quarta-feira, 2 de março de 2016

Reformar ou restaurar? A disputa pela Catedral Nossa Senhora da Oliveira, de Vacaria


Milton Ribeiro

A Catedral Nossa Senhora da Oliveira tem sido alvo de um grande debate na cidade de Vacaria e no Rio Grande do Sul. De um lado, representantes da igreja e de parte da congregação desejam reformar a igreja respeitando parcialmente sua configuração original. De outro, o grupo que faz questão de ela seja restaurada dentro de seu estilo original. A questão está na Justiça, mas, hoje, o prédio está liberado para que as obras continuem. A disputa está longe de seu final.

A Catedral foi projetada em 1912 por Jean-Louis Bernaz, o Frei Efrem de Bellevaux, e concluída em 1933. Construída em alvenaria de pedra basalto, é também chamada de Catedral de Pedra. As torres pontiagudas da Catedral de Nossa Senhora da Oliveira, com 48 m de altura, possuem marcada influência neogótica que a tornam, guardadas as proporções e alguns pontos, semelhante à Catedral de Notre Dame, em Paris. Tal influência também pode ser vista na porta principal e nas demais aberturas com arcos ogivais.

Construído em mármore italiano, o altar tem várias tonalidades. No teto, há anjos e santos, pintados provavelmente com uma mistura de cal e sangue de boi. Internamente, a igreja possui colunas cilíndricas, encimadas por capitéis. E a abóbada é decorada com medalhões e pinturas que simbolizam ladainhas de Nossa Senhora. Tudo isso faz com que a Catedral seja um dos mais belos templos religiosos do Rio Grande do Sul.

Em 1930, a igreja recebeu o título de Catedral. O nome se justifica por abrigar uma pequena imagem de madeira de Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Oliveira. Esculpida em estilo português, essa imagem foi encontrada por um camponês por volta de 1750.


Detalhe de um rasgo feito na coluna para esconder a fiação de luz.

Reforma ou restauração?

O site da Catedral explica que o prédio precisa e tem recebido um cuidadoso restauro, mas tal fato é contestado por um grupo de pessoas que após denúncia ao Ministério Público de Vacaria já obtiveram paralisar aquilo que chamam não de restauro, mas de reforma. A diferença não é apenas semântica, é de fundamento. Uma reforma pode mexer na estrutura de um prédio, novos estilos podem ser adotados, coisas novas podem ser acrescentadas. Ou seja, é algo que engloba mudanças.

Uma restauração não mexe na estrutura, o modelo original deve ser recomposto. Conserva-se cuidadosamente o antigo, sem acrescentar nada de substancial. Protege-se a história. Talvez a grande diferença entre reforma e restauração esteja no ponto onde se quer chegar. A reforma visa alterar o original — o que, no caso da Catedral de Vacaria, seria uma descaracterização. Já a restauração quer manter a configuração original em perfeitas condições.

As pessoas que não aceitam a reforma criaram um grupo no Facebook chamado ‘’Preservação da Catedral Nossa Senhora da Oliveira — Vacaria’’. A página reúne muitas fotos e publicações das pessoas da cidade, assim como de arquitetos e de quem tem alguma história associada à Catedral, a qual é tombada. Tal tombamento é um dos principais problemas do caso. A Lei Nº 2.378/2006, que autoriza o tombamento, tem apenas seis linhas. Não há um levantamento das características do prédio e nem das obras de arte que fariam parte do tombamento. Ou seja, o tombamento realizado pela prefeitura de Vacaria é totalmente incompleto.

O Brasil é signatário de normas internacionais de restauro e estas vigoram em todo o país. Foi feita uma denúncia ao Ministério Público em 2014, a qual agregou-se ao inquérito Civil de 2011 — pois se soube que já havia um inquérito civil de 2011, data do início da reforma. Quando a Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público do RS fez sua vistoria, em 2014, a casa já estava em obras bem avançadas. Questionada, a prefeitura não prestou esclarecimentos detalhados sobre o que deveria permanecer na reforma/restauro. Outro problema é que não há um projeto que determine claramente o que será feito.

O processo

Durante este período se produziu farta documentação técnica. Segundo o MP, não faltam fundamentos técnicos para explicar que as obras são irregulares.

