domingo, 4 de março de 2012

Igreja dos Mares recebe pintura verde-cana e abre discussão sobre o tombamento

Mary Weinstein
Mila Cordeiro / AG. A TARDE
Cor inusitada da fachada da igreja agrada frequentadores
Cor inusitada da fachada da igreja agrada frequentadores
As paredes externas, as grades e a torre de 40 metros da Igreja de Nossa Senhora dos Mares, construída entre 1927 e 1956 na Cidade Baixa, estão sendo pintadas na cor verde-cana. Já de longe, do Largo do Tanque, por exemplo, salta aos olhos a nova tonalidade, praticamente inédita na arquitetura religiosa católica existente em Salvador. Na área, antes industrial, as edificações são, em sua maioria, baixas e em tons pastéis ou escurecidas por falta de manutenção.
“Adorei, ficou fashion”, disse Janete Nascimento, 59 anos, comerciária, moradora do Bonfim. Para o baleiro, conhecido como Soares, que fica na porta da igreja, “tanto faz”. E para Geraldo Barbosa, eletricista, 57 anos, morador da Rua Direta,  no bairro do Uruguai, “ficou um visual diferente e bonito”.
Opostamente, Telma Paixão, 58 anos, que morou por mais de 20 anos no bairro vizinho da Massaranduba, e tem um filho de 29 anos batizado na Igreja dos Mares, considerou um exagero. “Eu vi a igreja ficando verde-florescente. Fiquei chocada, achei um equívoco”, explicou a hoje residente no Caminho das Árvores.
A última vez que a Igreja de Nossa Senhora dos Mares passou por reforma foi em 1989. Sem ser reconhecida oficialmente como patrimônio cultural pelos institutos de proteção, a edificação decorada com vidros coloridos e teto que lembra o de igrejas de estilo gótico da Europa não tem restrições para alterações de sua estética. Nem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nem o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) precisaram ser consultados antes que o padre Pedro Oliveira decidisse sobre a cor.
“Não é tombada porque é nova e não tem nenhum fato histórico acontecido nela”, disse o padre Pedro Oliveira de Souza. Ele contou que Irmã Dulce eventualmente sentava no último dos 28 bancos de madeira, do lado direito, para assistir à missa.
“A reforma é uma oferta do povo. A cor foi escolhida pelo Conselho Pastoral”, disse o padre carregando vários exemplares das Edições Paulus, com capas ilustradas por igrejas novas. “Este é o verde-cana, porque às vezes tem um verde-chocante. Em seis meses, a cor já estará mais fraca, esmaecida. Por dentro, a igreja continuará em tons de azul-claro, convidativos à oração”, assegurou o padre.
“Maravilhosa a cor. É para chamar a atenção porque a igreja tem esse objetivo na sua ação pastoral. Todo mês trago a minha colaboração”, reforçou a fiel Darcy Souza, 66 anos. “Melhor assim, do que em ruínas”, completou.
Importância - A arquiteta Lígia Larcher informa que a Igreja dos Mares é um exemplar do estilo neogótico que “é a primeira vertente do ecletismo”. Segundo ela, esta é uma das principais igrejas no estilo da cidade. Outras são a de São Pedro, na Av. Sete, e a da Casa da Providência, na Saúde.
“É como a arquitetura do Big Ben e da Casa do Parlamento, em Londres. É uma retomada do gótico no século XIX”, explicou a arquiteta especializada no período. “O ecletismo incorpora os estilos do passado. O movimento moderno desvalorizou a imagem do eclético que, embora reconhecido pelo pensamento pós-moderno, ainda se recente da falta de preservação”, prosseguiu.
A arquiteta defende que a igreja tem mérito para ser alvo de tombamento estadual. “O dispositivo iria inibir intervenções abusivas”, enfatizou. “A pintura em si não é o problema, porque essa é uma ação reversível”, acrescentou. Segundo a arquiteta, deveria ser feito um estudo de camadas, uma prospecção, para se chegar à cor original.
Técnica - Conforme a arquiteta Lígia Larcher, teria que ser feita uma pesquisa sobre a técnica utilizada na construção da igreja para então se saber qual o método de restauração a ser usado. Na verdade, seria necessária uma restauração e não uma reforma, uma vez que a arquiteta defende o valor cultural da edificação.
Aparentemente, as fachadas da igreja foram feitas em durit, uma textura encontrada em outros prédios da capital baiana. Embora não aceite pintura, tudo indica que recebeu tinta há mais de 20 anos. Também as portadas, de cantaria, parecem ter sido pintadas.

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