terça-feira, 3 de abril de 2012

DISCURSOS SOBRE ARTE SACRA

Livro de Rodolfo Papa

Por Daniel Estivil*
ROMA,  (ZENIT.org
“Pintor, teórico e historiador da arte”, assim justamente vem apresentado o autor deste livro. Qualidades estas que atestam a personalidade poliédrica de Rodolfo Papa enquanto ligam-no às grandes figuras do mundo da arte do passado, quando o pintor unia à sua capacidade técnica não só uma conspícua cultura clássica, mas também o conhecimento dos princípios teóricos da arte. Mas não seria completa a apresentação do autor se não se acrescentasse que ele é um homem de fé, ativamente vivida na Igreja Católica. Só assim torna-se plenamente compreensível o alcance dos seus discursos sobre a arte, que – sem lesar a legítima autonomia da atividade artística – abrem horizontes bem mais largos adentrando-se no mundo do espírito à luz da fé em Jesus Cristo.
O discurso, como gênero literário, foi escolhido propositadamente pelo autor para afrontar um tema complexo, como o da arte, em uma estrutura de pensamento circular de diversos níveis, mas, todavia orientada a um objetivo final: a arte sacra. De fato, como vem explicitamente afirmada na introdução, a ideia de fundo que emerge com clareza em uma leitura de conjunto "é que só analizando de modo completo a identidade da arte se possa afrontar de maneira correta a delicada condição da arte sacra". Logo, não é por acaso, que o sétimo capítulo, dedicado à arte sacra, seja precedido de seis capítulos concernentes ao tema da arte em geral, mesmo não faltando em alguns deles, quando necessário, específicas chamadas à arte cristã.
Assim, na numerosa e caótica diversidade de opiniões que caracterizam hoje os estudos sobre arte, o autor abre o seu grande discurso, no primeiro capítulo, afrontando o delicado problema de definir a arte. Para este fim entra em um denso diálogo com os mais conhecidos representantes do pensamento contemporâneo sobre o assunto não só para desmascarar os seus "medos", mas também suas relutâncias em dar uma definição da arte. Convencido, porém, ainda que em contra tendência, da "necessidade de definir os termos sobre os quais apoiar as escolhas individuais e depois o sentido do agir e do fazer, e também do fazer artístico", o autor chega a uma solução do problema propondo a definição "real" e "clássica" da arte - ars est recta ratio factibilium – mas deixando também flexivelmente aberta a questão das definições de um estatuto epistemológico para cada espécie de arte.
Depois deste primeiro passo, o discurso prossegue sobre o tema do estilo, termo freqüentemente equivocado na linguagem corrente em referimento às artes visuais. A tal propósito, tomando como motivo o desenvolvimento histórico do conceito de estilo e concretizando-o no operar artístico de Caravaggio, a questão "estilística" vem apresentada em relação à maniera e à schola , que seriam declinações particulares de um sistema mais vasto e subentendido, que é o próprio sistema da arte, assunto do terceiro capítulo. No definir o sistema artístico como "um conjunto de princípios e regras que subentendem um sistema de sinais", em estreita relação com uma específica visão do mundo (Weltanschauung), o autor estabelece o fundamento teórico para individualizar a identidade e a essência do sistema da arte cristã. Deste modo, torna-se evidente não só a diversidade entre o sistema figurativo e o sistema não figurativo ou anicônico, mas, sobretudo a relação íntima entre religião e sistema artístico.
Muito significativo é o discurso sobre a luz, desenvolvido no quarto capítulo, que põe em evidência como a «passagem da luz para a cor» na arte contemporânea não seja senão a passagem "de uma visão metafísica a uma materialista". A luz, metáfora da verdade e símbolo da beleza, torna-se neste discurso princípio hermenêutico para compreender a dimensão da corporeidade em sentido cristão. Nesta visão, o abstrato e o hiperrealismo não podem ser frutos de uma concepção desviada e reducionista da corporeidade e, em última instância, da luz.
Muito pertinente, depois, é o discurso sobre imagens e sobre o corpo, com a finalidade de demonstrar por uma parte, a assim chamada “sociedade das imagens” na qual vivemos, que, na verdade, é uma sociedade “intrinsecamente iconofóbica”, e por outra, revelar o aspecto mais revolucionário da prospectiva na sua capacidade de “tornar presente” a realidade in imagine picta ao serviço das exigências contemplativas da espiritualidade franciscana e da fé na Encarnação.
Não poderia faltar um discurso sobre a beleza, aspecto basilar de qualquer reflexão sobre arte. Este discurso revela em modo particular o sólido conhecimento da doutrina escolástico-tomista por parte do autor.

