Roubo de arte sacra colocou em alerta os moradores de Cholulo, a 130 quilômetros da capital do país
Na
Igreja de Santa Maria Acuexcomac, uma moldura dourada imponente fica
pendurada na parede da entrada, vazia, exceto pelas bordas recortadas da
pintura onde os ladrões passaram suas facas
Foto:
Rodrigo Cruz / NYTNS
Karla Zabludovsky - ZERO HORA
Cholula, México — Três homens, trabalhadores rurais durante o dia, se acomodam em um banco de praça conforme a noite cai, com um monte de garrafas vazias de bebidas alcoólicas fortíssimas por perto. Outro homem relembra como tocar o sino em caso de emergência. Um deles escuta com atenção as ordens de seu líder.
É hora de tomar conta das igrejas de Cholula.
Dizem que Cholula tem uma igreja para cada dia do ano. Há, na verdade, cerca de 80 ao todo, muitas datando do século XVII e repletas de pinturas e esculturas daquele tempo. É o suficiente para atrair hordas de adoradores — e ladrões.
Roubo de arte sacra não é novidade por aqui, mas um roubo elaborado em outubro passado — ao menos uma dúzia de imagens foram levadas, algumas com a ajuda de andaimes — tirou a comunidade do sério. Some-se a isso o aumento de atividades de gangues em toda a cidade e as autoridades, em grande parte, indiferentes e subequipadas, e os cidadãos daqui, conhecidos por seu fervor religioso, chegaram a uma resposta popular: aumentar a vigilância por si próprios.
Um sistema de vigilância humana para igrejas existe em Cholula desde os tempos coloniais, mas conforme os roubos foram aumentando nas redondezas, algumas igrejas dobraram os voluntários, colocaram turnos noturnos e armaram seus protetores.
— Passou de uma cidade tranquila para o completo oposto disso — disse Rufino Arenas, desviando o olhar para baixo em direção a um notebook com instruções de como tocar o sino. Ele estava trabalhando na Cidade do México, mas voltou no começo de janeiro para ajudar a proteger Santa Maria Acuexcomac, sua igreja da infância.
Fidela Quia Torres é voluntária na igreja durante o dia. Ela vigia os visitantes atrás de comportamentos suspeitos, como tirar fotos, com a preocupação de que as fotografias serão compiladas em um catálogo para traficantes de arte.
Por perto, na Igreja da Santíssima Trindade, saqueada em 2008, Herminio Toxqui mudou sua família para um quarto minúsculo atrás do altar, deixando-o pronto para tocar o sino e convocar a comunidade a qualquer hora em que ele detectasse atividades suspeitas.
E na Igreja de San Gregorio Zacapechpan, saqueada em 2010, turnos obrigatórios para todos os homens capacitados do bairro têm sido colocados em prática. Espera-se que eles apareçam preparados para lutar contra bandidos armados.
— As pessoas sabem que quando vêm para fazer a vigilância, elas trazem suas próprias armas — disse o Reverendo Patricio Solis Soriano, o padre da igreja.
Mesmo migrantes de Cholula vivendo nos Estados Unidos se envolveram nos esforços de proteção da comunidade. Depois que um punhado de pinturas, que poderiam ter 400 anos, foram roubadas, um grupo de expatriados nos Estados Unidos organizou uma arrecadação de fundos. Eles compraram e mandaram câmeras de vídeo que se misturam, quase com sucesso, aos arcos aparados de ouro na San Gregorio Zacapechpan
Ainda assim, os esforços dos cidadãos podem parecer fortuitos e desorganizados. Nas várias igrejas que montaram sistemas de circuito interno de câmeras, incluindo a San Gregorio Zacapechpan, ninguém parece saber quem tem a chave do centro de monitoramento, ou, às vezes, onde ficam esses cômodos.
Na Igreja de Santa Maria Tonantzintla, cuja arte barroca do século XVI faz dela a joia da coroa entre as igrejas de Cholula, um monitor que recebe um feed contínuo de imagens das câmeras no lado de dentro está sempre ligado, mas está trancado — de modo que ninguém pode olhar para ele.
Muitos membros da comunidade que se envolveram nesses esforços dizem que o fazem para provar sua devoção religiosa e não estão cientes de quanto valem as obras de arte que guardam.
— Nem mesmo nossos avós sabiam — disse uma mulher que assistia à missa de domingo na Santa Maria Acuexcomac.
Os envolvidos nos roubos, obviamente, têm uma ideia mais clara do quão lucrativo esse negócio pode ser. Um grupo de pinturas com temas religiosos do século XVIII do artista mexicano Miguel Cabrera foi vendido por 362.500 mil dólares em 2010, de acordo com uma listagem online da Sotheby's.
Especialistas em arte dizem que é impossível saber quantas das pinturas mexicanas vendidas fora do país são roubadas, mas o interesse global na arte mexicana foi despertado nos anos 90, depois da exposição México: Esplendores de 30 Séculos, exibida no Metropolitan Museum of Art.
Clara Bargellini, investigadora da Universidade Nacional Autônoma do México, diz que há uma forte demanda por esse tipo de arte no sudeste dos Estados Unidos. No último outubro, o departamento de Alfândega e Imigração dos Estados Unidos devolveu mais de quatro mil artefatos culturais saqueados ao México, incluindo peças de cerâmica que datam de 1.500 anos atrás.
Mas os esforços das autoridades mexicanas, norte-americanas e internacionais para achar pinturas religiosas e devolvê-las ao seus lugares de origem geralmente falham, já que poucas obras de arte foram catalogadas. Apesar dos planos do Instituto Nacional de História e Antropologia e da promotoria geral de criar catálogos abrangentes, a documentação desse tipo de arte continua incompleta e descentralizada.
Os voluntários em ao menos uma dúzia de igrejas em Cholula reclamaram que o instituto ainda precisava visitá-los. A maioria não tem acesso a computadores e câmeras para documentar suas obras de arte; nem, em caso de roubo, ajuda nas investigações.
A situação não apenas deixou as paredes das igrejas nuas, mas também espalhou melancolia e ceticismo sobre comunidades onde antes imperava a confiança.
— Muitas vezes, os ladrões já estão dentro. Algumas vezes eles são os mesmos que têm a chave da igreja — disse Jorge Segovia, que é o encarregado de um projeto para catalogar artes para a Arquidiocese do México.
Agora, quando rostos novos entram nas igrejas aqui, eles atiçam desconforto, uma perda de confiança que as pessoas aqui lamentam. Os ladrões, segundo frequentadores da igreja, levaram mais do que apenas arte.
— Eles estão roubando até a nossa fé — disse Arenas.
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