Luiz Antonio Sales Monteiro trabalhando na restauração da Capela do antigo Externato São João. Foto: Dominique Torquato/AAN
O início da restauração da capela da Obra Social São João Bosco, antigo Externato São João, no Centro de Campinas, já revela tesouros escondidos sob camadas de tinta. O sacrário do altar, hoje pintado com uma tinta marrom, era coberto por folhas de ouro que serão recuperadas. A cor original da capela também é bem diferente do ocre que escurece o ambiente hoje: o local era claro e iluminado, em um tom pastel.
Fundado em 1909 por padres salesianos, a obra social está instalada em um prédio histórico ainda mais antigo, de 1860, que pertencia a Estanislau de Campos Salles.
O local, tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Cultural de Campinas (Condepacc), passou por diversas reformas ao longo dos anos que descaracterizaram a arquitetura original. A obra delicada que dará vida nova ao Externato inclui, além da capela, o teatro e três salas de aula antigas. A expectativa é que o restauro, que começou há dois meses, fique pronto em quatro anos.
Na capela, a restauração será dividida em três etapas e contará com uma equipe de três profissionais. A primeira fase é a preparação, segundo restaurador Luiz Antônio Sales Monteiro. Nela, os profissionais devem descobrir quais era as cores de tinta e os materiais usados originalmente na capela. Para isso, Monteiro descasca, de forma cuidadosa, a parede em pontos determinados.
“Descobrimos quatro camadas em alguns pontos e três em outros”, disse Monteiro.
Quando a capela foi inaugurada, a parte inferior de suas paredes (de 1,20 metro de altura) foram pintadas com uma técnica chamada escaiola, e tinha coloração rosada.
A técnica combina tinta, gesso, pó de mármore e cola para criar uma textura parecida com superfícies de pedras decorativas, como granito e o próprio mármore. “É uma técnica muito comum no século 18 e 19, usada em igrejas para simular pedras.” Acima do 1,20 metro de escaiola, o tom que prevalecia na igreja era o pastel. “Uma cor muito mais clara que a usada hoje. Dava mais amplitude ao ambiente, deixava a igreja mais iluminada.”
No altar, o sacrário tinha folhas de ouro nas bordas. Os capitéis também são banhados pelo metal, mas foram completamente cobertos por uma tinta marrom. Monteiro disse que ficou surpreso ao
constatar que as folhas de ouro estavam preservadas, mesmo sob a cobertura grosseira. “Muitas vezes o ouro escurece quando está coberto de tinta. Mas aqui ele não escureceu. Deve ter sido feito um trabalho bom de preparação para colocação das folhas de ouro”, explicou o restaurador. Padres de algumas igrejas cobriam o ouro do altar com tinta para evitar o roubo das peças, mas a quantidade do metal precioso na capela do Externato não justificaria a atitude, de acordo com Monteiro.
Outra peculiaridade da capela são as 16 pilastras redondas que dão sustentação ao teto. Em vez de terem sido fabricadas de concreto armado ou madeira, elas são feitas de ferro e preenchidas com um tipo de argamassa da época. O restaurador disse que hoje não há mais chapas de ferro deste tamanho para serem usadas em obras menores como de capelas. Da capela original, uma das poucas coisam que restam é o piso hidráulico, que forma um mosaico bege e marrom.
Depois de terminada a parte interna da igreja, os profissionais irão trabalhar na fachada da capela, hoje fechada para visitação. Serão recuperadas as grandes janelas e as paredes também serão pintadas da cor original.
Custos
Apesar de a equipe ter começado a preparação para a restauração, para que ela comece de fato o colégio precisa de autorização para a venda de seu potencial construtivo pelo Condepacc e Prefeitura. O documento permitirá a negociação “virtual” da metragem do imóvel tombado, transferindo essa metragem para construção em outra área da cidade.
A parte tombada pelo Condepacc tem cerca de 3 mil metros quadrados e Monteiro calcula que quada metro possa ser vendido de R$ 3 mil a R$ 6 mil. O valor do restauro não foi divulgado.
A lei do potencial construtivo permite ao proprietário a construir até 20% a mais do que a lei de uso e ocupação do solo permite no local, mas em outra região da cidade. Só estarão proibidos de usar a legislação os proprietários de bens naturais ou de interesse ambiental, sobre os quais pesam restrições ou impedimentos à edificação.
O proprietário que desejar utilizar o mecanismo também poderá negociar o Certificado de Potencial Construtivo (CPC-T) no mercado.
Imóvel foi residência da família Campos Salles
Muito antes de abrigar o Externato São João, o número 479 da Rua José Paulino, havia sido residência da família de Estanislau Campos Salles. No entanto, no fim do século 19, com a epidemia de febre amarela, muitas famílias foram embora da cidade, fixando moradia em outros locais da região. Foi este o caso da família Campos Salles: a propriedade com a mansão e o imenso pomar que tomava todo o quarteirão foi vendida aos salesianos. O casarão histórico do Externato São João foi redimensionado no início dos anos 1900 para sediar um projeto voltado exclusivamente para jovens carentes na área central.
A escola atraiu diversas pessoas durante 85 anos. E no começo atendia somente meninos, gratuitamente. Em 1970 já era uma tradicional escola da cidade, mas começou a cobrar mensalidade. Em 1990 introduziu o ensino misto atendendo também meninas. Denominada Obra Social São João Bosco desde 1994, hoje atende crianças carentes.
Por Cecília Polycarpo
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