Artigo do Pe. Dinarte Passos, C. M., que foi professor de Arte Sacra no Seminário Maior de Marina (Minas Gerais). Este artigo foi publicado na Revista Eclesiática Brasileira de 2 de junho de 1946.
Atualizado por Thiago Santos de Moraes / Apologética Católica
A idéia, sabemos, é quase como a alma da obra artística. Esta idéia, ou seja o ideal, poderá tomar-se entretanto das coisas materiais ou de utilidade, não ultrapassando as formas da beleza física: é o materialismo na Arte - temos disto um exemplo na arquitetura grega onde predomina a idéia material de uma simples beleza sensível; ou poderá a idéia expressar então algo acima do mundo sensível, material; é o espiritualismo na Arte. Resulta ele do predomínio da verdade moral ou dogmática na idéia do artista. Modelo do espiritualismo nos oferece a sublime arquitetura ogival, cujo conjunto revela para logo a origem espiritual de suas formas, onde a massa é subjugada pela idéia.
(Arquitetura ogival)
Este domínio da massa pela
idéia, da matéria, digamos, pela alma, só se afirma crescente e absoluto
ao contato dos ideais divinos, ao sopro do ideal cristão (1).
Existe pois uma Arte que se
inspira de espiritualismo para traduzir nas almas as formas impalpáveis
de um ideal ultraterreno. É a Arte Cristã, mais do que qualquer
outra, verdadeira Bela Arte, não tanto pela perfeição da forma, mas
melhormente, pela elevação superior de seus nobres ideais.
A verdade revelada da nossa
Santa Religião veio elevar sem dúvida a incomensuráveis alturas o caudal
dos conhecimentos humanos. E infundiu igualmente, no coração do homem,
toda a série imaginável dos mais fundos e delicados sentimentos que este
novo Cristo - o homem cristão - possa semear e colher em seu peito.
Ora, elevados de nível os conhecimentos e os afetos do homem, entende-se
de pronto a que grau subiria também o ideal artístico em todas as suas
manifestações. "O contrário igualmente, sentencia Naval, a negação do
dogma católico, e ainda qualquer atentado contra ele, ou mesmo a
ignorância das verdades religiosas e a falta de piedade cristã, devem
ter sido, e são realmente fatais para a Arte, porque lhe roubam
inspiração e sentimento." (2)
Como o Verbo divino sublimou a natureza humana em Cristo, a revelação do Verbo veio divinizar a Arte na Igreja. Quem senão o ideal cristão inspirou, dando beleza e vida, o pincel de um Fra Angélico, o cinzel de um Miguel Ângelo? Quem senão este ideal sublime transformou em Museus de Artes que revelam Deus, a própria casa do Senhor? Que dizer destas soberbas catedrais góticas que o gênio e o ideal cristão cantaram como poemas de pedra, onde a riqueza dos materiais rivaliza com a sublimidade e a amplidão de idéias, com o acabado perfeito do trabalho? Ora são linhas rígidas, severas, encarnando a solidez de nossos dogmas; ora são suaves, ondulantes e variadas, traduzindo os doces sentimentos da alma, inclinando-se mesmo recurvas ou de mãos postas para o alto na atitude divina da oração. (3)
Um só dos estatutos da Escola de
Sena (em 1355) explica suficientemente as maravilhas produzidas pelo
ideal cristão: "Nossa vocação e destino é, pela graça de Deus, publicar
as grandezas da fé nas almas que não sabem ler de outro modo."
O Ideal Cristão
De uma dupla inspiração nasce a
Arte Cristã: a humana e a divina. Esta, porém, é por sua vez igualmente
dupla: a possessão da alma do artista pela graça, e a iluminação de sua
inteligência pela verdade divina. A última é o que chamamos, em Arte, a
idéia ou ideal cristão. (4)
Qual é ele? Respondam por nós
aqueles que já o compreenderam. Miguel Ângelo diz que a Arte é sagrada
por si mesma. E tem razão, pois "a Arte, medita Monsabré, é, na sua
concepção mais alta e mais pura, o culto e a manifestação do belo nas
obras humanas. E para dar a estas obras o selo da perfeição, continua o
autor do 'Moisés', a alma despega as asas, elevando-se ao céu donde ela
desceu. Não se demora na beleza que seduz os olhos, tão fragil quanto
enganadora; mas busca, no seu vôo sublime, atingir o princípio do Belo
Universal."
