Arte e Caridade (Parte I)
O aspecto jurídico da arte sacra
Roma,
(Zenit.org)
Rodolfo Papa
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Depois de haver afrontado nos dois artigos precedentes publicados na rubrica Reflexões sobre Arte[2] a
relação profunda que ocorre entre a dimensão estética e a dimensão
moral na inteira esfera do "fazer" artístico, seja à luz do Decreto
Conciliar Inter Merifica, ou em suas derivações no Catecismo da
Igreja Católica, julgamos necessário fazer agora um passo ulterior em
direção a um aprofundamento em âmbito jurídico, com a finalidade de
evidenciar as várias coimplicações que na questão artística se
explicitam à luz de uma correta interpretação do texto jurídico.
Poder-se-á, então, compreender como a arte, enquanto ligada intimamente à
questão moral, tenha uma relação profunda com o bem do homem e,
portanto, com a justiça, e consequentemente está entre as formas
supremas da caridade, própria do homem de Deus e dever iniludível da
Igreja.Estes princípios obrigatoriamente devem ser observados, de forma que não é lícito introduzir pinturas, edificar ex novo ou restaurar uma igreja, porque a dimensão jurídica do cânone é clara, a partir do momento que diz: "observem-se" os princípios e as normas. Mas, mais profundamente se compreende que no campo da arte sacra, há uma dimensão normativa que é explicitada a partir da sua dizibilidade em âmbito jurídico. Em outras palavras: se a arte sacra não fosse sujeita a regras, normas e princípios não seria dizível em âmbito jurídico e, portanto, seria totalmente desvinculada de toda relação seja em âmbito ético ou estético; e consequentemente exposta completamente à relatividade do gosto pessoal ou da teoria estética em moda em um particular momento histórico, sem algum vínculo filosófico, teológico e antropológico.
Como ao contrário vimos nos dois artigos precedentes, a respeito do Decreto Inter Merifica, que afirma não ser possível admitir "falsas teorias éticas" e "falsas teorias estéticas" expondo de fato a questão da comunicação de uma área genericamente descrita a uma normatizada e havendo princípios e regras próprias, conduzindo a questão da comunicação – e, portanto, também a da arte que é desde sempre um dos instrumentos mais importantes da comunicação social – ao interno do âmbito moral e a partir dessa àquela do direito.
Confirmando esta impostação, o Catecismo da Igreja Católica introduz a questão artística, não em um lugar genérico a respeito das atividades antropológicas sociais e/ou individuais próprias do homem, mas mais especificamente na descrição do oitavo mandamentos, nos artigos 2500-2505: «Não levantar falso testemunho contra o teu próximo» (Ex 20,16), «Foi dito aos antigos: "Não jurarás"» (Mt 5,33). Os artigos do Catecismo de fato, retomam e desenvolvem seja o número 6 no Inter Merifica ou os artigos 122-129 da Sacrossanctum Concilium, como já explicado em outro momento.
A partir daqui é evidente que não se pode liquidar a questão da arte sacra como uma interpretação "subjetiva", reduzindo-a a opiniões pró ou contra o conceito de belo ou de verdadeiro ou de bom. O Cânone 1216 do Código de Direito Canônico, volta a trazer no âmbito das normas, e inequivocadamente o Inter Merifica esclarece que as falsas teorias estéticas não podem de modo algum ser introduzidas na comunicação e na arte conexa à formação espiritual, moral, intelectual e catequético do fiel.
O Código de Direito Canônico quando fala sobre a pregação, no cânone 769, diz: «a doutrina cristã seja proposta em modo conforme a condição dos que a escutam e adaptado às necessidades do tempo». Para compreender que esta norma se estende também à arte sacra, deve-se fazer referência ainda uma vez ao catecismo, que afirma: «A arte sacra é verdadeira e bela quando, na sua forma, corresponde à vocação que lhe é própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus»[4], e ao mesmo tempo se deve ter presente como na tradição da Igreja que a pintura seja considerada como uma forma de pregação por assim dizer "muda"[5], capaz, ao lado da pregação, de "comunicar" Cristo aos fieis. Assim se compreende como a questão da arte sacra não se limita exclusivamente no seu máximo vértice, que é o eminentemente litúrgico, mas que diz respeito também um aspecto que se pode definir como catequético, que implica, seja a dimensão moral (parenética) da arte, composta de exemplos capazes de suscitar e formar as almas, seja numa dimensão mistagógica, que permite a penetração da verdade de fé.
Compreende-se também que a arte sacra não há um dever elitário, não é para poucos, mas antes deve voltar-se para todos, deve se adaptar às condições culturais dos fieis, que caritativamente necessitam de ajuda (pauperes no sentido mais pleno do termo) devem ser educados através da pregação muda da arte sacra, e conduzidos a uma plenaedificação da pessoa na sua inteireza. A arte tem o dever de educar para o bem, como recordava já no ano 1582 o cardeal Gabriele Paleotti no seu imprescindível Discurso em torno das imagens, e a beleza é ligada ao bem e ao verdadeiro, como reforça o Catecismo no artigo 2500: «a prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral. Ao mesmo modo, a verdade se une à alegria e ao esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma».
(Tradução:Ir. Patricia Souza pmmi)
[1] Especialista no XIII Sínodo do Biscopos, professor de História das teorias estéticas na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma, Artista, Acadêmico Pontifício. Website: www.rodolfopapa.it Blog: http://rodolfopapa.blogspot.com e-mail: rodolfo_papa@infinito.it.
[2] Cfr PAPA, R. Arte e Moral. A profunda atualidade do Decreto Conciliar Inter Merifica (publicado por www.zenit.org em 17/12/12 e PAPA, R. Arte e Moral. Ainda sobre a atualidade do Decreto Conciliar Inter Merifica. (publicado por www.zenit.org em 07/01/13).
[3] CDC, Cân. 1216
[4] CIC, 2502.
[5] MARINO, E. Il beato Angelico: como a pintura, assim a pregação; como a pregação, assim a pintura. Conferência para o jubileu dos artistas, Roma. 2003.
(07 de Março de 2013) © Innovative Media Inc.
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