segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Atualmente o problema da arte sacra é um problema de falta de amor

 Do Blog: Sentinela no Escuro

“Tudo vem do amor; tudo está ordenado para a salvação do homem; Deus não faz nada sem um objetivo em mente”. (Santa Catarina de Siena)

Nos últimos anos a arte tornou-se um caminho fundamental para o meu encontro com Deus. Uma bela obra de arte, assim como uma poesia bem elaborada chamam atenção porque refletem três dons bem aproveitados: esforço, criatividade e talento. Quando a técnica envolve esses três dons temos uma verdadeira obra-prima diante de nós.

Há, no entanto, um tipo de arte que transcende as demais: a arte sacra. Ela transcende porque está impulsionada  pelo amor. Não qualquer amor, mas um amor infinito em intensidade, profundidade e completude. Quando alguém ama uma bela mulher e resolve fazer uma poesia em sua honra, é possível que, caso sejam empenhadas as três qualidades ditas acima, aquela poesia se torne um clássico mundial. Isso acontece porque todo o seu amor e devoção transpiram e escorrem naquelas três qualidades, impulsionando-as. Por outro lado, quando o amor do artista por Deus o leva a realizar uma obra em honra do seu amado, acontece uma coisa estranha. Depois que a obra é terminada, aquele objeto de louvor se como que fica envolvido por um poder especial e contagioso. É como se esse poder fosse um copo a transmitir para outros copos uma porção daquele amor que liga Deus ao artista e artista à Deus. Isso não acontece com uma obra-prima como a “Mona Lisa”. Sim, é maravilhosa. Talvez a mais maravilhosa do mundo, mas não passamos a amar La Gioconda histórica só por ver o quadro.

Nesse mesmo contexto de coisas especiais e estranhas que a arte sacra inspira, pensemos na construções das grandes catedrais europeias. Gerações e gerações de artistas, trabalhadores braçais e doadores passam sem que uma catedral seja enfim concluída. Alguns só têm a sorte de ver as fundações – nada mais. Como  é possível que artistas diferentes, trabalhadores diferentes, técnicas diferentes, estilos diferentes, épocas diferentes, autoridades religiosas diferentes, resultassem numa catedral harmônica e coesa? Com tanta diversidade assim não seria difícil que dali não saísse mais que uma Torre de Babel.

Vejamos um exemplo prático: a catedral de Colônia na Alemanha. No decorrer dos 600 anos que foi construída tanta coisa mudou…até mesmo a religião que impulsionou sua edificação. No entanto, à época que fora finalizada, tornou-se o edifício mais alto do mundo. Outra pergunta que cabe aqui é: como aqueles humildes carregadores de pedras poderiam prever que o seu trabalho seria um dia concluído? Não sabia. É um jogo no escuro. Depende da fé. Outra pergunta ainda mais instigante: como os arquitetos poderiam prever que as fundações seriam fortes o suficiente para suportar as atuais duas torres de 157 metros de altura cada? Não poderiam. De novo depende da fé.

Hoje em dia os homens pós-modernos possuem grande dificuldade em acreditar – ainda que sejam formados para transmitir a fé – nominalmente o clero em geral. Nossas igrejas atuais são quase sempre feitas como obras públicas de governos quadrianuais: baratas, simples, lisas, rápidas, de má qualidade. A justificativa que se dá é não raro que “o povo não tem dinheiro”, chegando a ser incrivelmente absurda se pensarmos nas condições precárias das comunidades medievais que erigiram as primeiras grandes catedrais. O problema de hoje não está na arte, mas no amor. Se é verdade, como dissemos, que o amor depositado numa obra sacra é capaz de fazer irradiar e transmitir amor aos outros, por que vemos tão pouca obra sacra dentro das igrejas? Eu digo pouca porque não consigo considerar uma imagem de gesso, made in Taiwan, de Maria com o olho torto e os cabelos de azul, por causa de uma tinta escorrida do manto uma obra sacra. Ali há uma alusão ao sagrado que certamente nos leva a rezar, mas falta aquela característica que nos faz amar ainda mais Aquele que se esconde por trás na imagem.

Outra coisa interessante, ainda a respeito da catedral de Colônia é que durante a Segunda Guerra Mundial a catedral recém concluída (1880) sofreu um ataque de 14 bombas aéreas, permanecendo firme, rígida, forte como uma testemunha do poder de Deus sobre a maldade e o ódio. Lembrando ainda que aquela catedral não fora feita para inglês ver, mas para Deus ver. E para Deus nós damos o melhor. Tudo é dotado de amor e transcendência ainda que o tijolinho que eu ajudei a pagar hoje só resulte num produto digno de nota daqui a mil anos. Tudo que pensei sobre a arte sacra não é fruto de um sentimento nostálgico que comumente faz com que as coisas de outras épocas sejam melhores que as atuais. O fato é que poucas paróquias aqui de Brasília, para dar um exemplo de cidade moderna, vão durar cem anos para testemunhar fé ou qualquer coisa se é que pensaram em testemunhar algo ao construí-las. Penso nesse assunto com toda a humildade e predisposição para aprender que nós, como seres humanos, já fomos capazes de fazer mais e de ir mais além na arte devotada a Deus. Tudo isso me ensina sobretudo que a sociedade da informação com sua velocidade e ansiedade características não trouxe sempre resultados positivos, especialmente no âmbito da religião.

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