Por isto, falou o Pe. Gillet,
que "a Arte é a ordem dada à matéria para revelar a Beleza e a Verdade."
E teve razão Kant, ao afirmar, numa nobre definição, que o "belo é o
reflexo do infinito sobre o finito, é Deus entrevisto." (5)
Ora, o cristianismo tem esta virtude, dar-nos ainda na terra, numa síntese profunda que conceitos humanos não exprimem, o conhecimento e a posse da própria Beleza: Deus!
É, portanto, o ideal cristão, exprimir Deus, nas obras de Arte.
Deus. - Deus é, pois, o
objeto supremo da Arte, porque é o belo absoluto. Não é, porém, seu
objeto proporcionado, porquanto, sem uma forma sensível, escapa aos
esforços do artista. Importa descer então, para encontrá-lo como objeto
proporcionado da Arte, a suas manifestações sensíveis.
Destas é a primeira o Homem, sua imagem e semelhança; depois a natureza, que traz, toda ela, os vestígios de Deus. O homem é, pois, por excelência, o objeto da Arte, não absoluto, mas proporcionado.
O maior serviço prestado portanto à Arte seria fornecer-lhe, num só ente, o ideal absoluto, sob forma sensível.
Ora, o mistério da Encarnação apresenta-lhe este modelo. Jesus Cristo é Deus - objeto supremo da Arte: a própria beleza; Jesus Cristo é Homem - objeto proporcionado da Arte: a beleza ideal, tornada sensível. É o ideal encarnado.
(Anunciação, Fran Angelico, 1432)
O Dogma da Encarnação. - O dogma da Encarnação traz, assim, à Arte:
a) Um ideal incomparável, Nosso Senhor Jesus Cristo.
b) Uma regra fundamental,
pois a Encarnação é um modelo perfeito da união entre os espiritual e o
corporal, o invisível e o visível, e de toda subordinação do inferior
ao superior. Tais devem ser as relações entre a carne e o espírito, os
sentidos e a razão, e na Arte, entre seus dois elementos: o visível e o
invisível, a forma sensível e o ideal. (6)
É de confundir-nos este
pensamento de um pagão: "Ó meu caro Sócrates, a verdadeira vida é o
espetáculo da Beleza Eterna... Que pensar de um mortal, a quem fosse
dado contemplar a beleza pura, simples, sem misturas, não vestida de
carne e cor humanas e de todas as vaidades que perecem, mas sim a
própria Beleza Divina!" (7)
As asas da fé elevam-nos mais alto que a simples inteligência a Platão. A visão beatífica sonhada pelo Filósofo não é da terra, mas sim do céu, onde fortificado finalmente o nosso olhar pela luz da glória poderá entrever o brilhar da Divindade. Entretanto, a beleza é o atributo essencial do Verbo, pois que na feliz expressão do Apóstolo, é Ele o "Esplendor do Pai" (Heb 1, 3). Somos mais felizes que Platão: na plenitude dos tempos, "O Verbo se fez carne e habitou entre nós" "Et vidimus gloriam ejus" (Jo 1, 14). E vimos sua beleza transparecer e rebrilhar na forma humana, a mais perfeita que se imaginou.
É o ideal realizado. Postado no
ponto culminante da História, para onde convergem as duas vertentes da
humanidade, Jesus Cristo irradia, como centro indefectível de beleza
física, intelectual e moral: beleza divina e humana! E todas as Belas
Artes - Arquitetura, Escultura, Pintura, Música, Poesia - a Ele
dobram-se reverentes, ispirando-se no encanto desta aparição radiosa, e a
celebram honradas cada uma em sua linguagem própria e expressiva.
Arte Cristã
Dizendo "Arte Cristã", não nos referimos à Arte de igreja, ou aos seus objetos e regras particulares.
