O Museu de Arte Sacra de São Paulo conserva uma das mais importantes coleções de arte sacra do Brasil. Mas o que caracteriza a arte sacra? Segundo o designer especialista em arte sacra, Pablo Neves (do blog: Ecclesia Design), a arte só é considerada sacra "quando interage diretamente com o que é divino, ou seja, quando serve ao culto sagrado”. Ele ainda complementa que "o objeto em si não é sagrado, mas a divindade com a qual ele se envolve é que o sacraliza”.
Confira abaixo a entrevista com Pablo Neves:
Pablo Neves |
Dentro da arte, o que é sagrado?
PN: Como disse, é sagrado tudo aquilo que é santificado pelo que é realmente santo. O contato com o divino sacraliza a arte, fazendo-a tomar parte das realidades do céu. Uma imagem, um altar ou um crucifixo, por exemplo, não são sacros simplesmente por seus elementos formais e simbólicos, mas por tornarem-se parte direta da presença de Deus entre nós, de Sua vontade e de seu Amor.
Quais são os maiores nomes da arte sacra?
PN: Gostaria de citar o primeiro, mas talvez não tão conhecido como tal: São Lucas, evangelista, que segundo a Tradição, foi o primeiro a escrever um ícone de Nossa Senhora. Mas a arte se fez sagrada do oriente ao ocidente, com destaque aos grandes mestres iconógrafos como Teófanes, o grego e o monge Andreij Rublev, além é claro, de mestres ocidentais como Michelangelo e Caravaggio. Mas faço questão de destacar ainda os grandes artistas sacros brasileiros, como Mestre Ataíde e Aleijadinho, além de nosso contemporâneo Cláudio Pastro.
Quais são as maiores obras da arte sacra?
PN: A Europa obviamente abriga as mais grandiosas e ricas obras de arte e arquitetura sacras da humanidade, em igrejas como a basílica de São Pedro, no Vaticano e Notre Dame na França. Contudo, seria tolice não citar a basílica de Santa Sofia, na Turquia ou a catedral de São Basílio, na Rússia. O fato é que toda obra verdadeiramente sacra é grandiosa e única, não pelo ouro nela contido ou pela técnica ou estilo empregado, mas pelo conteúdo simbólico a ela atribuído e ao seu serviço à liturgia.
Como é feita a conservação das obras de arte sacra?
PN: É um trabalho demorado, difícil e que exige grande aprimoramento técnico. Seja por seu valor histórico quanto por seu valor sagrado, as obras de arte sacra antigas passam por tratamentos químicos, controle de exposição à luz até o restauro de partes danificadas. Vale lembrar que tão importante quanto conservar o antigo, é garantir que as obras contemporâneas de arte também durem muito tempo, sendo importantes meios de espiritualidade por gerações.
O que pode ser feito e o que não pode ser feito numa restauração de arte sacra? Existe alguma regra para isso?
PN: Tecnicamente, as regras são as mesmas para qualquer obra de arte. Profissionais qualificados, instrumentos adequados, matérias primas precisas e zelo, muito zelo durante o trabalho. Há também a parte espiritual, pois vale lembrar que a arte sacra não é meramente decorativa, mas sim uma forma de alcançar o sagrado. Em outras palavras, temos que entender que as pessoas vão interagir com esses objetos, vendo, sentindo e vivenciando neles verdadeiros sinais de Deus em suas vidas. Particularmente, durante meu trabalho, costumo ficar em oração, agradecendo a Deus por me permitir servi-Lo e rogando para que meu trabalho possa, por menor que seja, ser um auxílio na construção do Reino de Deus. Tenho plena consciência de que estou lidando com algo muito maior do que meu próprio entendimento pode atingir.
Existe algum modelo, estilo ou referência que caracterize a arte sacra?
PN: Não. Esse é um questionamento comum durante os cursos e palestras que ministro e talvez deva-se ao fato das pessoas ainda ligarem a Arte Sacra a algo antigo, pertencente a um outro tempo. A Igreja, inclusive, fez questão de frisar isso durante o Concílio Vaticano II, na constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, onde diz que "a Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu”. No documento, que traz um capítulo dedicado somente à arte sacra, a Igreja afirma respeitar e valorizar a arte de todas as épocas e todos os povos, bem como as exigências dos vários ritos litúrgicos. Incentiva ainda a arte de nosso tempo, mas adverte que a arte só é válida "desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados”.
