domingo, 5 de fevereiro de 2017

Senhor do Padrão, onde chegou o Cristo de Nicodemos, renova-se (Portugal)

A obra de restauro do monumento do século XVIII, cuja lenda a que está associado terá dado origem à festa do Senhor de Matosinhos, vai custar à câmara cerca de 100 mil euros e estará terminada em 5 meses.

Texto de ANDRÉ VIEIRA



FotoFRANCISCO TEIXEIRA/CMM
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As obras de restauro do zimbório do Senhor do Padrão, em Matosinhos já estão em curso. O contrato celebrado em Outubro do ano passado com a empresa Empatia - Arqueologia, Conservação e Restauro, Lda prevê um prazo de execução de 5 meses. O restauro do imóvel classificado como monumento nacional desde 1971, propriedade da Misericórdia de Matosinhos, custará à autarquia local 98.060 euros, valor ao qual acresce o IVA à taxa legal em vigor.
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Edificado do século XVIII, também conhecido por Senhor do Espinheiro ou Senhor da Areia, por na altura da construção se encontrar em pleno areal da praia, assinala o local onde, segundo a lenda (ver abaixo), apareceu a imagem do Bom Jesus de Bouças, mais tarde conhecida por Senhor de Matosinhos.

Actualmente, em redor do edifício já não há areal, há sim um parque com o mesmo nome do monumento, que até ao início do século XX teria um forte impacto visual por se encontrar no meio da Praia do Espinheiro, sendo possível avistá-lo a quilómetros de distância tanto da terra, como do mar.

Devido à sua longevidade e à proximidade da praia, o monumento apresentava já alguns sinais de desgaste. De acordo com a memória descritiva da empresa responsável pelo restauro, disponibilizada ao PÚBLICO pela Câmara Municipal de Matosinhos, a obra abrangerá vários sectores do zimbório, no sentido de recuperar a azulejaria e o suporte pétreo.

Na mesa do altar, revestida por um painel de azulejos “estilo tapeçaria azul e branca”, que no centro tem um medalhão de representação de membro de ordem religiosa, serão substituídos os originais por réplicas exactas “em tamanho, forma, cor e técnica”. O estado avançado de degradação não deixa margem para que os originais possam ser aproveitados. De acordo com a memória descritiva, a proximidade da praia torna todo o conjunto patrimonial “susceptível aos ventos marítimos, fragilizando e degradando o suporte azulejar que o decora”. Contribuíram também para o estado de degradação alguns actos de vandalismo e algumas manifestações de culto, como colocação de velas e arranjos florais, expondo os azulejos “a uma concentração de patologias que alteram a leitura dos painéis”.

O Cruzeiro, uma representação de Cristo Crucificado em granito, revestido por azulejos, passará por um processo semelhante. Com algumas fracturas e manchas de sujidade, ao contrário do que acontece com a mesa do altar, prevê-se que sejam mantidos a maior parte dos azulejos existentes. Contudo, os que apresentarem sinais de maior degradação serão igualmente substituídos por réplicas, que também serão usadas para colmatar a inexistência de alguns. Para que intervenções futuras não sejam inviabilizadas, os materiais que serão usados no restauro permitirão a reversibilidade. Pelo mesmo processo de restauro de azulejaria passarão as cúpulas do fontanário e do zimbório.

No que toca ao suporte pétreo, o zimbório e o fontanário, alocado em frente ao mesmo, serão sujeitos a uma intervenção que tem como objectivo a estabilização de todas as patologias e eliminação de factores que potenciem a sua degradação. Sujeitos a intervenções anteriores e “em estado de conservação mediano” passarão por um processo de limpeza de superfícies e de tratamento de desinfestação contra colonização biológica, responsável pela sua deterioração. Será ainda levado a cabo um processo de remoção de argamassas de intervenções anteriores. No caso do zimbório será feita uma avaliação estrutural dos elementos decorativos que decoram a cúpula e uma “revisão e eventual reforço estrutural” da empena e da cúpula, cujo reboco existente será picado para ser aplicado novo.

No interior do zimbório há quatro esculturas em calcário que representam 4 evangelistas - S. Marcos, S. Lucas, S. João e S. Mateus - que também serão restauradas. Após a intervenção de conservação e restauro, as imagens originais serão substituídas por réplicas de fibra de vidro com carga calcária, para que possam escapar aos factores de degradação.

O gradeamento metálico que veda o espaço, oxidado, com falhas na pintura e com várias deformações, será desmontado e posteriormente montado já com nova pintura e com algumas partes replicadas “ para anular todo o choque visual das lacunas”.

A história da imagem de Jesus que chegou à praia de Matosinhos

Estamos a 3 de Maio do ano 124 depois de Cristo. Em Matosinhos, na Praia do Espigueiro, dá à costa uma imagem de Jesus na cruz, alegadamente esculpida por Nicodemos, que o terá visitado no cárcere e testemunhado os últimos momentos da sua vida. Inspirado por este episódio, Nicodemos, que com a ajuda de José de Arimateia terá depositado o corpo de Jesus no sepulcro, terá esculpido várias imagens que retratam o episódio da crucificação, que mais tarde terá, desde a Palestina, lançado ao Mediterrâneo. Uma delas é a que os oceanos trouxeram até Matosinhos. Outras terão ido parar a outros países, dando origem a outros cultos. Mas esta tinha uma particularidade: faltava-lhe um braço. A população local terá tentado encontrá-lo, mas sem efeito. A imagem foi então guardada no mosteiro de Bouças, que hoje não passa de um ruína.

Eis que, 50 anos depois, uma mulher, que tinha uma filha surda-muda, foi recolher lenha na praia, chegou a casa e começou a acender o lume da lareira. Foi colocando pedaços de madeira na fogueira. A dada altura um dos pedaços teimava em não querer arder. A filha, que não falava desde a nascença, terá avisado a mãe, em voz alta, que aquele pedaço de madeira era então o braço que faltava na imagem do Bom Jesus de Matosinhos. A prova foi feita e o braço encaixou na perfeição na escultura que é atribuída a Nicodemos.

Esta história é, claro está, uma lenda, referida, mais recentemente pelo historiador Joel Cleto, no livro Senhor de Matosinhos. Lenda. História. Património, editado pela Câmara Municipal de Matosinhos, e que dá origem ao monumento do Senhor do Padrão (construído no século XVIII), o local onde a imagem terá aparecido, e à festa mais popular da cidade, o Senhor de Matosinhos.

Apesar da lenda remontar ao ano de 124, de acordo com o livro escrito pelo historiador, a imagem que actualmente está na igreja de Matosinhos, e que supostamente terá aparecido na praia naquele ano, não é nem de perto assim tão antiga. Contudo, datada de “século XII ou princípios do século XIII”, será uma das imagens de Cristo “mais antigas de Portugal”. São raras as vezes que a imagem sai da igreja onde está. Como refere o livro, duas das últimas saídas em procissão datam de 1944, “em plena 2ª Guerra Mundial para implorar pela Paz no Mundo” e em 1967 “para assinalar o cinquentenário das aparições em Fátima”.

Em Matosinhos, o Senhor do Padrão continua a ser uma referência, sobretudo, para a comunidade piscatória, que a 1 de Novembro visita o local em memória dos pescadores mortos no mar. Em Maio, continua a ser onde acaba a procissão do Senhor de Matosinhos.

Fonte: Publico

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