Arte Cristã é a Arte que
tem em si o sinal do Cristianismo. É pelo sujeito, portanto, em que se
encontra, é pelo espírito que a anima, que a Arte se pode dizer cristã. A
Arte cristã é, na feliz expressão de J. Maritain, "a Arte da humanidade
resgatada. Ela está plantada na alma do cristão, à margem das águas
vivas, sob o céu das virtudes teologais, ante o sopro dos sete dons do
Espírito Santo. E por isto é natural que produza frutos cristãos." (8) E
o mais interessante é que tudo lhe pertence, seja profano ou sagrado:
pode tanto brilhar numa paisagem, num romance, num busto, num filme,
como nos vitrais ou nas estatuárias das igrejas.
Por isto, tanto mais tem ela de
arte e de beleza, quanto tem de cristã. Sim, porque a religião foi o
apoio das Artes no seu berço e o é no seu desenvolvimento através dos
séculos. "A Arte, diz Luís Hourticq, é, na maioria dos casos, uma das
formas da atividade religiosa. É, no homem, um modo de confessar sua fé o
plasmar a matéria, emprestando-lhe formas harmoniosas. A missão das
artes é nos tornar Deus presente, dando uma aparência sensível aos
objetos sucessivos da nossa crença. Uma história da Arte é uma história
das Religiões." (9)
Não tememos por isto afirmar que
a Arte ou é cristã, ou não é uma Arte bela, perfeita. É J. Maritain
quem o prova: "Sempre que a Arte conheceu, egípcia, grega ou chinesa,
certo grau de grandeza e de pureza, já era cristã em esperança, porque
todo resplendor do espiritual é uma promessa e uma figura dos
equilíbrios do Evangelho." (10) Assim, para que surja uma Arte perfeita,
o que vale dizer cristã, não apenas em esperança, mas em posse e de
fato, é necessário que estejam juntas a inspiração humana e a inspiração
divina.
Querer portanto fazer obra
cristã importa primeiro em ser cristão, e passar depois na obra bela o
nosso inteiro coração. A Arte não será pois cristã se não trouxer na sua
beleza o reflexo interior da claridade da graça; e o não trará senão
transbordar de um coração por ela possuído. E a beleza da obra só é
cristã quando está Cristo na alma do artista presente pelo amor, e na
obra de Arte, presente pela expressão e o resplendor. É, pois, numa
palavra, por uma intrínseca elevação que a Arte é cristã, elevação, a
seu turno, que só se dá pelo amor.
"A Arte, terminemos com Fra Angélico, exige muita calma, e para pintar as coisas de Cristo é preciso viver com Cristo."
Arte Sacra
Arte sacra não é o mesmo que Arte cristã. Esta, como vimos, é toda Arte de inspiração cristã, filha de uma alma que vive com sinceridade generosa a vida da graça. Aquela é a Arte destinada à Igreja, e como tal se denomina sacra,
ou seja, sagrada. Não significa isto que se dispensa a Arte sacra de
realizar a beleza. Pelo contrário, antes de mais nada, é Arte
pertencendo ao grupo tanto das belas como das artes mistas. Sua beleza
subordina-se, porém, ao seu destino. Depende, pois, estritamente, a Arte
Sacra da ciência teológica e da liturgia. Uma Arte, dita sacra, que não
realizasse todas as condições requeridas por seu destino, não seria
bela.
Aos artefatos por ela realizados, denominamos geralmente, objetos de Arte Sacra.
Antes de tudo, porém, é em seus
princípios a Arte Sacra uma ciência. E como tal a definimos: Ciência que
estuda os monumentos, antigos ou modernos, de inspiração cristã, no
intuito de fundamentar naqueles e de expressar nestes, para o presente e
o futuro, a história dos dogmas e a disciplina da Igreja.
A Arte Sacra, como ciência, procura, numa palavra, descobrir nos antigos monumentos, e ensina a expressar nos novos os verdadeiros ideais cristãos.
Acham-se suas leis particulares determinandas nos diversos documentos pontifícios, nas prescrições litúrgicas, no sentir comum e tradicional da Igreja. O Código de Direito Canônico, de certo modo, concretizou-as nestas expressões, ao tratar da construção e reparação das igrejas: "Serventur formae a traditione christiana receptae et artis sacrae leges" (c. 1164).
