Prólogo
A historiografia nos convida a imaginar a vida na extensa
circunvizinhança de São Paulo de Piratininga dos dois primeiros séculos
como a pintura de uma paisagem predominantemente rural, os morros
cobertos por matas, com pequenas aberturas onde se cultivam os víveres
indispensáveis à subsistência das famílias espalhadas por este vasto e
bucólico cenário, em suas moradias, sempre rodeadas por índios
trabalhando, cingindo a terra, conduzindo o gado, transportando coisas.
Uma dessas moradas se destaca sobremaneira já pelo portal de entrada,
todo em madeira lavrada, onde, logo depois de ultrapassá-lo, se vê
alguns cavalos num cercado tosco tendo ao lado algumas cocheiras, de
onde prossegue um caminho adornado por roseiras e marmeleiros de lado a
lado até encontrar um pátio onde se dispõem diversas benfeitorias.
O observador atento logo se apercebe da rara presença de mulher
branca, aqui apenas assinalada numa figura postada ao lado de um homem
barbudo que parece dar ordens, a partir da varanda de uma casa larga e
atarracada, a um grupo de índios que se dirige a uma capela alpendrada
posicionada a pouca distância.
Bem ao lado da capela alguns índios se ocupam em fincar um pau
comprido encimado por uma bandeira, prenunciando alguma festividade.
Outro grupo, este só de índias, se concentra em torno de umas choças,
não muito distantes da mencionada casa, onde preparam comidas em
abundância.
A normalidade cotidiana parece algo alterada diante de tanta
atividade. Alheio a tanta agitação, um padre, provavelmente da Companhia
de Jesus, catequiza um grupo de indiozinhos, que parecem entonar
cânticos religiosos.
Bem mais adiante, após ultrapassar um trigal bem proporcionado, surge
um panorama não muito diverso, exceto em relação à escala dos elementos
antes mencionados, que se dispõe em unidades ao longo de um caminho
plano, umas de tamanho médio, outras menores, demarcadas por valas e
arvoredos de espinho, retratando a vida mais modesta de seus moradores
que, todavia dispõem igualmente de alguns índios para o trato de suas
lavouras e criações.
O caminho prossegue e mais adiante ainda se vê um grupo de índios
transportando sabe-se lá o quê em grades feitas de cipó por sua vez
atravessadas por paus que se apoiam sobre seus ombros.
Outro pequeno grupo segue mais adiante conduzindo algumas cabeças de
gado. O destino parece ser um platô onde, no alto, se vê um casario
descontínuo pontilhado por algumas torres de igrejas que se erguem a
pouca altura sobre os telhados dos demais edifícios.
Para além desse elevado, no prosseguimento do caminho, pode-se ainda
observar, vindo em direção contrária e tendo à frente homens encimando
bandeiras, outros agitando suas espadas, seguidos por um grupo de
pessoas armadas, atrás das quais seguem centenas de índios, muitos dos
quais acorrentados e cercados por outros índios que, com lanças em punho
ou porretes à mão, os conduzem em fila. Apesar da distância, percebe-se
o grande número de mulheres e crianças, algumas de colo, que, abraçadas
ou de mãos dadas, seguem enfileiradas.
E, por fim, no lado oposto e à meia altura do quadro, num clarão da
mata, se vê uma capela com um edifício anexo tendo vários casebres no
entorno de uma larga praça assim formada, com inúmeros índios próximos à
figura de um padre a gesticular e apontar para o céu!
Veja aqui a íntegra do texto – Capelas Rurais Paulistas dos séculos XVII e XVIII
Fonte: Casa do Patrimônio Vale do Ribeira
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