sábado, 28 de julho de 2012

Um território sagrado em Ouro Preto completa três séculos de existência - Paróquia N. Sra. do Pilar - MG


Católicos comemoram 300 anos da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, uma das mais antigas de Minas e que abrange 23 templos, entre eles a imponente igreja matriz

 Por Gustavo Werneck - Estado de Minas







Ouro Preto – Na manhã ensolarada e de temperatura agradável, o pintor Francisco Marcos Olímpio recria, em aquarela, a fachada da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, no Centro Histórico da cidade. Um estrangeiro chega, compara a pintura e o original e aprova o trabalho com um sorriso. Logo em seguida, atraído pela grandiosidade da igreja, o visitante atravessa a porta principal e começa a percorrer o universo permeado pela fé, pleno de beleza e imerso no esplendor barroco. Diante de altares, anjos dourados, imagens em policromia e pinturas de flores, o silêncio “fala” mais alto e o encantamento ocupa todos os espaços que os olhos podem alcançar. Quem entra na matriz fica maravilhado com o território sagrado, dono de uma trajetória singular, recheado de curiosidades e, agora, em temporada de festa. No dia 15, com toda a pompa que a data exige, os católicos vão celebrar os 300 anos da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, uma das mais antigas de Minas e com acervo sacro rico e diversificado presente em 23 templos.

As alfaias (tudo que enfeita, incluindo os paramentos) e a prataria estão sendo preparadas com o maior capricho para a comemoração do tricentenário, diz o diretor do Museu de Arte Sacra de Ouro Preto, vinculado ao Pilar, Carlos José Aparecido de Oliveira. “Nesse dia, não teremos flores na igreja, só a prata da casa. Todo o acervo ficará sobre a mesa do altar-mor, durante as missas e demais cerimônias em honra à padroeira do município”, adianta Carlos José, que trabalha na paróquia há mais de 20 anos. Guardião da memória, ele lembra que o jubileu é ótima oportunidade para que as pessoas conheçam a história da matriz que se confunde com a de Ouro Preto, antiga Vila Rica. “Trata-se de um lugar único, com arquitetura belíssima e características muito próprias. A nave tem a forma de um polígono de oito lados, com seis altares, tribunas sobrepostas e uma área específica para o coro”, explica enquanto mostra nos retábulos as imagens de São Miguel e Almas, Santana, Senhor dos Passos, Santo Antônio dos Pardos, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e Nossa Senhora das Dores.

O projeto e execução do entalhe são de autoria do português Francisco Xavier de Brito, que chegou a Vila Rica em 1741 e trabalhou no Pilar de 1746 a 1750, e, segundo estudos, teria sido mestre de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814). Outros entalhadores portugueses importantes trabalharam ali, entre eles Manoel de Brito e o mestre de obras Pedro Gomes Chaves. Já as pinturas têm a marca de João de Carvalhares, Bernardo Pires da Silva, João Batista de Figueiredo e Manoel Ribeiro Rosa. Ainda atuaram nesse espaço o entalhador Ventura Alves Carneiro, em 1751, no arco-cruzeiro, e José Coelho de Noronha (1754), autor do resplendor do trono, atualmente no coro.

Devoção
“Em 1705, nos arraiais que deram origem a Vila Rica, já se falava na devoção a Nossa Senhora do Pilar, que teria chegado à região com os bandeirantes”, conta o historiador Carlos José, explicando que o culto é originário da Espanha. Fatos importantes tiveram o primitivo templo como palco, entre eles a posse, em 1711, do governador Antonio de Albuquerque, quando os arraiais se transformaram em Vila Rica. Na mesma data, a imagem da padroeira foi entronizada e, no ano seguinte, o bispo do Rio de Janeiro, dom Frei Francisco de São Jerônimo – nessa época, a diocese de Mariana, à qual Ouro Preto está ligada, ainda não tinha sido criada –nomeou um pároco e autorizou a compra dos vasos sagrados (cálices, âmbulas etc.) e paramentos em quatro cores (vermelho, verde, branco ou amarelo e preto) para celebração dos sacramentos, além da presença de uma pia batismal “decente”.

O tempo passou, a população cresceu, até que em 1728 a mesa administrativa das irmandades do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora do Pilar decidiram aumentar a igreja, que não comportava o número de fiéis. Da mesma forma, o terreno se tornava pequeno para construção dos túmulos dos irmãos. As obras de ampliação começaram dois anos depois e ganharam uma inauguração que passou a história como a maior festa dos tempos coloniais. O Triunfo Eucarístico, em 1733, num tom quase operístico, misturou elementos sacros e profanos, num cortejo pelas ruas de Vila Rica.

Tombada desde 1930 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Matriz de Nossa Senhora do Pilar recebeu obras de vulto nas décadas de 1940, 50 e 60, com troca de peças de madeira por concreto. No século 19, afirma o historiador, a maior parte dos elementos artísticos foi encoberta por tinta branca, o que só foi removido com as obras de restauro a partir dos anos 40. O atual titular da paróquia, padre Marcelo Moreira Santiago, está certo de que o cargo é uma honra, mas também exige responsabilidade. “Tenho um olhar de gratidão sobre todos aqueles que nos precederam em três séculos”, afirma.

Nesses tempos, merecem destaque outros dois momentos, um de alegria e outro de uma tristeza que ninguém esquece. O primeiro, em 1963, está na nomeação pelo papa João XXIII, da imagem como Padroeira Pontifícia. Para o feito, a comunidade se uniu e mandou fazer uma coroa de ouro cravejada de pedras preciosas. Dez anos depois, em 2 de setembro, ladrões levaram grande parte do acervo, incluindo a coroa da padroeira e peças usadas no Triunfo Eucarístico. Eram tempos de ditadura militar e o roubo virou assunto proibido de divulgação na imprensa por determinação do então Serviço Nacional de Informações (SNI). Até hoje, o crime não foi esclarecido nem as peças encontradas. A funcionária da paróquia, Geralda da Purificação Gomes, lembra bem do episódio e do sofrimento do padre Simões, acusado injustamente e alvo de prisão. “Os ladrões levaram um ostensório maravilhoso, que se transformava num cálice.”

Na saída
Uma hora depois da visita, o turista estrangeiro sai com os olhos brilhando. Ele se dirige ao artista plástico Francisco Marcos Olímpio, examina mais uma vez a aquarela, leva o trabalho e sai feliz da vida subindo a Rua da Escadinha, que conduz ao Centro Histórico.

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