1) Que significa a expressão: "Formas aceitas pela tradição cristã"? Não é esta forma - da qual importa não se afastar - um modelo, um tipo, nem mesmo um cânon adotado uma vez por todas. De fato, que há de comum entre uma igreja basilical e uma românica ou gótica? Entre um cálice antigo e um da Idade Média ou Renascença? E, entretanto, também aos últimos aceito-os a Igreja.
Além das prescrições estritamente litúrgicas, devemos acrescentar ainda quaisquer outras leis e prescrições visando o uso de objetos de Arte religiosa, mesmo alheios ao culto público e fora do emprego propriamente litúrgico. Dá-se o caso sobretudo quando se trata de arquitetura, escultura e pintura.
As relações da Arte com o Culto reduzem-se pois a este serviço subordinado de colaboração com a Liturgia para o fim que esta se propõe, isto é, unir as almas a Deus. Daí, duas principais leis da Arte Sacra podem deduzir-se:
Primeira: O artista e a obra como tal hão de desaparecer. - Nenhum orgulho humano ou prurido de originalidade será admitido. Portanto adaptação, discrição, simplicidade, sinceridade e naturalidade. O artista não somente evitará por em evidência sua personalidade e seus sentimentos próprios, mas procurará desempenhar seu papel no conjunto, fazendo concorrer sua obra para o todo a que esta se destina. seu fim será atingir exatamente o mesmo fim que se propõe a Liturgia. Daí, a Arte ao serviço do culto deverá caracterizar-se por um cunho especial de santidade, transformando-se sua obra em verdadeiros veículos da graça, como os demais elementos da Liturgia.
Segunda: Como serva da Liturgia deve a Arte sacra ser facilmente inteligível, e de certo modo universal. - Suas produções artísticas hão de servir ao ensinamento dos fiéis, à formação cristã do seu espírito e de seus costumes. A este aspecto refere-se o texto do ritual romano na fórmula da benção das imagens. Toda obra de Arte sacra deve, pois, instruir e incitar para o bem, cada uma a seu modo, em seu lugar e segundo sua natureza própria. E este ensinamento há de ser universal, isto é, apesar das variações dos tempos, lugares e artistas, deverá sempre e por toda parte desprender e despertar nas almas os mesmos sentimentos de espiritualidade, hauridos na perene tradição cristã. (11)
Lembremos, entretanto, não significa com isto que a Igreja condene ou despreze o progresso. Ao contrário, a Igreja, escreveu Pio X: "favoreceu sempre o progresso das artes." Aliás é ele uma conseqüência da sua catolicidade.
Católica, é de todos os tempos, de todos os lugares e povos; e há de se adaptar necessariamente às exigências da evolução dos tempos e das gentes. Que outra coisa eram, por exemplo, as primeiras basílicas romanas senão os palácios dos magistrados?
A Igreja é, portanto, amiga do progresso, que ela acolhe e fomenta, isto é, do progresso legítimo e verdadeiro que guarde as regras por ela ditadas. A lei da Igreja é esta: "serventur formae a traditione christiana receptae, et artis sacrae leges." (C. 1164)
A Arte Sacra, como ciência, procura, numa palavra, descobrir nos antigos monumentos, e ensina a expressar nos novos os verdadeiros ideais cristãos.
Acham-se suas leis particulares determinandas nos diversos documentos pontifícios, nas prescrições litúrgicas, no sentir comum e tradicional da Igreja. O Código de Direito Canônico, de certo modo, concretizou-as nestas expressões, ao tratar da construção e reparação das igrejas: "Serventur formae a traditione christiana receptae et artis sacrae leges" (c. 1164).
1) Que significa a expressão: "Formas aceitas pela tradição cristã"? Não é esta forma - da qual importa não se afastar - um modelo, um tipo, nem mesmo um cânon adotado uma vez por todas. De fato, que há de comum entre uma igreja basilical e uma românica ou gótica? Entre um cálice antigo e um da Idade Média ou Renascença? E, entretanto, também aos últimos aceito-os a Igreja.