Em troca de informações no Facebook, o grupo contrário às obras descobriu que a empresa que está fazendo a reforma, a Ars Restaurações Ltda., já trabalhou em aproximadamente 20 igrejas no sul do país. E, segundo eles, a Ars parece ter seus próprios critérios de reforma. Algo que se repete é a retirada dos rodapés originais. No lugar deles, é sistematicamente colocada pedra rosa. Isto ocorreu também em Garibaldi, onde um grupo de pessoas da comunidade, do qual também faziam parte arquitetos, denunciou ao Ministério Público da cidade e conseguiu fazer parar a reforma após apelação ao MP. Em Garibaldi, a igreja com o rodapé metade rosa e metade sem intervenção.

Novo Hamburgo, Tupandi, Ilópolis, Bom Princípio, Santo Ângelo, Bento Gonçalves, Vacaria, e Porto Alegre (Capela São Rafael) são exemplos de cidades que possuem Igrejas com rodapé da mesma pedra rosa.


Destruição do reboco original para a colocação de pedra grês rosa.

Os representantes da igreja argumentam que o local não é um museu. O fato é que o que está em jogo é um patrimônio histórico. O IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado) já se declarou contrário às obras e enfatiza a necessidade de um “projeto de restauração global”. Também fala que a reforma do rodapé é “pouco usual e ainda não testada”.

Em relação ao processo do judiciário, foi ajuizada uma ação civil pública. Atendendo ao pedido do Ministério Público de Vacaria, a obra foi parcialmente paralisada em 2014. A determinação judicial baseada no laudo da Divisão de Assessoramento técnico do MP (DAT) apenas permitiu a continuidade da instalação de som e luz.

Neste ínterim, o processo correu. Houve uma tentativa inútil de conciliação, até porque as questões orçamentárias e técnicas não eram claras. O MP pediu o cancelamento das obras e a igreja manteve-se irredutível na sua intenção. Foram produzidas provas — o MP redigiu 59 páginas de sustentação nos Memoriais — , ouvidas testemunhas e a decisão da justiça local foi surpreendente: liberou a obra. Neste momento, desde o dia 03 de fevereiro deste ano, a igreja está liberada para prosseguir a obra, contra o que fora pedido pelo Ministério Público e o aconselhado pelo IPHAE. O MP só obteve a responsabilização da prefeitura o tombamento. Trecho da sentença:


“Desta feita, deverá o Município réu adotar as medidas cabíveis para regularizar o ato de tombamento da Catedral em questão, consoante itens 6.3 e 6.7 do relatório da Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público (fl. 217 e ss), observando, ainda, o disposto no Decreto federal n.º 25/37, no prazo de 180 dias.”

Esta semana, o MP entrou com uma apelação pedindo efeito suspensivo. A intenção é a de parar as obras novamente. É um passo crucial para ambos os lados, pois o processo sairá de Vacaria e virá para Porto Alegre. A decisão proferida foi em primeiro grau – decisão monocrática, isto é, de um juiz. Quando há discordância da decisão, pode ser feita uma apelação, que é julgada por uma turma de desembargadores, o chamado segundo grau. Esta é a fase na qual o processo se encontrará em breve.

As provas trazidas aparentemente denotam que foram realizadas obras que não guardam contato com a palavra restauração. E o projeto global ainda não surgiu. A Ars apresentou apenas um projeto parcial. Segundo representantes do grupo, tal projeto seria apenas plantas baixas e um Memorial descritivo de 2 páginas. O MP segue pedindo um projeto que explicando o que já foi e o que será feito. Argumenta que somente depois deste documento é que se poderá saberá se as intervenções são ou não prejudiciais para a catedral. Também diz que não há nenhum documento que embase os critérios de restauração.

Ou seja, em breve e em novo palco, nova luta deverá ser travada pela preservação ou reforma da Catedral Nossa Senhora da Oliveira.

.oOo.

Um exemplo de alteração do prédio. As colunas originais:



E as novas, restauradas. Algumas pessoas da comunidade acham o trabalho belo, outros já se referiram ao novo estilo como “tigradas” ou com a “presença de ervilhas ou feijões”.



As colunas antes e depois, o clássico e a tigresa:



A predileção da ARS pelo rosa em Garibaldi,



Bom Princípio,



Novo Hamburgo,



e Ilópolis.



Para finalizar, mais uma bela imagem da Catedral Nossa Senhora da Oliveira, de Vacaria:



Fonte: Sul21

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