Templos dos mais diversos períodos da história lançam mão do poder da arte para impressionar e emocionar seus fiéisFoto: Bigstock
por Annalice Del Vecchio*
Quando se pensa em um lugar sagrado, logo vem à mente uma construção arquitetônica, um templo, destinado à oração ou à meditação. Mas, nem sempre foi assim. As sociedades mais arcaicas atribuíam sacralidade a elementos da natureza como uma montanha, uma gruta, uma árvore ou até mesmo uma sepultura – algo que ainda pode ser percebido em muitas religiões. “É assim que temos o rio Ganges na Índia e o monte Uluru (Ayers Rock) na Austrália”, exemplifica o professor do mosteiro de São Bento (SP), Gabriel Frade, mestre em Teologia pela PUCSP e autor do livro Arquitetura Sagrada no Brasil (Ed. Loyola).
O templo, como construção arquitetônica, surge posteriormente nesses lugares onde se manifesta o transcendente. “As primeiras construções surgem como uma expressão do desejo humano de recortar, de delimitar o local onde a irrupção do sagrado se fez mais forte”, diz Frade. O grande eixo de pedras de Stonehenge, no sul do Reino Unido, por exemplo, parece indicar essa dinâmica: os arqueólogos encontraram ali indícios de construções rudimentares mais antigas, sinalizando que o lugar já era importante para aqueles povos. O professor cita ainda a estrutura cúbica construída para abrigar a famosa pedra negra, provavelmente um meteorito, na cidade de Meca, e o Templo de Jerusalém, erguido para substituir a tenda que abrigava a Arca da Aliança.
Notre Dame, São Franscisco de Assis, Igreja do Jubileu e Pampulha: os diversos estilos arquitetônicos impressionam e emocionam seus fiéis.
A mesma lógica fez nascer a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP). “Primeiro aparece a imagem de Nossa Senhora nas águas do rio Paraíba e, após ser encontrada pelos pescadores, a imagem é colocada numa capelinha humilde. Somente após algumas experiências por parte dos fiéis em relação aos milagres, é que surge a necessidade de uma construção mais apropriada: primeiro de uma igreja e, depois, da grande basílica com sua planta em forma de cruz grega, o atual Santuário Nacional de Aparecida”, explica.
Com o surgimento da arquitetura, os templos são erigidos como microcosmos do universo: as árvores transformam-se em pilares, as paredes são os quatro pontos cardeais, a pedra se torna altar, o telhado representa o céu. O homem pode, então, experimentar a transcendência ao abrir, por exemplo, a porta de uma mesquita, atravessando do universo profano ao sagrado.
Os primeiros templos foram concebidos para abrigar a divindade. Por isso, ainda que muitas vezes monumentais, como são os templos gregos, não foram pensados para receber os fiéis em seu interior. “Mesmo no grande Templo de Jerusalém, sabemos que na parte mais íntima, o sancta sanctorum, apenas o sumo sacerdote podia penetrar no dia da expiação, o yom kippur”, explica Gabriel Frade.
O gótico sublime
Igrejas como a Notre Dame e a Sainte-Chapelle, em Paris, dispensaram as maciças paredes de pedra dos templos românicos ao empregar pilares leves e “costelas” estreitas nas arestas da abóboda, possibilitando a abertura de grandes janelas de vitrais. Para o historiador E. H. Gombrich, a fachada da Notre-Dame é, talvez, a mais perfeita: “Tão lúcida e desenvolta é a disposição dos pórticos e janelas, tão ágil e gracioso o rendilhado do trifório, que esquecemos o peso dessa montanha de pedra e toda a estrutura parece elevar-se diante de nossos olhos como uma miragem”.
Foto: Bigstock
Barroco brasileiro
No período da reforma católica, São Carlos Borromeu vai popularizar a presença do tabernáculo sobre o altar-mor das igrejas – o elemento, aponta Gabriel Frade, é expressão artística bem conhecida das igrejasbarrocas brasileiras, com seus retábulos “rendilhados” com ricas talhas. Exemplo é a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, uma das mais celebradas criações de Aleijadinho e parte do Patrimônio da Humanidade.
Foto: Bigstock
Sagrado modernista
Alguns dos mais belos exemplares da arquitetura sagrada são os templosmodernistas construídos pelo brasileiro Oscar Niemeyer: a Igreja de SãoFrancisco de Assis, na Pampulha, inaugurada em 1943 em Belo Horizonte, e a Catedral de Brasília, construída entre 1959 e 1970. As linhas sinuosas da igreja da Pampulha, que assumem as formas das montanhas mineiras, tornaram-se marco da arquitetura modernista e escandalizaram o acanhado ambiente cultural da cidade, à época.
Fotos: Divino Advíncula/Miguel Aun/Aglaia Oliveira
Supercontemporânea
Com projeto ousado do arquiteto americano Richard Meier, a Igreja doJubileu veio a se somar, em 2003, às inúmeras igrejas históricas de Roma, no bairro de Tor Ter Testa, periferia da capital italiana. As três conchas do espaço, inteiramente branco, fazem discreta alusão à Santíssima Trindade. Os intervalos entre elas, vedados com vidro, permitem que a luz natural invada o templo durante o dia; durante a noite, a luz de seu interior pode ser vista de fora.
Foto: Picasa/Divulgação
Revolução na arquitetura
Mudanças na concepção litúrgico–teológica e nos elementos culturais, o surgimento de novos materiais e de novas técnicas são fatores que definem verdadeiras revoluções na arquitetura dos templos ao longo do tempo. No período da baixa Idade Média, por exemplo, assistimos ao surgimento do estilo gótico, que “fez as igrejas normandas e românicas parecerem desgraciosas, pesadas e obsoletas”, como descreve o historiador E. H. Gombrich no livro A História da Arte.
Os artistas italianos do século 14 inauguraram uma nova arte apoiada na harmonia e beleza das ruínas clássicas – é o caso de Michelangelo e Filippo Brunelleschi, pioneiro da arquitetura da Renascença. “Basta lembrar da extraordinária cúpula de Santa Maria del Fiore, em Florença: ela não teria sido possível sem a inventividade e as pesquisas de Brunelleschi, que a construiu sem necessidade de cimbramento algum. Por meio dessa técnica, Brunelleschi ofereceu a base para a construção posterior da grandiosa cúpula de São Pedro, idealizada por Michelangelo”, conta Gabriel Frade.
Já o estilo barroco, no século 16, despreza as chamadas regras da arquitetura clássica em nome de variedade e de efeitos mais imponentes. Em resposta à Reforma protestante, a Igreja convocaria arquitetos, pintores e escultores para transformar igrejas em exibições grandiosas de esplendor e glória – utilizando, assim, como escreve Gombrich, o poder da arte para impressionar pela emoção.
Atualmente, muitas igrejas católicas já não apresentam mais um espaço para se “assistir à missa”, separado do espaço reservado ao clero, como conta Gabriel Frade: “Nessa intuição atual, a ação litúrgica se desenrola não mais apenas na área do presbitério, mas em toda a assembleia, como é o caso da capela papal Redemptoris Mater, no Vaticano.
Fonte: Gazeta do Povo
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