(Cálice gótico)
Conclui-se pois que as "formas"
aqui visadas são algo de ideal, um conceito, um plano geral, dentro das
finalidades marcadas e obedecendo a certas prescrições litúrgicas
indispensáveis: não se trata pois de uma forma externa determinada, nem
de certa temática convencional. E sim dos meios a empregar pela
liberdade do artista, tais entretanto que se consiga atingir através dos
sentidos a alma dos fiéis dentro das normas litúrgicas e sob inspiração
dos ideais cristãos. Nisto é que se deve estar de acordo com a
tradição. Não se pode pois fixar exclusivamente sacros um ou vários
estilos dos períodos passados, pois um estilo pertence a uma época e a
um povo, ao passo que a Igreja é de todos os tempos e de todas as
gentes. Quando, pois, o Código ou os documentos pontifícios prescrevem a
manutenção da tradição, não falam de formas ou aspectos externos, mas
dos conceitos que se haurem do estudo da tradição.
Forma: - não é, pois, aspecto exterior, aparência, mas idéia que dá à obra seu caráter. Tradição:
- não é uma coleção de modelos a reproduzir, mas uma linha continuada
de esforços no mesmo sentido, para adaptar a um mesmo ideal e a
necessidades idênticas e diversas, as várias circunstâncias de lugares,
tempos e habilidades artísticas.
2) Quais são as "Leis da Arte Sacra" a que alude o mesmo cânon 1164?
O Código Canônico impõe tanto neste como no c. 1296 a origação de
observá-las o mais possível. Podemos realmente buscá-las nas prescrições
litúrgicas, nas relações da Arte com o Culto, e, por fim, na tradição,
entendida como dissemos.
a) As Prescrições Litúrgicas.
- Evidente deverá a Arte levar em conta, antes de tudo, as leis
formuladas pela Igreja a respeito de tudo que se destina ao culto. Uma
construção, um objeto, fosse qual fosse seu valor artístico, não se
poderia legitimamente admitir se sua matéria e sua forma - isto é, o
material e a concepção da obra -, o tornassem impróprios ao uso a que se
destina. Tem a Igreja realmente o direito de determinar, por
prescrições positivas, seperpostas mesmo às exigências do bom-senso e da
necessidade imediata, quais as condições requeridas para que tal objeto
seja anexado ao uso da Liturgia. Sem essas condições, o objeto
litúrgico ou sacro como tal, não existe, e toda a Arte que encerrasse
não poderia substituí-las. Aliás, nem tão numorosas são elas, e mesmo
dentro delas, não pequena é a margem reservada à iniciativa e bom gosto
dos artistas.
Além das prescrições estritamente litúrgicas, devemos acrescentar ainda quaisquer outras leis e prescrições visando o uso de objetos de Arte religiosa, mesmo alheios ao culto público e fora do emprego propriamente litúrgico. Dá-se o caso sobretudo quando se trata de arquitetura, escultura e pintura.
b) Relações da Arte com o Culto. - Se se tratasse apenas de Arte cristã ou religiosa, e não Arte sacra,
no sentido estrito, exigir-se-ia do artista somente que bem apreendesse
a verdade cristã que deseja exprimir idealmente, deixando-se-lhe para o
resto inteira liberdade. Quando porém o artista vem concorrer para o
culto público, sujeita-se, pelo fato mesmo, a obedecer como os outros
ministros, e submeter sua obra às exigências impostas por seu destino.
Desde então não mais a Arte senhora absoluta, mas "humilde serva" no
dizer de Pio X e Pio XI.
As relações da Arte com o Culto reduzem-se pois a este serviço subordinado de colaboração com a Liturgia para o fim que esta se propõe, isto é, unir as almas a Deus. Daí, duas principais leis da Arte Sacra podem deduzir-se:
Primeira: O artista e a obra como tal hão de desaparecer. - Nenhum orgulho humano ou prurido de originalidade será admitido. Portanto adaptação, discrição, simplicidade, sinceridade e naturalidade. O artista não somente evitará por em evidência sua personalidade e seus sentimentos próprios, mas procurará desempenhar seu papel no conjunto, fazendo concorrer sua obra para o todo a que esta se destina. seu fim será atingir exatamente o mesmo fim que se propõe a Liturgia. Daí, a Arte ao serviço do culto deverá caracterizar-se por um cunho especial de santidade, transformando-se sua obra em verdadeiros veículos da graça, como os demais elementos da Liturgia.
