quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Restauração de pintura de Da Vinci divide especialistas em arte



Quadro de Leonardo da Vinci "A Virgem e o Menino com Santa Ana", que é restaurado pelo Museu do Louvre, em Paris

“A Virgem e o Menino com Santa Ana”, de Leonardo da Vinci, não tem a mesma fama que a Monalisa. Mas para o Museu do Louvre, é uma obra de arte tão valorizada quanto.

Agora há uma batalha quanto à restauração da pintura, colocando o museu e alguns especialistas que defendem o projeto contra outros que acreditam que limpar uma tela de 500 anos de idade foi muito agressivo e pode ter causado danos irreversíveis.

Dois dos principais especialistas em arte da França pediram demissão do conselho que supervisionava a restauração da pintura para protestar contra a forma como ela estava sendo feita, de acordo com especialistas em arte que falaram com eles.

Nenhum dos dois especialistas, Segolène Bergeon Langle, ex-diretora de conservação do Louvre e dos museus nacionais da França, nem Jean-Pierre Cuzin, ex-diretor de pinturas no Louvre, revelaram publicamente os motivos exatos por trás de suas demissões; o Louvre não comentou o motivo, apenas confirmou a saída de ambos.

“A cada passo do caminho, eu preparei relatórios escritos detalhados para o Louvre para explicar minhas visões, meus desejos e minhas preocupações” em relação à restauração da pintura de Leonardo, disse Bergeon Langle numa entrevista por telefone. “Eu assumi a postura há muito tempo de que sairia se algumas linhas vermelhas fossem ultrapassadas.”

Diz-se que Cuzin, por sua vez, estava descontente com o fato de que mais trabalho, em vez de menos, estava sendo feito sobre a pintura. A limpeza da pintura foi concluída em meados de dezembro, deixando uma imagem mais viva e ao gosto das multidões. As demissões, particularmente a de Bergeon Langle, que é vista como uma das principais especialistas em conservação de pinturas do mundo, preocuparam o Louvre e atraíram atenção para o trabalho de seu até então desconhecido comitê de conselheiros em restauração.

“A saída deles é uma perda extremamente lamentável”, disse Jacques Franck, especialista e consultor do Armand Hammer Center para Estudos de Leonardo na Universidade da Califórnia em Los Angeles, e membro do comitê de conselho. “Bergeon Langle sempre foi considerada uma deusa na área. Não há melhor especialista do que ela. Ela é insubstituível.”

É comum para especialistas discordarem sobre o quanto devem restaurar de obras importantes. A restauração da Capela Sistina de Michelangelo nos anos 90, por exemplo, foi criticada por muitos especialistas em arte que argumentaram que boa parte de seu trabalho original foi perdido na remoção de pó e fumaça de vela.

Mas as discordâncias quanto à restauração de Leonardo são incomuns no que diz respeito ao conselho do Louvre, um grupo de 20 especialistas sem poder de decisão, mas com reputação mundial.

“Não há uma única verdade, mas é justo dizer que nós não compartilhamos as mesmas visões sobre o que deveria ou não deveria ser retirado, o grau de limpeza”, disse Franck, que escreveu extensivamente sobre as técnicas de pintura de Leonardo. “Eu ficaria muito feliz e à vontade com uma pintura mais suja – sem tons vivos.”
Museus como o Louvre estão sob pressão para atrair públicos com mostras grandiosas, normalmente expondo obras primas exuberantes cujas cores ficam mais vivas depois de limpezas extensas.
A pintura de Leonardo foi adquirida pelo Rei Francisco I em 1517 e é vista como talvez a segunda mais importante depois da Monalisa entre os últimos trabalhos de Da Vinci. Ela deverá ser exibida numa exposição no museu em março, então o museu está com pressa para terminar o trabalho de restauração.
Uma percepção negativa da restauração de uma das pinturas mais complexas de Leonardo poderia prejudicar a reputação do museu tem de ser um restaurador prudente e não intrusivo.

Entre outras questões, houve desacordos dentro do comitê sobre se um verniz na pintura foi uma camada aplicada pelo próprio Leonardo, algo deixado por restauradores posteriores, ou uma combinação dos dois.
Na terça-feira (3), o comitê e Vincent Pomarede, diretor de pintura e responsável pelas decisões finais em relação à restauração, encontrou com a equipe técnica por várias horas para ver a pintura e discutir o que ainda precisa ser feito.

Com a limpeza completa, eles decidiram proceder com um pequeno trabalho de pintura para preencher falhas, e os resultados serão apresentados ao comitê em algumas semanas.

Pomarede, enquanto isso, decidiu manter as árvores que foram pintadas na paisagem por outra pessoa, e não Leonardo, disse um membro do comitê que se recusou a ser citado por conta de regras de confidencialidade.

A limpeza tem uma longa história. O Louvre abandonou uma tentativa de limpeza em 1993, por temer que os solventes pudessem danificar o “sfumato”, uma extraordinária técnica de mistura de cores que era a marca registrada de Da Vinci.

O esforço atual começou em 2010 depois de um longo período de estudo. A ideia inicial era ter uma abordagem minimalista e fazer apenas um pouco mais do que remover apenas as manchas da pintura.
Mas sob a supervisão de Cinzia Pasquali, uma conservadora que trabalha para o Centro para Pesquisa e Restauração dos Museus da França, a restauração se tornou mais ambiciosa. A hierarquia do Louvre e a maioria do comitê de aconselhamento também foram a favor de uma restauração mais ampla.

“Le Journal des Arts”, uma publicação de arte de Paris, criticou repetidamente o projeto, argumentando que ele estava muito mais agressivo do que sua concepção original e arriscava danificar seriamente a pintura. As notícias sobre as demissões do comitê de aconselhamento – Bergeon Langle em 21 de dezembro, Cuzin em outubro – foram divulgadas em primeiro lugar pela publicação no final do mês passado.

O Louvre defendeu firmemente sua abordagem. “A limpeza recente foi absolutamente necessária tanto para a conservação quanto por motivos estéticos”, disse Pomarede num e-mail. Ele acrescentou que nenhum membro do comitê “nunca disse que a limpeza não era prudente e havia ido longe demais tecnicamente. O que discutimos foi principalmente uma escolha estética”.

Todos “estão satisfeitos com o resultado da limpeza e o começo dos retoques, embora alguns deles preferissem que certos 'retoques' fossem removidos”.

Ele disse que as duas demissões foram “sem dúvida uma perda para a diversidade das discussões no comitê”, mas recusou-se a comentar sobre os motivos das renúncias.

Numa resposta escrita em outubro passado às críticas do “Le Journal des Arts”, Pomarede acusou a publicação de “total ignorância” sobre a restauração da pintura, acrescentando: “raramente uma restauração foi tão bem preparada, discutida e executada”. Os resultados da limpeza “revelam o excelente estado de conservação do material pictórico e do gênio artístico de Leonardo da Vinci, confortando-nos sobre as escolhas feitas”, disse ele.

Pomarede também minimizou os relatos de desacordos, dizendo que é “perfeitamente normal que a restauração de uma obra famosa leve a interrogações e discussões”.

Mas alguns especialistas nunca abandonam o padrão do “menos é mais”. “Há um componente ético”, disse Bergeon Langle. “Apesar do grande progresso nas nossas habilidades, precisamos nos pautar pela modéstia. Materiais melhores e mais controláveis ainda estão por ser descobertos. Precisamos deixar parte do trabalho para as futuras gerações.”

Tradução: Eloise De Vylder

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