Problemas estruturais, trincas, infiltrações e cupins afetam bem cultural.
Uma comunidade unida para defender seu patrimônio e disposta a lutar pela restauração de seu bem cultural e espiritual mais precioso. Autoridades municipais, religiosos e moradores do distrito de Piedade do Paraopeba, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, temem pela situação da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, que completou 300 anos em 8 de setembro e sofre com problemas estruturais, trincas, infiltrações, gambiarras na parte elétrica, descaracterização da arquitetura barroca, deterioração das madeiras e afins, como o ataque de cupins. “Houve muita perda, intervenções e a igreja se mantém de pé.
Não queremos em hipótese alguma que o templo seja interditado”, diz o administrador paroquial, padre Paulo Eustáquio Cerceau Ibrahim, mostrando o escoramento do coro com madeira.
Para discutir o assunto, diz padre Paulo, foi realizado, em outubro, um seminário com participação de arquitetos, historiadores, especialistas de órgãos federais, estaduais e municipais e instituições ligadas à preservação. “A igreja tem diversos estilos, há duas lajes no lugar do forro, que foram colocadas pelos padres holandeses que estiveram aqui, e muitas alterações, embora as telhas originais tenham permanecido”, diz padre Paulo, enquanto observa as torres e o campanário, que se moveram e preocuparam ainda mais o administrador paroquial. “Aqui é uma caixa de pandora. Com a obra, vamos ter muitas surpresas”, afirma ele, que guarda em local seguro pedaços de retábulos, tarjas e outros objetos dos primórdios da construção colonial tombada pelo município.
O início da elaboração do projeto de restauro, feito pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob coordenação do professor Flávio Carsalade, é um sinal importante para impedir a derrocada do templo. “A partir daí, vamos buscar parceiros, entre as empresas que atuam na região, para fazer o serviço. A prefeitura também poderá participar com recursos”, adianta o vice-prefeito de Brumadinho, Breno Carone, que se encontrou, na tarde de ontem, com o padre Paulo para discutir o assunto. “Piedade do Paraopeba é porta de entrada para a maioria dos visitantes que seguem para o Instituto Inhotim e muitos deles param para tirar fotos da igreja. Com o restauro, o turismo religioso será fortalecido e a população, estimada em 3 mil pessoas, vai ganhar muito”, diz Breno.
Igualmente entusiasmado, Carsalade lembrou que o projeto estará pronto em seis meses. “Trata-se de um caso muito especial. A matriz é barroca e passou por muitas intervenções ao longo do tempo. Agora, vamos fazer prospecções para avaliar os riscos. De todo jeito, a matriz inspira cuidados”, disse o professor. Mesmo com as ameaças, o templo está aberto para missas, casamentos e batizados, e o padre explica que, se o projeto for concretizado, as celebrações religiosas serão transferidas para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Esperança
Fotografias do início do século passado, relatos de antigos moradores, documentos históricos e outros registros são fundamentais para ajudar no restauro da matriz. Lúcida e bem-humorada nos seus 92 anos, Argemira Gomes da Silva é a memória viva da igreja onde foi batizada, se casou e trabalhou durante duas décadas, tocou harmônio e regeu um coral. “Esta igreja é ‘meu tudo’. Queira Deus que eu tenha bastante saúde para vê-la prontinha”, afirma Argemira na varanda de sua casa, localizada atrás da matriz. A simpática senhora se lembrou de detalhes fundamentais: “O piso, hoje de cerâmica, tinha tábuas de madeiras, largas. Já o forro era pintado com cenas do céu e do purgatório”, conta Argemira, sem tirar as mãos do inseparável terço.
Saiba mais: os primórdios
História é o que não falta ao distrito de Piedade do Paraopeba, que surgiu por volta de 1680 pelas mãos de integrantes da Bandeira de Fernão Dias Paes Leme. Nos seus estudos, o engenheiro e pesquisador Euler de Carvalho Cruz verificou que a primitiva Capela de Nossa Senhora da Piedade do Paraopeba teve seu patrimônio instituído por Bento Rodrigues da Costa, em escritura de 27/2/1729. Estabelece o documento lavrado em Sabará que Rodrigues comprou do sargento-mor Leslico de Pontes Pinto terras e capoeiras em que havia uma capela, que foi reedificada e doada a Nossa Senhora da Piedade. O templo passou por reconstruções: a capela foi demolida, sendo erguida uma com esteios de braúnas e paredes de pau a pique e com telhas curvas; em 1896 a edificação ganhou duas torres, relógio e sino; em 1969, a igreja ganhou paredes de alvenaria e piso de ladrilho hidráulico.
Por Gustavo Werneck
Fonte: em.com.br
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