Segunda: Como serva da Liturgia deve a Arte sacra ser facilmente inteligível, e de certo modo universal. - Suas produções artísticas hão de servir ao ensinamento dos fiéis, à formação cristã do seu espírito e de seus costumes. A este aspecto refere-se o texto do ritual romano na fórmula da benção das imagens. Toda obra de Arte sacra deve, pois, instruir e incitar para o bem, cada uma a seu modo, em seu lugar e segundo sua natureza própria. E este ensinamento há de ser universal, isto é, apesar das variações dos tempos, lugares e artistas, deverá sempre e por toda parte desprender e despertar nas almas os mesmos sentimentos de espiritualidade, hauridos na perene tradição cristã. (11)
Arte Nova e a Igreja
Tal é, pois, a importância e a
influência das artes nas almas, que a Igreja tem o direito de velar pelo
seu decoro e pureza. Destinada a elevar até Deus os corações, e fazê-lo
baixar de certo modo até o âmago das almas, jamais pode tornar-se uma
pedra de escândalo.
Pio XII na Constituição Divini Cultus
lembra que "os fiéis vão à Igreja, para nela, como em parte primária,
haurirem a piedade por meio da participação ativa na celebração dos
venerandos mistérios da Igreja, e nas preces públicas e solenes. Importa
pois muito que tudo quanto pertence ao ornato da Liturgia, seja
regulado por certas normas e preceitos da Igreja, a fim de que as artes,
como é justo, sirvam realmente ao culto divino como nobilíssimas
servas."
A Arte deve, portanto, para
corresponder ao fim que a Igreja dela pretende - aliás ao seu próprio
fim - ser espiritualizada, divinizada, encarnar o espírito da Religião a
que serve.
Ora, o modernismo que tudo
invadiu e quer destruir, pretende paganizar também a Arte religiosa. Os
monumentos antigos, impregnados de cristianismo, e portanto de
espiritual unção, constituem uma condenação perene das aberrações do
modernismo avassalador. Por isto, os seus corifeus gritam com Marinetti:
"Queremos destruir os museus e as bibliotecas. Venham os bons dos
incendiários com os dedos a cheirar a petróleo! Desviai os canais para
que inundem os museus." (12)
Era contra a Arte nova deste
espírito, que Pio XI, em 27 de outubro de 1932, inaugurando a nova
Pinacoteca Vaticana, clamava: "As figuras da Arte moderna são
verdadeiras deformações dos seres naturais..."
As igrejas são mansões de Deus e
casas de oração; tal é o fim que deve ter a Arte e a suprema razão em
que se deve inspirar, se quiser ser sagrada; de outro modo não será nem
sagrada nem racional, como não é racional, nem humana, isto é, digna do
homem, a Arte amoral, pois nega e não respeita a sua própria razão de ser: a de aperfeiçoar uma natureza essencialmente moral.
(Catedral de Los Angeles - EUA -, um exemplo de modernismo na arquitetura)
Lembremos, entretanto, não significa com isto que a Igreja condene ou despreze o progresso. Ao contrário, a Igreja, escreveu Pio X: "favoreceu sempre o progresso das artes." Aliás é ele uma conseqüência da sua catolicidade.
Católica, é de todos os tempos, de todos os lugares e povos; e há de se adaptar necessariamente às exigências da evolução dos tempos e das gentes. Que outra coisa eram, por exemplo, as primeiras basílicas romanas senão os palácios dos magistrados?
A Igreja é, portanto, amiga do progresso, que ela acolhe e fomenta, isto é, do progresso legítimo e verdadeiro que guarde as regras por ela ditadas. A lei da Igreja é esta: "serventur formae a traditione christiana receptae, et artis sacrae leges." (C. 1164)
Seria um contrassenso? A Igreja, amiga do progresso, ordena se conserve a tradição?
