segunda-feira, 5 de março de 2012

A autêntica arte sacra

Por Rodolfo Papa*




























A arte sacra tem a tarefa de servir com a beleza à sagrada liturgia. Na Sacrosanctum Concilium está escrito: “A Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos, criando deste modo no decorrer dos séculos um tesouro artístico que deve ser conservado cuidadosamente” (n. 123).

A Igreja, portanto, não elege um estilo. Isso quer dizer que não privilegia o barroco ou o neoclássico ou o gótico. Todos os estilos são capazes de servir ao rito. Isso não significa, evidentemente, que qualquer forma de arte possa ou deva ser aceita acriticamente. De fato, no mesmo documento, afirma-se com clareza: “A Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro, escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a fé, a piedade e as orientações veneráveis da tradição e que melhor pudessem servir ao culto” (n. 122). Torna-se útil, portanto, perguntar-se “que” forma artística pode responder melhor às necessidade de uma arte sacra católica, ou, o que é o mesmo, “como” a arte pode servir melhor, “desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados”.

Os documentos conciliares não desperdiça palavras, e elas dão diretrizes precisas: a arte sacra autêntica deve buscar nobre beleza e não mera suntuosidade, não deve contraria a fé, os costumes, a piedade cristã, ou ofender o genuíno sentido religioso. Este último ponto vem explicitado em duas direções: as obras de arte sacra podem ofender o sentido religioso genuíno “pela depravação da forma, que pela insuficiência, mediocridade ou falsidade da expressão artística” (n. 124). Requer-se da arte sacra a propriedade de uma forma bela, “não depravada”, e a capacidade de expressar de forma apropriada e sublime a mensagem. Um claro exemplo está presente também na Mediator Dei, em que Pio XII pede uma arte que evite “o realismo excessivo por um lado e, por outro, o exagerado simbolismo” (n. 190).

Essas duas expressões referem-se a expressões históricas concretas. Encontramos de fato “excessivo realismo” na complexa corrente cultural do Realismo, nascido como reação ao sentimentalismo tardio romântico da pintura de moda, e que podemos encontrar também na nova função social assinalada ao papel do artista, com peculiar referência a temas tomados diretamente da realidade contemporânea, e também a podemos relacionar com a concepção propriamente marxista da arte, que conduzirão as reflexões estéticas da II Internacional, até as teorias expostas por G. Lukacs. Além disso, há “excessivo realismo” também em algumas posturas propriamente internas à questão da arte sacra, ou seja, na corrente estética que entre finais do século XIX e inícios do XX propôs pinturas que tratam de temas sagrados sem enfrentar corretamente a questão, com excessivo verismo, como por exemplo uma Crucifixão pintada por Max Klinger, que foi definida como uma composição “mista de elementos de um verismo brutal e de princípios puramente idealistas” (C. Costantini, Il Crocifisso nell’arte, Florença 1911, p. 164).

Encontramos em contrapartida “exagerado simbolismo” em outra corrente artística que se contrapõe à realista. Entre os precursores do pensamento simbolista podem-se encontrar G. Moureau, Puvis de Chavannes, O. Redon, e mais tarde aderiram a essa corrente artistas como F. Rops, F. Khnopff, M. J. Whistler. Nos mesmos anos, o crítico C. Morice elaborou uma verdadeira e própria teoria simbolista, definindo-a como uma síntese entre espírito e sentidos. Até chegar, depois de 1890, a uma autêntica doutrina levada adiante pelo grupo dos Nabis, com P. Sérusier, que foi seu teórico, pelo grupo dos Rosacruzes, que unia tendências místicas e teosóficas, e finalmente pelo movimento do convento beneditino de Beuron.

A questão se esclarece mais, portanto, se se enquadra imediatamente nos termos histórico-artísticos corretos; na arte sacra, é necessário evitar os excessos do imanentismo por um lado e do esoterismo por outro. É necessário empreender o caminho de um “realismo moderado”, junto a um simbolismo motivado, capazes de captar o desafio metafísico, e de realizar, como afirma João Paulo II na Carta aos Artistas, um meio metafórico cheio de sentido. Portanto, não um hiper-realismo obcecado por um detalhe que sempre escapa, mas um sadio realismo, que no corpo das coisas e rosto dos homens sabe ler e aludir, e reconhecer a presença de Deus.

Na mensagem aos artistas, diz-se: “Vós [os artistas] ajudastes [a Igreja] a traduzir sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a fazer perceptível o mundo invisível”. Parece-me que nesta passagem toca-se no coração da arte sacra. Se a arte, da forma à matéria, expressa o universal mediante particular a arte sacra, a arte a serviço da Igreja, realiza também a sublime mediação entre o invisível e o visível, entre a divina mensagem e a linguagem artística. Ao artista se pede que dê forma à matéria, recriando inclusive esse mundo invisível mas real que é a suprema esperança do homem.

Tudo isso me parece que conduz para uma afirmação da arte figurativa – ou seja, uma arte que se empenha em “figurar” como realidade – como máximo instrumento de serviço, como melhor possibilidade de uma arte sacra. A arte realista figurativa, de fato, consegue servir adequadamente ao culto católico, porque se funda na realidade criada e redimida e, precisamente comparando-se com a realidade, consegue evitar os escolhos opostos dos excessos. Precisamente por isso, pode-se afirmar que o mais próprio da arte cristã de todos os tempos é um horizonte de “realismo moderado”, ou, se queremos, de “realismo antropológico”, dentro do qual se desenvolveram, no tempo, todos os estilos próprios da arte cristã (dada a complexidade do tema, remeto a artigos posteriores).

O artista que queira servir a Deus na Igreja não pode senão medir-se como a “imagem”, a qual faz perceptível o mundo invisível. Ao artista cristão se pede, portanto, um compromisso particular: o de representar a realidade criada e, através dela, esse “mais além” que a explica, funda, redime. A arte figurativa não deve tampouco temer como inatual a “narração”, a arte é sempre narrativa, tanto mais quando se põe a serviço de uma história que sucedeu em um tempo e um espaço. Pela particularidade desta tarefa, ao artista se pede também que saiba “o que narrar”: conhecimento evangélico, competência teológica, preparação histórico-artística e amplo conhecimento de toda a tradição iconográfica da Igreja. Por outro lado, a própria teologia tende a se fazer cada vez mais narrativa.

A obra de arte sacra, portanto, constitui um instrumento de catequese, de meditação, de oração, sendo destinada “ao culto católico, à edificação, à piedade e à instrução religiosa dos fiéis”; os artistas, como recorda a já muitas vezes citada mensagem da Igreja aos artistas, “edificaram e decoraram seus templos, celebraram seus dogmas, enriqueceram sua liturgia” e devem continuar fazendo isso.

Assim também hoje nós somos chamados a realizar em nosso tempo obras e trabalhos dirigidos a edificar o homem e a dar Glória a Deus, como recita a Sacrosanctum Concilium: “Seja também cultivada livremente 'na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados. Assim poderá ela unir a sua voz ao admirável cântico de glória que grandes homens elevaram à fé católica em séculos passados” (n. 123).

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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas.

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