Ele, de fato, refere-se muitas vezes à concepção da beleza em termos ontológicos de “transcedente”, em estreita relação com o verum e o bonum. Interessante notar que tal prospectiva, como vem expressamente sublinhado, está em continuidade com os ensinamentos do Concílio Vaticano II (cf. Sacrosanctum Concilium, 122) e também com o magistério pós-conciliar (cf. Giovanni Paolo II, Veritatis splendor, 51; Benedetto XVI, Sacramentum caritatis, 31 e 41).
O discurso sobre arte sacra, o último da série, merece a máxima atenção por ser o coroamento de todos os discursos precedentes, assim como para o autor – pintor, teórico e historiador da arte – tudo é orientado à arte sacra, que constitui o leitmotiv da sua vida de “artista e homem de fé”. O sublinhamento da especificidade da arte sacra no seu ser referido à liturgia, permite abrir um discurso de fundamental importância para entender a arte sacra em relação à fé e para poder definí-la, a exemplo da definição tomista, como «fides et recta ratio factibilium». Sempre em analogia com a relação entre fides et rati, o autor caracteriza na história da relação entre arte e fé “três estados: uma arte autônona com respeito à fé, uma arte cristã iluminada pela fé e uma arte interpelada pela fé”, ou chamada pela fé a um papel mais específico. Esta última é propriamente a arte sacra. A distinção torna-se um guia seguro para o conhecimento adequado da tradição na arte da Igreja, seja para delinear o perfil do artista cristão, seja para reconhecer a autêntica arte sacra. Este último aspecto resulta iluminado pelo comentário dos cinco pontos já assinalados pelo Card. Joseph Ratzinger em sua Opera Omnia sobre a Teologia da Liturgia: a inconciliabilidade da iconoclastia com a fé na Encarnação do Verbo, a história da salvação como fonte da arte sacra, a centralidade da imagem de Cristo na arte figurativa sacra, a imagem sacra como instrumento de contemplação, a essência de espaço para a arbitrariedade e para o subjetivismo na arte sacra. Enfim, no seu discurso conclusivo, o autor chega a sintetizar com grande lucidez mental quatro características fundamentais que dizem respeito à identidade da arte sacra: universalidade, beleza, figuratividade e narratividade.
O livro, fruto da maturidade do pensamento do autor, vem à luz em um momento histórico particularmente significativo para a vida da Igreja e para a arte sacra. De fato, enquanto vem publicada a obra de R. Papa se aproximam duas celebrações importantes: o 50º aniversário da abertura do Concílio Ecumêncio Vaticano II e o Ano da Fé, proclamado por Bento XVI com a Carta Apostólica Porta Dei. Tanto para um como para o outro momento o livro aqui apresentado pode ser considerado uma contribuição válida e digna de apreço. Em referimento ao Concílio Vaticano II, os discursos desenvolvidos no livro não só se alinham à hermenêutica dos textos conciliares prevista por Bento XVI (cf. Discurso à Curia Romana, 22 dezembro de 2005), mas sobretudo constituem uma aplicação prática e concreta da orientação conciliar sobre a formação dos artistas e do clero (cf. Sacrosanctum Concilium 127 e 129). Neste sentido é prevista uma larga difusão da obra para fins de formação, seja nos ambientes universitários eclesiásticos, seja naquele vasto “aerópago” do mundo da arte, que hoje vale apresentar como um novo cenário de evangelização. Também em relação ao Ano da Fé este livro é capaz de oferecer a sua precisosa contribuição. De fato, se hoje uma “profunda crise de fé...tocou muitas pessoas (Porta fidei, 2), não parece que existem razões válidas para excluir artistas entre aqueles que são tocados por esta crise. Portanto, estes discursos sobre arte sacra sejam contemplados com os olhos da fé e, sobretudo, porque os artistas entendem quão nobre pode se tornar a própria arte no momento em que essa for concebida segundo a fé e assuma como finalidade única servir à glória de Deus na Igreja.

*Mons. Prof. Daniel Estivil, Pontifícia Universidade Gregoriana
(Tradução: Ir.Patricia Souza)

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