Não. A explicação é de um mestre, Paulo Bayard: "Tradição e progresso
vão a par. O progresso é vida da tradição: a tradição é o progresso numa
linha determinada. Ambos os termos exprimem a mesma coisa: tradição,
progresso que olha para o passado; progresso: tradição que deita os
olhos para o futuro. A tradição artística da Liturgia, em mais de um
ponto, esteve sempre em progresso, mas teve sempre em conta as
exigências fundamentais. A forma nasce de um espírito. A Liturgia não é
um pretesto para o exercício da Arte, nem para invenções; ela é uma
mestra, ela inspira, guia, regula, manda, exige, aceita ou rejeita,
faz-se servir. Dá um impulso para frente ou faz parar. Ordena a
discrição ou a reforma ou o retrocesso. Estará sempre satisfeita com o
que é natural, sincero, adaptado, simples e inteligível. A Arte pode
cair em excessos de toda casta. A Igreja vela. Recusa o que não está
conforme com os usos litúrgicos, o que é inconveniente, o que pode
inculcar idéias falsas. Mas consente em aprovar o que é novo 'insólito'
se este novo é uma adaptação melhor, se está contido, em germe, nas
idéias tradicionais." (13)
O Santo Padre Pio XI condena a Arte nova, não por ser nova, mas por contrariar ao espírito, às tradições da Igreja, querendo transformar de sagrados que são, em simples salões de festas, mundanos e pagãos, os templos do Senhor. "Não aceitamos o novo, diz ele textualmente, só porque é novo, mas queremos um novo que seja pelo menos tão belo quanto o antigo."
Estas palavras dão-nos a norma a seguir: Interpretar o antigo com um sentimento novo, e fazer, não cópias arqueológicas, mas obras que vibrem com um pensamento moderno.
(1) C. M. Aguiar Barreiros, Elementos de Arqueologia e Belas Artes, págs. 38-39.
(2) Fr. Naval, Compendio de Arqueologia y Bellas Artes, I, p. 28, citando Izidro Gomá, El valor educativo de la Liturgia católica.
(3) Guibert, Contribution à l´éducation des clercs, págs. 18, 183-188.
(4) J. Maritain, Art et Scholastique, p. 113.
(5) Monsabré, Discours et panégyriques, VI, pág. 327-330.
(6) Sortais, Traité de Philosophie, pp. 358-360.
(7) Platão, em o Banquete.
(8) J. Maritain, op. cit. p. 111.
(9) Dictionnaire des connaissances religieuses, palavra "Art".
(10) J. Maritain, op. cit. p. 112.
(11) Veja-se Dictionnaire de Droit Canonique, artigo Beaux Arts, de Paul Bayard.
(12) Citado por P. Alves Ferreira, em Opus Dei, ano 1934-1935, pág. 377.
(13) Paul Bayard, em L´Action Liturgique, pág. 185, citado por Alves Ferreira, ibidem.
O Santo Padre Pio XI condena a Arte nova, não por ser nova, mas por contrariar ao espírito, às tradições da Igreja, querendo transformar de sagrados que são, em simples salões de festas, mundanos e pagãos, os templos do Senhor. "Não aceitamos o novo, diz ele textualmente, só porque é novo, mas queremos um novo que seja pelo menos tão belo quanto o antigo."
Estas palavras dão-nos a norma a seguir: Interpretar o antigo com um sentimento novo, e fazer, não cópias arqueológicas, mas obras que vibrem com um pensamento moderno.
(1) C. M. Aguiar Barreiros, Elementos de Arqueologia e Belas Artes, págs. 38-39.
(2) Fr. Naval, Compendio de Arqueologia y Bellas Artes, I, p. 28, citando Izidro Gomá, El valor educativo de la Liturgia católica.
(3) Guibert, Contribution à l´éducation des clercs, págs. 18, 183-188.
(4) J. Maritain, Art et Scholastique, p. 113.
(5) Monsabré, Discours et panégyriques, VI, pág. 327-330.
(6) Sortais, Traité de Philosophie, pp. 358-360.
(7) Platão, em o Banquete.
(8) J. Maritain, op. cit. p. 111.
(9) Dictionnaire des connaissances religieuses, palavra "Art".
(10) J. Maritain, op. cit. p. 112.
(11) Veja-se Dictionnaire de Droit Canonique, artigo Beaux Arts, de Paul Bayard.
(12) Citado por P. Alves Ferreira, em Opus Dei, ano 1934-1935, pág. 377.
(13) Paul Bayard, em L´Action Liturgique, pág. 185, citado por Alves Ferreira, ibidem.
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