quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Jesuítas sepultados nas Missões inspiram livro de autor gaúcho



Igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, é Patrimônio da Unesco (Foto: José Roberto de Oliveira)

A informação de que três jesuítas espanhóis estariam sepultados na Igreja de São Miguel Arcanjo, inspirou o pesquisador José Roberto de Oliveira a escrever em novo livro onde, além de processos históricos, fala da espiritualidade marcada, entre outros, pelo Santuário de Caaró, construído em homenagem aos sacerdotes Roque González de Santa Cruz, Afonso Rodrigues e Juan del Castillo, martirizados em 1628. A experiência nas Missões foi uma das mais importantes para a história da humanidade, afirma.


As Missões Jesuítico-Guaranis têm “um exemplo magnífico de fraternidade, amor, carinho, sustentabilidade” para fornecer à humanidade.



Partindo dessa certeza, o escritor e pesquisador José Roberto de Oliveira* se dedica com paixão em trazer ao presente a “experiência missioneira” de quase 200 anos de duração, enaltecida como “a grande utopia” por escritores como Voltaire, Charles Montesquieu, Ludovico Antonio Muratori, Charlevau.



10/02/2021

Em contato com a obra Misiones y sus pueblos guaraníes, de autoria do Pe. Guillermo Furlong SJ (788 páginas, reeditado em 1962 em Buenos Aires), José Roberto soube que três jesuítas espanhóis haviam sido sepultados na Igreja de São Miguel Arcanjo: José Castro (+1721), Tomás García (+1762) e Francisco Ribera (+1747), este último considerado o grande construtor da igreja e do conjunto arquitetônico de São Miguel, onde viveu por 45 anos. E precisamente essas informações, motivaram o pesquisador santo-angelense a escrever um novo livro:


Encontrar os nomes e a localização onde estão esses três jesuítas são informações para nosso mundo cristão e também para o mundo dos jesuítas. Reencontrar ou encontrar explicações para onde estão os que iniciaram esse processo todo de cristianização aqui no sul da América é muito importante e valorizá-los também, pois afinal de contas, foram aqueles que construíram o processo inicial de cristianização na região sul do continente americano.


O que se sabe, é que nos anos 1928/1930, foi constatada a existência de estruturas no solo da nave central da igreja, que vieram a ser mais tarde aterradas. “Agora - explica José Roberto ao Vatican News - casa perfeitamente as informações da comunidade daquele período com as escritas que mostram efetivamente os três sacerdotes que estão lá”.

Área demarcada no completo arquitetônico das Missões (Foto: José Roberto de Oliveira)
Projeto para escavações arqueológicas


Assim, com vistas a um projeto de escavação, foram contactados o chefe do Escritório do IPHAN e o arqueólogo Felipe Pompeu. “Todo processo de levantamento arqueológico - explica José Roberto - é parte de um projeto científico e com esses dados todos que estamos conseguindo, que são dados científicos, obviamente isso levará a esse projeto. Já tem uma série de arqueólogos interessados nesse trabalho, já há uma discussão”.

Neste sentido, o pesquisador acrescenta que o Grande Projeto Missões reúne mais de 250 pesquisadores efetivos, além de estudiosos sobre a história das Missões, “então estamos em uma discussão bastante profunda sobre essa questão e isso obviamente vai levar a esse projeto que vamos apresentar ao Ministério da Cultura, porque ali estamos em área do Patrimônio Cultural da Humanidade. Além de ser área arqueológica brasileira, tem também essa supervisão da Unesco, então é muito importante que se tenha todos os trâmites bem corretos, como devem ser”.

Jesuítas e o amor ao Evangelho

Na elaboração do novo livro, José Roberto repassa obras de autores de vários períodos, como Antonio Ruiz de Montoya (1612-1652) - que é o primeiro a escrever sobre as Missões -, mas também do Pe Antônio Sepp, pároco de São Miguel e mais tarde fundador de São João Batista (a Redução entre Santo Ângelo e São Miguel) uma das sete Reduções. Justamente ele, que havia sido menino cantor em Viena, nascido no berço de família nobre austríaca, deixa a Europa pelo amor Evangelho, assim como o fizeram tantos outros jesuítas de diversos países que foram viver nos 30 Povos:

O que um príncipe está fazendo aqui, no sul da América, cristianizando nos anos 1600-1700? O que leva um príncipe, um dos homens mais importantes da música barroca na Europa nos finais dos anos 1600, com produções, ele mestre de capela do rei da Áustria, o que leva, digamos, o amor à cristandade a esses homens saírem da Europa, desistir dessa vida na Corte Europeia, mundo de reis, e vir para a América para cristianizar os indígenas que estavam iniciando sua vida no cristianismo?

