quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Igreja do Carmo espera restauro há 108 anos

Museu e sacristia de templo histórico estão fechados há 20 anos.


Frei Alberto de Santana mostra uma das gavetas onde estão sendo guardados rebocos folheados a ouro. (Foto: Marina Silva/Correio)

As paredes pintadas de folhas de ouro, o teto e azulejos coloridos e os altares detalhadamente esculpidos da Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo, no Centro Antigo, são parte importante da história da Bahia. Ali é possível reviver passagens que remontam o século XVI, quando a edificação começou a funcionar. No entanto, basta uma caminhada atenta na construção para perceber que o local não recebe cuidados há tempos.

Reconhecida como patrimônio material pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1938, a igreja foi restaurada pela última vez em 1909. Hoje, o conjunto arquitetônico é composto por duas igrejas, um antigo convento, além de museu sacristia desativados – não são abertos ao público há 20 anos, por causa da ação de cupins que ameaçam as estruturas.

As rachaduras e trincas na igreja denunciam o abandono. Outro problema que a construção sofre é com a infiltração. Nos períodos mais chuvosos, os fiéis e responsáveis chegam a colocar baldes para conter a invasão da água. O industriário Adailton Ribeiro Silva Gama, 51 anos, foi um dos que já ajudou a enxugar o local. Ele frequenta a igreja diariamente e já chegou a ficar com medo dos rebocos, que costumam se desprender.

Segundo ele, houve uma promessa de reforma do local, mas, até agora, nada foi feito. “Essa reforma está se arrastando há muito tempo. Deixamos até de fazer casamentos”, completou ele, que nem lembra a última vez que isso ocorreu.

Ouro na gaveta
Os pedaços de reboco que caem são guardados na sacristia desativada, dentro de duas gavetas de um grande móvel feito com madeira de jacarandá. O espaço foi escolhido por um dos freis da igreja, Eduardo Rufino.

Funcionário da igreja há 16 anos, Reinaldo Cerqueira, 36, também costuma guardar os materiais que caem das paredes. “Tá bem precária a situação. Quando a gente olha de perto é que dá pra ver. Tem coisa que vai caindo, a gente cola, mas, quando não dá, a gente guarda para quando for restaurar”.

A manutenção e segurança de todo o conjunto é feita por dois funcionários e três freis. Segundo outro frei responsável pela igreja, Alberto de Santana, o dinheiro utilizado para pagar os gastos é da Província Carmelitana de Santa Elias.

Para ajudar a manter o templo, os freis ainda alugam a parte do convento ao Hotel Pestana. O contrato foi assinado no ano 2000. Esse dinheiro também é usado para pagar as despesas, como água, luz e salários.

Com medo de não pagar as dívidas do local, um dos freis teme que um dia o hotel saia do convento. “Se sair vai ser difícil pagar as contas, porque é muita coisa”, comenta o frei Raymundo Brito. De acordo com ele, uma conta de luz do local chega a custar R$ 1,5 mil. “Já foi R$ 3 mil, mas nós reclamamos, aí eles (Coelba) abaixaram”, completa o religioso.

Muita história
Foi no Convento do Carmo que os holandeses assinaram o termo de rendição para sair do Brasil, em 1626. Quem diz isso é o arquiteto e historiador Francisco Senna. De acordo com ele, o local foi utilizado como quartel general dos portugueses durante quase um ano. “Em 1624, quando os holandeses invadiram a Bahia e tomaram o Mosteiro de São Bento, os portugueses tomaram o Convento do Carmo”, conta.

Ainda de acordo com ele, o espaço do conjunto foi doado à Ordem Carmelita, que vinha fazer missões no Brasil. “É o maior convento carmelita, em área construída, do mundo”, destaca Senna. O local possui 80 celas e dois claustros.

Além da importância histórica, o local também guarda mais de 2 mil obras de arte sacra. Entre as peças estão: mobiliários, prataria, armaduras e porcelanatos. Uma das obras que o historiador destaca é o Cristo Atado à Coluna, uma peça esculpida em madeira e cravejada de rubis, os quais se assemelham às gotas de sangue e representam a dor vivida por Jesus Cristo. A obra é atribuída ao escravo Francisco Chagas, que é conhecido como Cabra ou Aleijadinho da Bahia.

