias, venda de objetos sacros “envelhecidos” como se fossem dos séculos 18 e 19, autenticações de autoria  sem respaldo técnico e até presença, em livros, de peças da lavra de artistas contemporâneos creditadas ao arquiteto, entalhador e escultor mineiro. Autoridades federais e o Ministério Público de Minas estão vigilantes e alertam para o que, além de um escândalo cultural, pode ser enquadrado como estelionato. Uma comissão nacional deve ser formada para examinar a autentuicidade de  peças atribuídas ao gênio. Em Mariana, na Região Central do estado, a situação deixa indignado o artista plástico Elias Layon, com 50 anos de experiência e dono de ateliê no Centro Histórico. “É um absurdo, uma desmoralização ao patrono das artes no Brasil.”

O motivo da irritação do artista, conhecido como “pintor das brumas”, está em duas páginas de O Aleijadinho – Catálogo geral da obra/Inventário das coleções públicas e particulares, de autoria de Márcio Jardim, Herbert Sardinha Pinto e Marcelo Coimbra, com quase 500 peças fotografadas e descrições detalhadas. Layon se declara autor de São Joaquim, de 23 centímetros de altura e esculpido em madeira – o original de Antonio Francisco Lisboa se encontra no Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana – e de Nossa Senhora da Expectação, de 22cm, também em madeira. A relíquia verdadeira é fruto da oficina de Aleijadinho, e não propriamente do mestre. Curiosamente, as duas peças originais, em que o escultor diz ter se inspirado, também estão publicadas no catálogo.

“Aleijadinho não merece tal afronta, nem eu mereço semelhante glória. Esculpi as duas imagens na década de 1980 e as vendi, explicando que eram cópias. Para minha surpresa, vi no livro que rasparam meu nome, mudaram a policromia e ainda amputaram o braço direito de São Joaquim”, conta o artista, que aponta, na foto do livro, um pino na madeira característico de seu trabalho.

O episódio motivou uma “carta-desabafo” encaminhada por ele à ministra da Cultura, Marta Suplicy, pedindo providências sobre as falsificações, e outra a Márcio Jardim. Na sequência, Layon diz ter sido contatado pelo ministério e recebido correspondência de Jardim. Na semana passada, houve suspeita de que as duas peças integrassem mostra no espaço cultural da Caixa Econômica Federal em Brasília, mas técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estiveram no local e nada constataram.

Ao olhar cuidadosamente o catálogo, Layon, que faz um trabalho no estilo neobarroco e pesquisa a obra de Aleijadinho há décadas, diz ter verificado que há mais de 200 peças que nunca passaram pelas mãos do gênio do barroco ou pela oficina dele em Ouro Preto. E acrescenta que vai enviar correspondência a outros autores de livros igualmente dedicados a Antonio Francisco Lisboa, informando sobre equívocos nas atribuições – termo que define estudos indicando a autoria da peça, com base nas características, estilo etc., adotados quando não há provas documentais da origem da obra.

Diante do problema, que pode se agravar agora que o nome de Aleijadinho está mais do que nunca em evidência, Layon defende a criação de uma comissão nacional de especialistas para atestar a autenticidade das peças. A providência já foi anunciada pelo Iphan e deve ser adotada ainda este ano.

Controvérsia – Na carta em resposta aos questionamentos de Layon, Márcio Jardim escreveu: “Respeito sua opinião, mas não concordo com ela, como é natural. A sua dúvida, especialmente quanto à autoria do Aleijadinho, é a mesma que venho encontrando há mais de 30 anos, desde que comecei a procurar as coleções particulares, coisa que ninguém fez antes de mim, isso em 1981. (…) Até hoje, nenhum outro pesquisador teve também a coragem e disposição para viajar e vê-las pessoalmente. Não estranho suas dúvidas; várias pessoas têm me apresentado as mesmas opiniões, algumas com incrível violência, acredite”, diz um trecho do texto. “Desde já, apoio incondicionalmente sua ideia de se criar uma comissão nacional , organizada pelo Iphan, com a participação do Iepha-MG e outras instituições, para se fazer a relação oficial, o que, aliás, já foi feito pelo Iphan em 1951”. O Estado de Minas tentou por diversas vezes contato com Márcio Jardim, por telefone, sem sucesso.