O que compõe a arte sacra (música, moda, esculturas etc.)?
PN: Eis outra feliz pergunta. Há, é claro, aquilo que é clássico: pintura, escultura e música. Mas dentro deste contexto, há variáveis como o mobiliário, fundição de metais, o trabalho com as vestes sagradas, dentre outros. Hoje, com tantas novidades, sobretudo na arquitetura, projetos de iluminação e de design de móveis e objetos são exemplos de grandes parceiros para a arte sacra.
Qual foi a melhor época da arte sacra, para você? Por que?
PN: No oriente, desde o primeiro milênio, a arte sacra alcança seu potencial máximo através da iconografia bizantina. Uma verdadeira teologia em imagens tão sagrada que até hoje é a arte característica de todas as igrejas orientais, sejam católicas ou ortodoxas. No ocidente, vejo o gótico como o ápice do fazer artístico sacro. Realeza, leveza, pureza, claridade por todos os lados, linhas que nos fazer olhar para o alto e almejar o céu, enfim, a arte gótica é, no contexto ocidental, a arte sacra católica por excelência na minha opinião.
Quais religiões são as maiores produtoras de arte sacra?
PN: Praticamente todas as religiões possuem uma forte relação com a arte, pois o apelo visual e o simbolismo são elementos fortes na percepção humana. No catolicismo, assim como na ortodoxia oriental, a arte funde-se com a liturgia, a ponto de praticamente uma não existir sem a outra. Não é a toa que a Igreja pronuncia-se oficialmente sobre a arte sacra desde o segundo concílio de Nicéia, em 787 d.C. regulando a veneração às imagens e condenando os iconoclastas. Outras religiões, sobretudo as orientais, como o budismo, também utilizam da arte como elemento simbólico de suas crenças e de relação com suas divindades.
No seu artigo "O caráter sacro do design” você fala sobre a identificação de particularidades conceituais que definem a arte sacra. Que particularidades são essas?
PN: Tais particularidades estão ligadas às questões simbólicas dadas pela liturgia aos objetos sacros. Por exemplo: um altar é uma mesa? Sim, é uma mesa. Nele realiza-se o banquete pascal. Porém, neste banquete não se come qualquer alimento ou se ingere qualquer bebida. Comemos e bebemos verdadeiramente do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, entregue por Amor na cruz para remissão de nossos pecados. Note que o altar, ainda que seja uma mesa, não é um mero apoio para que pessoas se alimentem, como as mesas de jantar comuns. O altar é então mesa de partilha, mas é sobretudo local de sacrifício, pois em cada Missa é atualizado o Santo Sacrifício de Cristo na cruz, pelas mãos do sacerdote, que age na pessoa de Cristo. Veja, analisando todo esse contexto, podemos compreender o porquê de um altar não poder ser visto como uma mesa qualquer. O artista deve então, na concepção de sua obra, trabalhar elementos que conduzam os fiéis à compreensão dessas realidades, para que algo tão divino como a liturgia não seja confundida com coisas comuns ou até mundanas.
Para realizar uma obra sacra é necessário utilizar um símbolo religioso, para caracterizá-la?
PN: Sempre. A arte sacra é sempre objetiva, quer sempre dizer algo concreto, quer sempre transmitir a mensagem evangélica. Qualquer obra, por mais bela que seja, mas que não tenha nenhum simbolismo relacionado à liturgia, não tem lugar dentro da Igreja. A igreja valoriza a arte "não sacra”, mas não pode dentro do espaço sagrado utilizar elementos que de alguma forma desviem o sentido e o olhar dos fiéis àquilo que é o centro da liturgia, que é o próprio Cristo na Eucaristia.
Fonte: Editora Ave-Maria
Conheço o Museu de Arte Sacra de São Paulo e é simplesmente encantador!
ResponderExcluirPara quem gosta de Arte, e principalmente de Arte Sacra como eu, mesmo não tendo um conhecimento ainda muito aprofundado, sabe valorizar e se emocionar diante desse patrimônio histórico-cultural.