Segundo o historiador, a igreja foi construída ao longo de séculos. Por conta disso, o estilo do local é variado. “Na fachada da igreja, você tem a presença do barroco. Já no interior, existe o neoclássico. Supostamente, essas mudanças aconteceram por causa da moda de cada época”, comenta.

O relicário de Santa Teresinha também é outra importante obra do local. Nele, segundo o historiador, é possível encontrar fragmentos de objetos e roupas da santa, morta no final do século XIX.

Beleza escondida
Ao lado da Igreja do Carmo, que fica anexa ao grandioso convento, há ainda a Igreja da Ordem Terceira do Carmo. O templo guarda a imagem do Cristo Morto com mil rubis, também feita pelo escravo Francisco Chagas.

O restaurador e professor José Dirson Argolo lamenta que a sacristia da igreja esteja fechada. “É uma das mais belas sacristias do Brasil”, garante. O local, segundo ele, é em estilo rococó. “As pinturas feitas em madeira, os quadros e altares dão todo o esplendor ao lugar”, completa.

Para o professor, o trabalho de restauração deve ser feito com urgência.

Comunidade se une para reabrir espaços após 20 anos
Engenheiros, arquitetos, produtores e museólogos e profissionais de diversas áreas de Salvador se reuniram com o objetivo recuperar o museu e a sacristia da Igreja do Carmo, fechada há 20 anos, através do movimento multicultural Viva o Carmo – Aqui, a Cultura é Sagrada.

O projeto promove um evento que reúne artistas de diferentes linguagens no Convento do Carmo. No local, são feitos oficinas de yoga para crianças, recreação infantil, contação de histórias, feira de artesanato, exposição de fotografias, recital de poesia, oficina de culinária, rodas de conversa e desfile de marcas de estilistas baianos. A ação já teve três edições e a última ocorreu no dia 28 de outubro. Na ocasião, duas mil pessoas participaram das atividades.

Madrinha do projeto, a cozinheira Tereza Paim, do Restaurante Casa de Tereza, diz que entrou em contato com as pessoas interessadas em participar do movimento. “Falei com os freis e com o pessoal interessado no projeto. O evento traz a sociedade para interagir com o patrimônio e arrecadar fundos para a igreja”, afirma.

Inicialmente, o dinheiro que já foi arrecadado na primeira edição do evento vai servir para o museu.


A segunda fase do projeto vai tentar captar recursos para a igreja. “Não temos a capacidade de fazer tudo de vez, porque é muito grande. Estamos fatiando para facilitar”, detalha o religioso.

A Arquidiocese de Salvador é formada por 15 municípios, 113 paróquias, e mais três quase paróquias. As paróquias e quase paróquias são divididas em pequenas comunidades que, somadas, dão em torno de 800 templos.

Segundo a assessoria da Arquidiocese, no bairro Santo Antônio Além do Carmo existe a Paróquia Santo Antônio Além do Carmo, que é formada pela matriz e mais oito comunidades. Ou seja, são nove templos no bairro, ao todo.

Iphan diz que pedirá verificação do espaço
Em relação aos problemas com a estrutura do Museu e Igreja do Carmo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que vai consultar um técnico, para analisar a situação da obra, antes de emitir um parecer.

Segundo a assessoria do órgão, que é responsável pela fiscalização e conservação dos bens tombados no país, o tombamento não garante a manutenção e a conservação no imóvel. “O Iphan realiza a fiscalização do estado de conservação dos bens tombados, cabendo ao proprietário a manutenção e a conservação do imóvel. Isso vale para qualquer bem tombado, seja de uso público ou privado”, afirmou o instituto, em nota enviada ao Correio.

“O tombamento é uma ação de reconhecimento de um bem como parte do Patrimônio Cultural Brasileiro, ou seja, é um reconhecimento do Estado de que este bem tem relevância nacional. A partir do tombamento, e como consequência dele, o Iphan passa a ter responsabilidade no acompanhamento da preservação do bem. Contudo, a responsabilidade pela conservação continua sendo dos proprietários”, reforça o comunicado.

Por Milena Teixeira

Fonte original da notícia: O Correio – Bahia / DEFENDER

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