Instituto de Museus pede providências contra ‘desova de obras falsas’ de Aleijadinho
Representante do Instituto Brasileiro de Museus questiona equívocos em exposição de peças atribuídas ao gênio mineiro e defende providências para estancar a ‘desova de obras falsas’.
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O presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Angelo Oswaldo de Araújo Santos, enviou no dia 22 e-mail ao coordenador das Promotorias do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, destacando que “a apresentação pública de obras falsas do patrono da arte do Brasil é um atentado ao patrimônio histórico e artístico de Minas Gerais, do país e da humanidade”. Ele visitou a exposição Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho, na Caixa Cultural, com 140 peças, 47 das quais atribuídas a Aleijadinho, e verificou que há enganos nas atribuições. “Não podemos admitir que atribuições superficialmente embasadas consagrem equívocos. A obra de Antonio Francisco Lisboa constitui o acervo artístico mais importante do Brasil, por ser ele o patrono das artes e patrimônio cultural da humanidade, pelo conjunto do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, e de Ouro Preto, primeira cidade brasileira reconhecida, em 1980, como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) devido ao legado de Aleijadinho.”

Angelo Oswaldo também defende a criação de um comitê para avaliar a obra e diz que já conversou a respeito do assunto com a presidente do Iphan, Jurema Machado. “Não se trata de uma questão de controle ou censura, mas precisamos de um catálogo exaustivo sobre a obra de Aleijadinho, de forma a orientar – para que fiquem atentos – os que trabalham na preservação e conservação de bens culturais, estudiosos da história da arte, museólogos e outros profissionais. É inadmissível continuar essa desova de obras falsas sem que haja reação”, afirmou.

A presidente do Iphan, Jurema Machado, informa que no segundo semestre será formada comissão para fazer um trabalho científico e consolidar todas as informações sobre a obra de Aleijadinho. “Já está passando da hora”, disse Jurema, que deverá contar com a participação de profissionais não só da instituição que dirige, mas também do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor), da Escola de Belas-Artes (EBA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), profissionais de outros órgãos e especialistas independentes. “Já venho conversando com o presidente do Ibram, Angelo Oswaldo de Araújo Santos, sobre isso e vamos buscar um equilíbrio nessa situação”, disse a presidente do Iphan.

Perícia – São muitas as denúncias sobre a falsificação de bens culturais que chegam ao Ministério Público de Minas Gerais . Titular da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda cita como exemplo a escultura Soldado romano, inicialmente atribuída a Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A peça de madeira, com 2,05 metros de altura, estava em Embu das Artes (SP) e chegou a Belo Horizonte em dezembro de 2005 para perícia no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). “Depois de feito exame de raios X, os restauradores verificaram que se tratava de escultura feita com vários tipos de madeira, inclusive com parafusos no interior. Nada de colonial, muito menos de Aleijadinho.”

Na época, o caso foi divulgado pelo Estado de Minas. A entrega foi intermediada pelo MP, via CPPC e o antiquário paulista Marcelo Aguila Arco, que estava com a peça, assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) na presença dos promotores de Justiça Fernando Galvão da Rocha e Souza Miranda. Foi instaurado procedimento administrativo para apurar a origem e a autenticidade do Soldado romano e, na sequência, Aguila cooperou nas investigações, entregando o objeto para perícia.

Outros casos registrados recentemente incluem a análise técnica de uma arca que estava à venda em um antiquário de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes. “O objeto era comercializado como pertencente à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de uma antiga vila do ouro de Minas, constando até a data. Depois, verificou-se que a data era anterior à própria criação da irmandade e o comerciante confessou que era uma imitação”, diz o coordenador do CPPC. Ele destaca ainda a apreensão de uma peça de cantaria, que era cópia de uma portada e havia sido envelhecida para parecer antiga, sendo exposta à venda.