Cruz Missioneira (Foto: José Roberto de Oliveira)
Uma semente para o desenvolvimento da humanidade


As novas pesquisas e estudos revelam “um conjunto de elementos” que são importantes serem conhecidos pela sociedade, “não só no Brasil, mas para o mundo, o mundo que está buscando luz para um modelo novo, mais fraterno, mais amoroso”. “Com a formação, gente fazendo doutorados e pós-doutorados, as portas começam a se abrir também na Europa para que estudiosos possam buscar mais e mais informações”, destaca o santoangelense:

Isso não será só no nosso tempo de agora, claro que é muito importante isso que estamos fazendo, que é dizendo essas coisas, para que mais estudantes se interessem e depois nos seus trabalhos de qualificação, de doutorado, de pós-doutorado, possam trabalhar essas pesquisas todas e isso não irá parar nunca, algo que foi uma das experiências mais importantes da humanidade, cada vez mais importante para a construção disso que eu chamo desse mundo novo, que o cristianismo vem trabalhando e procurando desenvolver, então aqui tem uma semente muito importante para o desenvolvimento da humanidade”.

Missões, modelo para um mundo novo

A presença dos jesuítas no período das Reduções Jesuítico-Guaranis foi determinante na construção cultural do “modo de ser, na formação do povo gaúcho”, recorda ainda o pesquisador, o que é fundamental para explicar “como nós somos, a espiritualidade, o modo de ser do povo gaúcho”. Mas vai bem além disso:

“As Missões oferecem um modelo, uma luz, e como cuidar daquelas pessoas com mais necessidade, e como ter um modelo fraternal, carinhoso, com relação às pessoas, e mais, como construir um modelo com alimentação, um modelo com trabalho, um modelo com valorização cultural daquelas pessoas (...). É possível trabalhar profundamente o tema Missões precisamente para que ele colabora na construção de um mundo novo que todos nós sonhamos”.

Na experiência missioneira, de fato, existem “elementos fundantes de compreensão”, que trazidos para a realidade de hoje podem ajudar em processos de inclusão também dos descendentes dos indígenas que habitavam o continente americano:

“Temos um evento histórico cultural extremamente importante para essa ideia de formação de um mundo novo. O planeta está precisando de luzes, de sustentabilidade, de como lidar com essas coisas todas e as Missões tem para fornecer para a humanidade um exemplo magnífico de fraternidade, de amor, de carinho, de sustentabilidade, e que pode ser um bom exemplo para a humanidade nesse procurar que estamos no dia de hoje.”

Vista panorâmica das ruínas de São Miguel
2026 Ano das Missões Jesuítico-Guaranis


Com o decreto N° 576.368 de 18 de dezembro de 2023, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul instituiu o ano de 2026 como dos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis no Estado. A este respeito, José Roberto de Oliveira recorda que o dia 3 de maio de 2026 marca os 400 anos da fundação da Redução de São Nicolau, do início do processo de cristianização e o início do Estado do Rio Grande do Sul.

Ele essalta que “obviamente moravam indígenas de várias nações no conjunto do Rio Grande do Sul, muito anterior, de 12 mil anos, de 7 mil, 2.500 anos, e na ocupação eles estavam distribuídos em todo esse território e obviamente por toda a América.”

Neste sentido, acrescentamos a informação de André Luís Freitas da Silva, que em sua dissertação de Mestre em História intitulada “Reduções Jesuítico-Guaranis: espaço de diversidade étnica”, recorda “que em um conjunto de 57 reduções organizadas por jesuítas e populações nativas ao longo de 159 anos, 25 foram constituídas por grupos diferentes entre si, cultural e linguisticamente”, e que “a ideia de que as reduções eram habitadas só por Guarani está historicamente vinculada à política colonial iniciada no século XVI, de reduzir a vasta diversidade étnica a uns poucos grupos considerados principais”.


E para quem pretende visitar a região, também no contexto dos festejos, existem várias opções culturais, que envolvem o contato com parte dessas reduções. Para tal, o Aeroporto de Santo Ângelo recebe três voos semanais, houve melhorias na malha rodoviária, o que facilita o deslocamento de turistas na região. Para queles que planejam uma imersão a pleno título na realidade, na história e na espiritualidade missioneira, existe o Caminho das Missões em suas várias versões: desde aquela internacional, de 30 dias - que parte da primeira Redução no Paraguai, San Ignacio Iguazu, passando pelo conjunto das oito Reduções paraguaias, depois as 15 na Argentina, as brasileiras, chegando até Santo Ângelo, que é o ponto final, o encontro com seu Anjo da Guarda- até a caminhada de um dia.

A região recebe muitos turistas, “gente em busca dessa espiritualidade de entendimento do que foi essa experiência missioneira, no passado, e que compõe quais necessidades que temos de um mundo melhor nos dias atuais”, diz José Roberto.

*José Roberto de Oliveira é de Santo Ângelo (RS), engenheiro de formação, na área da Topografia e Cartografia; foi por longo tempo docente na URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões); diretor de desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Sul; um dos fundadores do Ministério do Turismo; criador em 2012, junto com os jesuítas, mais argentinos e paraguaios, da “Nação Missioneira”; foi criador do Circuito Internacional Missões Jesuíticas e representante brasileiro no Mercosul, também em função de seu envolvimento no tema das Missões.

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