quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Peças da arte sacra missioneira são encontradas em museu de Alegrete

Imagem de Santo Antônio e da Imaculada Conceição foram esculpidas há cerca de 300 anos e passaram por exames, que detectaram ouro numa delas e bilhetes de devotos

Por: Bruna Porciúncula


Imagens da Imaculada Conceição e de Santo Antônio serão apresentadas nesta sexta-feira à comunidade de AlegreteFoto: Cristina Lima / Divulgação


No meio do pampa, na histórica cidade de Alegrete, na Fronteira Oeste, duas peças sacras poderão ajudar na construção de um inventário da produção artística do tempo das missões jesuíticas no Rio Grande do Sul. Uma imagem da Imaculada Conceição e outra de Santo Antônio despertaram, no começo do ano, a curiosidade do pesquisador Édison Hüttner, do programa de pós-graduação em História da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Ele está à frente do Projeto de Arte Sacra Jesuítico-guarani da universidade, no qual dedica-se ao garimpo de objetos da arte missioneira. A imagem de Nossa Senhora tem detalhes em ouro nas vestes, e o Santo Antônio ainda conservava em seu interior bilhetes de devotos, provavelmente deixados ali há cerca de 60 anos.

As duas peças estavam no Museu de História Natural do Centro de Pesquisa e Documentação de Alegrete (Cepal), que funciona em um antigo depósito da viação férrea. Pouco se sabe sobre os caminhos que as imagens cruzaram até chegar ali. Presidente do espaço cultural, Nelson Assumpção dos Santos, 64 anos, conta que o irmão dele, Danilo Assumpção Santos, que morreu no ano passado, sempre foi um colecionador de objetos antigos e, nos anos 1990, havia ganho as duas imagens de uma família como forma de agradecimento, já que Danilo desenvolvia trabalhos espiritualistas entre as famílias alegretenses.

— Não se tem documento, nada disso. Mas lembro de o Danilo contar que eram peças que estavam jogadas, como porcarias, perto de um galinheiro na casa dessa família. Ele percebeu que poderiam ter um valor e aceitou ficar com elas — conta Nelson.

O pesquisador Édison Hüttner deparou com as peças em uma visita ao centro cultural. Logo notou que as imagens poderiam ser mais do que simples representações divinas e pediu para analisá-las. Descobriu então que se tratavam de exemplares da arte missioneira, com idade estimada em 300 anos, feitas em cedro e, no caso da Imaculada Conceição, com folhas finíssimas de ouro nas vestimentas. O metal precioso, de acordo com a pesquisa, teria vindo da Espanha para a confecção dessa e de outras peças provavelmente. A imagem também apresentava orifícios típicos da produção jesuítico-guarani e pontos que abrigavam a representação de uma meia lua, uma das características da Imaculada Conceição.

— Tudo aponta para a arte barroca feita nas Missões. Como eram peças andarilhas, que circulavam para além dos muros das reduções na ideia de ampliar o espaço sagrado, muitas estão espalhadas por aí. Acredito que outras peças do Cepal também podem ter a mesma origem — diz Hüttner.

O Santo Antônio missioneiro também reservou uma surpresa ao pesquisador. Na parte oca da imagem foram encontrados pequenos pedaços de papel com nomes de devotos, que pediam desde casamento até ajuda para encontrar algum objeto perdido. Os detalhes das mensagens não foram divulgados em respeito aos autores e devem ser mantidos em sigilo.

Tomografias e exames de laboratório

Se é desconhecido o caminho das duas imagens até serem localizadas em Alegrete, o destino delas depois disso já foi traçado. Primeiro, ambas passaram por uma detalhada avaliação no Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), em Porto Alegre. Sob orientação do dentista Éder Abreu Hüttner, irmão de Édison, elas foram submetidas a sessões de tomografia computadorizada, que ajudaram a identificar material e detalhes internos das peças, e a análises no Laboratório Central de Microscopia e Microanálise da PUCRS, onde foram identificados elementos como o ouro das vestes da Imaculada Conceição.

As imagens também serão catalogadas e ainda registradas em cartório. Isso deve ocorrer depois de a pesquisa ser apresentada à comunidade de Alegrete nesta sexta-feira, às 19h, no Cepal. Ambas as peças serão mantidas no acervo do espaço cultural da cidade e já ganharam proteção adequada.

Um garimpo sem data para acabar


O projeto de Arte Sacra Jesuítico-Guarani da PUCRS começou a ser desenvolvido em 2013 e não tem data de conclusão. Já localizou uma cruz missioneira na cidade de Camaquã, no sul do Estado, e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição em São Jerônimo, mas, anteriormente, o pesquisador já havia localizado dois anjos missioneiros em Passo Fundo por meio de trabalhos no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Cultura Indígena da instituição.

O achado em São Jerônimo ocorreu há um ano e mobilizou a comunidade católica da cidade, que apresentou a face missioneira de Nossa Senhora da Conceição em solenidade na igreja matriz.

— A pesquisa de São Jerônimo foi muito importante, pois abriu novas perspectivas na arte missioneira e a esperança de encontrar outras. Em toda a região das Missões, esse fato continua comentado — conta Hüttner, que em breve iniciará a avaliação de outra imagem encontrada em Alegrete, a de uma Santa Teresa de Ávila.

— Ela tem olhos de vidro, o que não era usado naquela época, mas tem cabelos de índia — comenta.

O presidente do Cepal, Nelson Assumpção dos Santos, espera que as pesquisas de Hüttner em Alegrete sirvam para aproximar a população do acervo do local. As imagens de Santo Antônio e da Imaculada Conceição missioneiras ganharão cuidados especiais:

— Precisamos tomar providências à altura do valor histórico que elas têm.

A apresentação da pesquisa sobre as imagens de Santo Antônio e da Imaculada Conceição em Alegrete será na sexta-feira, às 19h, no Cepal (Rua Coronel Luiz Inácio Jacques, 66, Centro). Entrada franca.
 Fonte: ZERO HORA
Indicação do amigo: Édison Hüttner

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