Para Marcos Paulo, a situação é preocupante e tende a se agravar em razão das comemorações do bicentenário de Aleijadinho. Segundo ele, é fundamental a presença maior do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para autenticar ou não uma peça, o que está bem explícito no artigo 28 do Decreto-lei 25, de 1937. “O comerciante que põe à venda uma peça fraudada  comete estelionato. E exibir peças falsificadas ou adulteradas não passa de embuste. Se houver cobrança de ingresso, pior ainda, pois as pessoas vão pagar para ver o que é falso. Isso afronta a proteção do patrimônio cultural e até mesmo os direitos do consumidor”, afirma o promotor de Justiça.

Vida e obra de um gênio
Antonio Francisco Lisboa nasceu em 29 de agosto de 1738, no Bom Sucesso, Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto. Era filho natural do mestre-arquiteto português Manuel Francisco Lisboa e da sua escrava Isabel. Quando menino, frequentou o internato do Seminário dos Franciscanos Donatos do Hospício da Terra Santa, em Ouro Preto, onde aprendeu gramática, latim, matemática e religião. Em 1763, fez a primeira intervenção com características arquitetônicas: o frontispício e torres sineiras da Matriz de São João Batista, em Barão de Cocais. A imagem de São João Batista para o nicho da fachada e a cartela do fecho do arco-cruzeiro são também da sua autoria. Três anos depois, executou o projeto da Igreja de São Francisco de Assis, as imagens do frontispício e a fonte-lavabo da sacristia.

Em 1790, o arquiteto, escultor, entalhador, mestre e louvado (perito) recebeu o apelido de Aleijadinho, com o qual passou à história. A sua obra é elogiada no levantamento de fatos notáveis, ordenado pela Coroa em 1782 e elaborado pelo segundo vereador da Câmara da Cidade de Mariana, capitão Joaquim José da Silva. De 1790 a 1794, ele se ocupou do retábulo do altar-mor da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, com uma grande equipe de oficiais de talha (Henrique Gomes de Brito, Luiz Ferreira da Silva e Faustino da Silva Correia). A obra é o coroamento da atividade de escultor e entalhador.

De 1796 a 1799, ele trabalhou nas capelas que recriam a via-crúcis, em Congonhas, e produziu o conjunto de 64 esculturas em tamanho natural. Os Passos da Paixão de Cristo têm, nas paredes, as pinturas bíblicas de Manoel da Costa Ataíde (1762-1830). Aleijadinho morreu em 18 de novembro de 1814, aos 76 anos, segundo certidão de óbito arquivada na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição.

Cidade de Itu é palco de recente controvérsia sobre obras de Aleijadinho
Município paulista ,que tem proposta de criar museu da obra do artista mineiro, vive polêmica sobre peça que seria o seu segundo santo negro.
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Chegam de uma cidade do interior paulista as mais recentes polêmicas envolvendo o nome de Antonio Francisco Lisboa. “O absurdo mais recente é a proposta de criação de um museu dedicado a Aleijadinho em Itu (SP), por onde, pelo que se sabe, ele nunca passou”, ataca o artista plástico Elias Layon, de Mariana, com 50 anos de experiência no ramo e que pesquisa há décadas a obra do mestre do barroco mineiro. A proposta é criticada também pelo presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Angelo Oswaldo de Araújo Santos, que a considera “um exagero”.

Além da ideia controvertida, Itu foi a origem de outra polêmica recente envolvendo o nome de Aleijadinho. Há duas semanas foi localizado em antiquário uma imagem de São Benedito das Flores, santo negro esculpido em madeira, com 26,5 centímetros de altura e possivelmente feito entre 1761 e 1780. Em entrevista à imprensa de São Paulo, o pesquisador Marcelo Coimbra, a quem foi confiado o achado, informou que a peça sacra tem características de outras obras do gênio. Se confirmada a atribuição, será a segunda imagem de personagem negro associada ao escultor – a outra é uma representação do rei mago Gaspar, produzida entre 1775 e 1790, em exposição no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Coimbra é curador da exposição na Caixa Cultural, em Brasília, e autor da ideia do museu no estado de São Paulo.

