Por Gustavo Werneck
Na segunda missa da manhã, os fiéis atenderam ao apelo do padre e saíram em fila, de mãos dadas, para o ato em torno do adro da paróquia. No final, todos bateram palmas e levantaram os braços |
Eram 10h quando começou a segunda missa da manhã e padre Wellington falou aos fiéis sobre a situação da igreja e a necessidade de restaurar a cobertura o mais rápido possível. “Hoje, vamos começar a celebração de modo diferente. Gostaria de chamá-los para um abraço na nossa igreja. Abraço significa cuidado! Até chegar lá fora, vamos rezando e pedindo a Deus que nos proteja e também a esta obra-prima do barroco.” Convite feito, convite aceito, e todos saíram em filas, de mãos dadas, para o ato em torno do adro. No final, todos bateram palmas e levantaram os braços.
Desde março, a paróquia junta dinheiro para os serviços no telhado, mas o valor ainda é insuficiente. A obra, com projeto aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia responsável pelo tombamento, em 1938, está orçada em R$ 400 mil, mas há, em caixa, somente R$ 160 mil. “Conseguimos R$ 80 mil, fruto de doações, contribuições via carnês, barraquinhas, festas e venda de material reciclável, e o mesmo tanto de uma emenda parlamentar. Agora, não temos como obter os R$ 240 mil restantes”, informou padre Wellington.
Padre Wellington aponta no piso os estragos na madeira provenientes das goteiras |
O último restauro do forro ocorreu em 1985, conta o padre, que, ao caminhar pelo interior do templo, para com atenção diante do altar lateral de São Francisco de Paula. “Os anjos deste retábulo são atribuídos a Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814). Aqui estava a imagem de Santa Luzia, também de autoria dele e restaurada no ano passado, com a de Nossa Senhora do Carmo, no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG). Devido a goteiras, tivemos que mudar a peça de lugar, transferindo-a para o altar de Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores”, contou o pároco. A exemplo dos demais, os altares estão cobertos pelos tradicionais panos roxos da quaresma.
O MESTRE O padre teme também pelo altar-mor da igreja, obra do arquiteto e escultor português José Coelho de Noronha (1704-1765), mestre de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), cujo bicentenário de morte foi lembrado em novembro. “Se tivéssemos chuvas fortes em dezembro e janeiro, certamente nossos problemas seriam muito maiores. Temos tentado recursos de várias formas”, disse o padre ao apontar, no piso diante do altar de São Francisco de Paula, os estragos na madeira provenientes das goteiras. “Não nos resta outra saída a não ser pedir socorro”, assegura o religioso ao destacar a campanha SOS Matriz.
Acostumado a subir e descer a longa escada de pedra que conduz à cobertura, o sineiro Thomás André Silva Santos, estudante de conservação e restauração na UFMG, aponta um dos buracos no telhado que tiram o sono da equipe da paróquia. “Precisamos resolver logo esse problema externo, a fim de evitar a degradação interna”, disse o sineiro, que está na função desde os 15 anos e se mantém sempre atento à conservação. “A paróquia completou 291 anos no dia 16, tem muita história e a igreja faz parte de nossas vidas”, disse Thomás.
"Precisamos resolver logo esse problema externo, para evitar a degradação interna" - Thomás André Silva Santos, sineiro e estudante da UFMG |
Residente em Lagoa Santa, na Grande BH, o casal Fabrício Aparecido Fonseca, programador natural de Caeté, e Ludmila Carvalho Fonseca De Liz, gerente de sistema de gestão, apoia integralmente a campanha, principalmente por ser um bem de todos. “É um patrimônio necessitado de recuperação e a comunidade não pode fazer nada sozinha.” Ao lado, a aposentada Olga Maria Mello Vitoriano, de 74, lembrava do valor cultural e religioso da “relíquia mais importante de Caeté”, principalmente pela marca de Noronha e Aleijadinho. Para o motorista Emílio Álvares Muzzi, acompanhado da mulher Maria Flor de Maio Muzzi, servidora pública, é fundamental que as autoridades municipais, estaduais e federais cuidem do templo, “que não pode morrer”.
HISTÓRIA A edificação da igreja matriz é atribuída ao construtor Antônio da Silva Bracarena, a partir da planta possivelmente elaborada pelo arquiteto Manoel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho. Conforme os especialistas, trata-se de um marco da arquitetura religiosa em Minas, sendo considerado o primeiro templo erguido em alvenaria e pioneiro de um novo estilo diferenciado do barroco jesuítico. Na decoração interior, há um conjunto de retábulos em estilo rococó, os primeiros da Capitania de Minas, com destaque para o retábulo do altar-mor, no estilo dom João V.
No frontispício, está gravada a data de 1757, talvez o ano do término da obra. A portada (parte que adorna a porta de entrada da igreja) tem trabalhos em alto relevo, executados em pedra-sabão. Estudos mostram que a igreja está entre as primeiras com trabalhos de Aleijadinho, que teria iniciado ali a carreira como aprendiz do entalhador José Coelho Noronha. Entre as principais características da nave, há oito altares laterais executados ao gosto joanino e rococó com arcos interrompidos no coroamento dos retábulos.
Fonte: EM
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