A profunda atualidade do decreto conciliar Inter merifica
Roma, (Zenit.org).
Frequentemente escutam-se ou leem-se afirmações que descrevem as artes como atividades desvinculadas de qualquer regra e, sobretudo, como independentes de qualquer princípio moral, e, às vezes, estas visões vêm abraçadas também por artistas (pintores, escultores, músicos, arquitetos...) que se declaram católicos. Porém, de vários modos pode ser argumentado e compreendido que o fazer da arte è sempre vinculado ao agir moral.Leiamos, portanto, atentamente o artigo n. 6 do Decreto sobre instrumentos de comunicação social Inter Merifica promulgado a 4 de dezembro de 1963, que textualmente diz: «Uma segunda questão diz respeito às relações entre os chamados direitos da arte e as normas da lei moral. Dado que, não raras vezes, as controvérsias que surgem sobre este tema têm a sua origem em falsas doutrinas sobre ética e estética, o Concílio proclama que a primazia da ordem moral objetiva deve ser repeitada absolutamente por todos, porque é a única que supera e coerentemente ordena todas as demais ordens humanas, por mais dignas que sejam sem excluir a arte. “Só a ordem moral, de fato, atinge o homem na totalidade, criatura de Deus dotada de inteligência e chamada a um fim sobrenatural; e a mesma ordem moral, se integral e fielmente observada, leva o homem a chegar à perfeição e á plenitude da felicidade» (IM,6)
Portanto, o Decreto Conciliar afirma que é preciso guardar-se das falsas doutrinas em matéria de ética e de estética, porque a primazia da ordem moral objetiva deve ser repeitada absolutamente por todos. É muito fácil compreender como a questão seja interconexa aos meios de comunicação social, porque frequentemente falsas doutrinas em matéria de ética são veiculadas através de fiction, film, talkshow, tanto que a atenção crítica no confronto das mensagens televisivas e telemáticas é já compartilhada e difusa. O fato, porém, que dentro do mesmo horizonte moral se coloquem também as questões em matéria de estética, é um aspecto ainda de certo modo não compreendido e é também tudo o que torna o Decreto Inter Merifica um texto absolutamente extraordinário, capaz ainda de dizer coisas novas.
De fato, o verdadeiro centro do parágrafo 6 está no colocar o problema estético no contexto dos meios de comunicação social, e analisar os direitos da arte nas questões morais. O Concílio decididamente não afirma que a Igreja se deva submeter às imposições do mundo contemporâneo no campo moral e nem no estético, antes afirma com firmeza o contrário, isto é, que deve guardar-se das falsas doutrinas nos dois campos, perscrutando-os com atenção e tomando distância de tudo aquilo que resulta falso, errôneo e perigoso.
Existe um imenso patrimônio de pesquisa, de estudo e de reflexões sobre problemáticas éticas no mundo contemporâneo: basta pensar nas questões concernentes à moral sexual, ou as aplicações tecnológicas, ou os problemas bioéticos ou aqueles relacionados aos direitos jurídicos da pessoa desde a concepção até a morte. Talvez, ainda há muito que cumprir em âmbito de estudo e reflexão sobre questões estéticas e artísticas, para compreender quais são na contemporaneidade as falsas doutrinas em matéria de estética. Antes, como aludimos ao início, muitos absolutamente excluem que possam existir falsas doutrinas em matéria de estética.
As virtudes praticadas e cultivadas são instrumento eficaz na edificação do homem e a arte está entre as atividades humanas que, na prática das mesmas virtudes, tem o dever de mostrar o esplendor da verdade mediante a beleza. Muitas vezes se confunde o plano dos direitos da arte com a liberdade de sair do plano dos princípios morais; porém, a arte - porque tem por seu específico dever e interesse a beleza - de consequência não pode não interessar-se pelas relações com a verdade e com o bem. Nesta perspectiva o Decreto Inter Merifica afirma que a ordem moral objetiva supera e coerentemente ordena todas as demais ordens humanas, por mais dignas que sejam, sem excluir a arte. É a ordem do bem a unificar cada atividade humana, a arte não pode constituir uma exceção, antes de certo modo é a máxima exemplificação.
Sobre este ponto também o Catecismo da Igreja Católica, na terceira parte, segunda sessão, capítulo segundo, quando afronta os Mandamentos, analisando o oitavo "Não levantar falso testemunho", oferece uma profunda reflexão pondo em relação este mandamento moral com a verdade afirmada e a beleza, mostrando a ligação entre a verdade e o bem, e entre a arte e a verdade afirmada. Diz: «A prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral”. Do mesmo modo, a verdade se aproxima da alegria e ao esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma. Ao homem, dotado de inteligência, é necessária a verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada; mas a verdade pode também encontrar outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar tudo o que esta comporta de indizível, as profundidades do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus».[3]
E depois ainda: « O homem exprime a verdade do seu relacionamento com Deus Criador também mediante a beleza das próprias obras artísticas [...] Como cada atividade humana, a arte não tem em si o próprio fim absoluto, mas é ordenada ao fim último do homem e por este enobrecida»[4]
Daqui descende que não pode existir um direito absoluto da arte, que possa permitir qualquer coisa em nome das necessidades artísticas, e, portanto ainda deriva, como afirma o Decreto Inter Merifica, que existem teorias estéticas falsas e que a elas não se deve submeter. Aliás, é evidente como este discurso tem uma particular validade na aplicação ao âmbito da arte sacra.
O Catecismo da Igreja Católica aprofunda o discurso sobrequestão artística, chegando a dar as indicações precisas sobre coisa seja a arte sacra. Diz: «A arte sacra é verdadeira e bela, quando, na sua forma, corresponde à vocação que lhe é própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus, Beleza Escelsa de verdade e de amor, resplandecida em Cristo "irradiação da sua glória e sinal de sua essência" (Heb 1,3), no qual "habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Col. 2,9), beleza espiritual refletida na Santíssima Virgem Maria, nos anjos e nos santos. A autêntica arte sacra conduz o homem à adoração, à oração, ao amor de Deus Criador e Salvador, Santo e Santificador»[5]
E muito oportunamente se dispõe que «os Bispos, pessoalmente ou por meio de delegados, devem cuidar de promover a arte sacra, antiga e moderna, em todas as suas formas, e de ter longe, com o mesmo zelo, a partir da Liturgia e dos edifícios de culto, tudo aquilo que não está conforme à verdade da fé e à autêntica beleza da arte sacra».[6]
[1] Especialista no XIII Sínodo do Biscopos, professor de História das teorias estéticas na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma, Artista, Acadêmico Pontifício. Website: www.rodolfopapa.it Blog: http://rodolfopapa.blogspot.com e-mail: rodolfo_papa@infinito.it.
[2] Cfr. PAPA, R., Discorsi sull'arte sacra, Cantagalli, Siena, 2012, pg. 167-184.
[3] CIC, 2500
[4] CIC, 2501
[5] CIC, 2502
[6] CIC, 2503
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