domingo, 22 de abril de 2012

Cidades mineiras disputam imagem de São Francisco de Paula

Divinópolis diz que emprestou a peça sacra, mas Pitangui afirma ter recebido uma doação






Uma imagem de São Francisco de Paula foi transformada em estopim de uma verdadeira “guerra santa” travada entre Divinópolis e Pitangui, no Centro-Oeste de Minas. A briga para saber quem é o verdadeiro dono da peça sacra dura mais de 10 anos e não tem previsão para acabar. Representantes das duas cidades garantem que estão aptos a cuidar e oferecer segurança a imagem de devoção, cuja autoria e data em que foi esculpida são desconhecidas. Em meio à discussão, os municípios chegaram a oferecer, um ao outro, uma cópia da imagem. No entanto, nenhum deles tem interesse em mostrar aos fiéis uma réplica no lugar da original. Dessa forma, o impasse continua sem solução.

A imagem do santo padroeiro dos marinheiros, que antes ficava na Paróquia Divino Espírito Santo, em Divinópolis, foi entregue ao Instituto Histórico de Pitangui em 1974. Na época, o bispo dom Cristiano Portela considerou necessário dar um lugar seguro às relíquias das paróquias vinculadas à diocese. Imagens e vários objetos de cidades do Centro-Oeste foram entregues a Pitangui, a fim de se criar um Museu de Arte Sacra na região. A polêmica começou quando a cidade de origem quis a peça de volta e teve o pedido negado. A justificativa dos atuais responsáveis por São Francisco de Paula é de que a escultura está em um lugar seguro, onde dificilmente sofrerá ações de vândalos ou será roubada.

Dirigentes do Instituto Histórico de Pitangui garantem que o São Francisco de Paula – esculpido em madeira, com 85 centímetros de altura e 33cm de largura – foi doado ao município pela Paróquia Divino Espírito Santo, e não emprestado. O vigário-geral da Diocese de Divinópolis, monsenhor José Carlos de Souza, contradiz essa afirmação: “O documento que temos fala que a imagem foi entregue para ser incorporada ao acervo do museu, e não doada. O bispo não poderia doar – como não doou – a imagem, uma vez que ela pertence à igreja e não a uma pessoa específica. Isso iria contra as próprias leis canônicas”, diz.

Monsenhor Souza ressalta que o maior agravante nessa história é que o Instituto Histórico de Pitangui conseguiu o tombamento municipal da peça há cerca de dois anos, mesmo sem a autorização da igreja. “A imagem foi emprestada para fazer parte do acervo do Museu de Arte Sacra. No entanto, ela foi tombada e faz parte do acervo do Museu Histórico de Pitangui. Na minha opinião, você só pode tombar algo que é seu, e a imagem não é deles. Na época, chegamos a fazer um documento dizendo que éramos contra esse tombamento, mas o texto foi desconsiderado”, afirma.

O vigário-geral de Divinópolis conta que a imagem tem grande importância para os católicos da cidade. Ele lembra que em 1767 foi erguida a primeira capela no município, que recebeu o nome de Divino Espírito Santo e São Francisco de Paula. A pequena capela, onde o santo ficava exposto, se tornou paróquia e é hoje a catedral de Divinópolis.

“Não estamos cultuando a imagem, e sim a tradição. Temos esse histórico de devoção a São Francisco de Paula na cidade, que tem sido resgatado, e por isso a importância de trazer a imagem de volta”. Monsenhor Souza acrescenta ainda que a cidade tem total condição de cuidar da escultura. “Eles não podem afirmar que a catedral não conseguiria oferecer condições seguras para obra, uma vez que não conhecem as condições que podemos dar. Eles tombarem a peça dificulta um pouco esse processo, mas não significa uma desistência. Já oferecemos a eles uma réplica no lugar da original, mas não aceitaram”, declara.

Doação

Fundadora do Instituto Histórico de Pitangui e professora universitária de história e antropologia Adelan Maria Brandão discorda da opinião do vigário-geral de Divinópolis. Ela confirma que a imagem foi uma doação e rebate: “Quando uma peça está em um museu, ela não é patrimônio de uma cidade. É patrimônio da humanidade. Cidades de toda região fizeram doações para o acervo e apenas em Divinópolis tivemos esse problema. Se todos que doaram algo para um museu começarem a pedir as peças de volta, não haverá mais um espaço para esse fim”, diz.

Por enquanto, a disputada imagem de São Francisco de Paula está sendo restaurada no ateliê do Grupo Oficina de Restauro, Belo Horizonte, junto com outras imagens do Museu Histórico de Pitangui. A sede, onde ficará o acervo, está sendo reformada. O casarão do final do século 18, onde viveu a lendária Joaquina de Pompéu, ficará pronto em seis meses. Com a obra finalizada, as 155 peças poderão novamente ser vistas pelo público.

Segundo o presidente do Instituto Histórico, César Miranda, o órgão pode oferecer mais segurança e condições adequadas de preservação da imagem. “O que podemos fazer é entrar em um acordo com Divinópolis e enviar uma réplica da imagem para eles. A maior parte das igrejas tem hoje réplicas das imagens, justamente por causa dos casos de furtos”, explica.

Enquanto Igreja e historiadores não definem quem vai ficar com a escultura, fiéis das duas cidades mantêm opiniões diversas. Devotos de Pitangui acreditam que, se a imagem está na cidade há quase 40 anos, não há motivos para retirá-la de lá agora. É o caso da dona de casa Rosângela Auxiliadora Ribeiro Costa, de 41 anos. Devota de São Francisco de Paula desde criança, ela acredita que levar a estátua seria um desrespeito aos católicos da cidade, que vêem na peça uma parte de seu passado. “Esta imagem faz parte de nós. Está aqui há tanto tempo e sendo tão bem cuidada. Por que querem levá-la embora?”, questiona.

A mesma opinião é compartilhada pelo motorista José Lopes Viana, de 69 anos. Católico fervoroso, ele também acha que Pitangui cuidará melhor do santo. “Aqui o espaço é feito para isso: cuidar das relíquias. É bobagem tirar a imagem daqui”, afirma. Já em Divinópolis, a conversa é outra: fiéis acreditam que a cidade precisa reivindicar a peça e colocá-la de volta no altar. Maria Auxiliadora Diniz, de 56, acredita que a volta de São Francisco de Paula seria um marco para os fiéis. “Ele é o segundo padroeiro da Paróquia do Divino Espírito Santo. Muitos devotos estão ansiosos para ver de perto essa estátua, que simboliza o início do catolicismo na cidade. Estamos nessa expectativa.”

Fonte: Estado de Minas

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