Pesquisador do tema, o escultor Luciomar Sebastião de Jesus, de Congonhas, na Região Central, viu a foto de São Benedito das Flores em um site de notícias e não notou similaridades. “A peça não se parece com outras de Antonio Francisco Lisboa”, disse Luciomar, acreditando que, com a lembrança do bicentenário de morte do artista, “muitas peças vão aparecer como sendo de autoria dele”. “É impossível afirmar sem documentação”, alerta. O restaurador e professor Antônio Fernando Batista dos Santos também viu a notícia na internet e afirmou que a imagem não traz referências suficientes que possam ser atribuídas a Aleijadinho. E especificou o panejamento (vestes), que não traz as marcas, como “dobras marcantes e elaboradas”.

Marcelo Coimbra informou que não há registro formalizado de atribuição da autoria do santo, havendo, no entanto, um estudo cuidadoso dos estilemas “levando-nos à possibilidade de sua autoria ser atribuída ao mestre Aleijadinho”.

Assinatura do Gênio – Para facilitar a vida de quem verá este ano as exposições e outros eventos dedicados a Aleijadinho, estudiosos do barroco mineiro apontam os principais traços comuns, os chamados estilemas presentes nas suas peças. Para os leigos é mais difícil identificar as descaracterizações, mas conhecedores percebem logo as adulterações, inclusive se a finalidade foi mal-intencionanda. De todo jeito, vale a orientação preciosa da professora de história da arte da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Adalgisa Arantes Campos, especialista em barroco: “A obra de Aleijadinho é expressionista, deforma conscientemente para causar emoção”. Uma bela referência é a imagem de São Simão Stock, da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Três perguntas para Marcelo Coimbra, consultor de exposição sobre aleijadinho e um dos autores do catálogo com obras do mestre:

1 - Um artista plástico de Mariana informa que há duas imagens (São Joaquim e Nossa Senhora da Expectação) no Catálogo Geral da Obra, de sua autoria, Márcio Jardim e Herbert Sardinha Pinto. Ele diz que as duas foram esculpidas por ele em 1980 e não por Aleijadinho. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Não há identificação, quer seja do autor da informação, quer seja das obras, com detalhes merecedores de uma análise mais minuciosa. Considero na realidade essa afirmação meramente gratuita.

2 - É verdade que o senhor quer instalar um Museu do Aleijadinho em Itu (SP)? De onde são essas peças? E por que em Itu?
São questões que, no momento, não estão em cogitação, porque estamos focados na exposição itinerante Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho com patrocínio da Caixa e do governo federal.

3 - Na exposição em cartaz em Brasília, todas as obras são genuinamente de Aleijadinho? Quem fez as atribuições e com base em quais critérios?
Genuinamente, só se poderia afirmar sem nenhuma margem de erro se o próprio autor confirmasse sua autoria com minúcias. Quanto às atribuições e critérios, os mesmos já estão detalhadamente registrados no catálogo oficial da exposição que está sendo realizada na Caixa Cultural, em Brasília
(www.exposicaoaleijadinho. com.br).  

Por Gustavo Werneck
Fonte: em.com.br

Um comentário:

  1. Como trabalhei no IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional, em Ouro Preto e Mariana, de novembro de 1966 a fev. de 1972, estou atento, e acompanhando,a notícia estarrecedora da falsificação de obras do Mestre Antônio Francisco Lisboa, no ano em que se comemora o bicentenário de seu arrebatamento. Parabéns Layon e Ângelo Oswaldo, pelo bom combate. Obrigado, Rodolfo Khristianos pela divulgação no seu blog. Estou repassando.

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