terça-feira, 24 de janeiro de 2012
A pintura católica como escrita viva
Como já publicamos outras vezes em "A beleza que não existe" e "Arte Sacra e Beleza", apresentamos mais uma reflexão de Rodolfo Papa, Professor de História das Teorias Estéticas
Rodolfo Papa
ROMA,(ZENIT.org)
Uma reflexão do cardeal Gabriele Paleotti insere a pintura na espiritualidade católica e define o seu estatuto epistemológico dizendo que, "salvas as devidas proporções, uma pintura parece corresponder exatamente às coisas que enxergamos, tal como a leitura corresponde às coisas que ouvimos contar, e é por esta razão que os gregos a chamaram de zographia, ou seja, ‘escrita viva’, como sustentam alguns autores (Beda, De Templo Salomonis, 19,8)" (Gabriele Paleotti, Discurso sobre as imagens sagradas e profanas, 1582, Libreria Editrice Vaticana, Roma 2002, pág. 78).
Paleotti, por meio de uma semelhança entre a pintura e a leitura, destaca a mesma dinâmica psicológica e espiritual que ocorre na pintura e na leitura. A narração, de fato, nos apresenta as coisas vivas aos olhos da mente, porque é capaz de descrevê-las de modo que possamos reconhecê-las como verdadeiras. Da mesma forma acontece com a pintura, que, por sua vez, inverte a dinâmica do caminho do conhecimento, já que, na pintura, ao reconhecermos coisas "que costumamos ver", ou seja, com as quais estamos familiarizados, conhecemos aquilo que nunca vimos de fato, porque ocorreu em outro tempo e em outro lugar. A pintura, portanto, se torna zographia, "escrita viva", capaz de dizer a verdade através dos meios que lhe são próprios, especialmente mediante a verossimilhança, que faz com que a história fique viva e capaz de "deleitar, ensinar e mover as afeições de quem vier a contemplá-la".
Nesta perspectiva, nos tratados dos século XV e XVI, o assunto das ferramentas técnicas se torna crucial. A pintura precisa desenvolver sistemas de representação do espaço, da luz e das cores de modo sempre mais refinado, para ser capaz de avançar na verossimilhança e, portanto, para ser realmente zographia, "escrita viva".
Piero della Francesca, em seu tratado De prospectiva pingendi, escreve: "A pintura contém três partes principais, as quais chamamos de desenho, perspectiva e cor. [...] De ditas três partes, pretendo tratar apenas da commensuratione, que denominamos perspectiva [...] Esta contém cinco partes: a primeira é o ver, que é o olho. [...] Porque é aquela em que se apresentam todas as coisas que foram vistas" (Piero della Francesca, De prospectiva pingendi, Ed. Le Lettere, Florença, 1984, págs. 63-65). Piero explora a perspectiva de uma base geométrica e matemática, a fim de fornecer uma ferramenta valiosa para a representação das realidades vistas, partindo daquilo que o olho vê. O objetivo do tratado é fornecer com base científica uma ferramenta adequada para melhorar a representação dos objetos no espaço, e, assim, progredir na verossimilhança.
Esta é a continuação do lento processo de criação de instrumentos adequados nas disciplinas da pintura, que já havia começado no século XIII com os afrescos do Mestre das Histórias de Isaac, feitos na Basílica Superior de Assis (Rodolfo Papa, A perspectiva do Espírito, "Arte e Dossier" 258, ano 2009, págs. 68-73), e que dura ao longo dos séculos XV e XVI, até os desenvolvimentos tecnológicos admiráveis dos séculos XVII e XVIII, nos quais são conquistados e consolidados os vastos territórios da representação pictórica.
Os efeitos da pintura sobre a espiritualidade dos fiéis são imensos, tanto que as imagens tornam-se gradualmente o eixo central de toda a cultura católica. As evidências do papel da pintura religiosa na vida da fé são inumeráveis. É significativo o que Santa Verônica Giuliani escreveu: "Sempre que eu via as imagens de Maria com o Menino Jesus, não podia me saciar de beijos [...] Eu rezava de coração, e muitas vezes me parecia que essas figuras não fossem pintadas, como eram". As palavras da mística santa clarissa revelam que as imagens pintadas pareciam tão reais que era como se não fossem o que realmente eram, ou seja, apenas "figuras" pintadas.
As imagens, de acordo com o pensamento de Paleotti, compartilhado também pela "iconofilia" da cultura cristã, especialmente nos desenvolvimentos teóricos do alto século XVI e de todo o século XVII, estão relacionadas, no seu significado mais íntimo e no fato de saberem deleitar, com três formas de conhecimento: o sensível, o racional e o espiritual. As imagens, de fato, ensinam com "comodidade, facilidade, brevidade, estabilidade, [...] e o que elas ensinam fica esculpido nas tábuas de memória com tanta firmeza que ali permanecerão gravadas durante muitos anos".
As imagens são analisadas, pensadas e escolhidas como instrumento kerygmático por excelência, como um meio de catequese eficaz, como um lugar de meditação e de contemplação; e a confiança depositada nelas faz com que assumam um papel de proeminência e de modelo também na pregação. A pregação muda está enraizada no conceito especular de imagens acústicas, presente nas Escrituras. O conceito paulino, em que a fé vem da escuta, fides ex auditu (Rm 10,17), se abre para acolher no dinamismo o poder (ou o potencial) cognitivo do "ver" e, portanto, da verossimilhança da imagem, que é mais direta, mais leve, de fácil memorização e de mais ampla divulgação, passando dos olhos até o intelecto e depois ao espírito.
Paleotti escreve ainda: "O que o homem concebeu na mente por via da escuta, mediante a fé, agora, ao vê-lo com os olhos, ele admiravelmente o confirma e estabelece no coração". Disto há extensa documentação já no século XIV, e encontramos um exemplo admirável em Florença, em Santa Maria Novella. Ali o texto "pintado" pelo pintor encontra resposta e "espelhamento" no texto "escrito" pelo pregador: na relação entre o escrito O espelho da verdadeira penitência, redigido por Jacopo Passavanti, e o pintado O espelho da pregação dos dominicanos, realizado na Capela dos Espanhóis por Andrea Bonaiuti, emerge claramente o sentido último de ambos, de um no outro, de um para o outro, ou o ensinamento do pregador voltado a ensinar os fiéis a se confessarem bem (Eugenio Marino, Santa Maria Novella e seu espaço cultural, Pistoia, 1983, págs. 11-14).
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